na mesma semana onde todo esse problema com a Brunette aconteceu eu saí novamente com a Moça da Carta de Amor. ela tinha terminado mais uma vez com o namorado e dessa vez, talvez, isso fosse importante, mas acho que não era não. sei lá. enfim, nós saímos mais uma vez e o ex-namorado, também amigo meu, foi junto. ficamos conversando por muitas e muitas horas, de manhã numa padaria onde as pessoas quase nos expulsaram de lá por termos realmente passado a manhã toda conversando, fomos até o apartamento dela onde descansei um pouco da viagem e depois até um parque do bairro. no meio-termo tomamos sorvete, o que sempre foi importante pra mim em qualquer ocasião importante: tomar sorvete. se você não se lembra de mim ao tomar sorvete você está errado, você não me conhece.
foi um dia muito agradável e nossa amizade estava muito agradável. muito, muito. nós nos ajudávamos muito, nós tínhamos um amor fraternal enorme, nós éramos luz um para o outro porque as nossas vidas emocionais não eram fáceis e sempre que um precisasse do outro o outro estaria ali.
até o dia em que ela fez jus ao seu nome de personagem e me escreveu uma carta de amor. não que não tivéssemos trocado declarações antes, mas essa era uma Carta. essa carta me atingiu em cheio como nunca alguém tinha atingido antes. algo que não sei se percebi na época, mas percebo hoje, é que essa simples carta cheia de coisas que levei para o resto da minha vida expôs algo do meu coração que era triste demais para uma pessoa de vinte anos tão cheia de aflições sexuais e emocionais como eu: eu nunca tinha me sentido amado no sentido romântico, nunca tinha me sentido “a pessoa” de alguém, nunca tinha me sentido a luz e as estrelas, nunca tinha dado significado à vida de alguém e essa carta não me deu tempo de pensar pra reagir, o meu coração se balançou ferozmente nas correntes que eu tinha colocado e começou a me incomodar. eu correspondia àquilo! “não, mente, não! você não tem o direito de colocar todas essas amarras e me impedir de ser feliz pela primeira vez na minha vida! você não tem o direito de me impedir de ser amado!” eu… estava de viagem com um amigo meu, comecei a chorar ali mesmo um pouco discretamente para não incomodá-lo, eu já era um profissional do choro naquela época. nós trocamos mensagens durante todos os dias da viagem, todo momento em que podíamos, recebi um boa noite da pessoa que mais significava algo pra mim antes de dormir, acordei com um bom dia dessa mesma pessoa, ela também me perguntou como tinha sido meu dia antes de dormir. eu não sabia o que era isso, não sabia o que era tudo isso vindo de alguém que era importante pra mim sendo recíproco.
quando cheguei em casa de viagem e o que ouvi no tribunal depressivo infernal da minha mente foi “não” eu sofri. acho que nunca sofri tanto na minha vida. não preciso descrever como sofri, basta saber que nesse mesmo mês eu precisava passar no exame psicotécnico do processo de carteira de motorista e reprovei quatro vezes, o que significa que o processo do psicotécnico sozinho me tomou dois meses e uns trezentos reais. no meio desse processo eu também fui assaltado pela primeira vez. lembra aquilo que falei das fotos nuas, né? graças a Deus o ladrão não ganhou foto de nenhuma menina nua, mas certamente se divertiu muito com o tanto de foto estranha da Brunette que tinha lá. tive de passar por um psiquiatra para não ser reprovado de vez e ele, um senhorzinho muito bondoso, me disse que não fazia sentido eu ter depressão como doença porque eu tinha um rosto de um rapaz saudável, as feições de um rapaz saudável, não era usuário de drogas e nem um alcoólatra e o que me faltava era fé. nesse mês, como escrito na sétima estrela, eu consegui forças para vencer as crises de ansiedade e voltar de vez para a igreja, num culto de uma pastora argentina pregando em espanhol contra o abuso sexual, um culto onde desaguei de chorar por horas sem entender o que tinha acontecido e minha mãe ficou desesperada achando que eu tinha sofrido abuso sexual na infância.
não houve motivo racional algum para eu chorar tanto como chorei, só senti muita dor e aflição, só saiu de mim um amontoado de lágrimas que não consegui segurar. a minha existência no mundo parecia um abuso emocional e sexual.