aos treze tive a história com a Super Nerd. mais uma história que faz intercâmbio com a sétima estrela porque pasmem, leitor, somos o mesmo personagem. você conhecia a noite na pequena londres, leitor de estrelas cadentes? esperava que ela se tornaria um personagem da noite? ela chorou de raiva de mim. nossa relação não poderia ser tão distante, poderia?
a Super Nerd era uma menina conhecida por tirar as melhores notas do colégio, mas ela diferente da menina da sexta série. ela era dedicada, ela tinha um forte senso de justiça, ela não era agressiva com as pessoas porque se achava muito boa mas porque se achava muito justa: os professores estavam certos e a turma errada, as pessoas deveriam estudar mais e calarem a boca, as pessoas deveriam dedicar seu dia a estudar porque é a única coisa que elas fazem. ela era como a minha mãe, só que não era uma mãe, era uma aluna da mesma sala que eu.
a situação dela fez com que um triângulo talvez-romântico de nerds se formasse na minha turma: ela, eu e um amigo de infância que voltou a estudar comigo especificamente na oitava série. acontece que eu, super-rebelde como era, senti a pressão do chicote em casa por ter passado a sétima série pelo conselho de classe. eu sou superdotado então mesmo perdido em meu mundo interior caído dedicava minha horinha semanal a estudar as matérias e conseguia tirar uma nota muito satisfatória.
nós três decidimos disputar notas, mesmo que ela sempre fosse ganhar no fim porque eu era essa bagunça que o leitor está descobrindo e o meu amigo achava saudável jogar videogame de vez em quando. ela não. ela era competitiva, estava levando tudo muito a sério, os boletins dela eram assustadores. ela gostava de rir de nós, inclusive num tom proto-feminista de “garotas são melhores” que me lembrava muito minha tia. “eu sou melhor que vocês! eu mereci! eu estudei mais! tudo é muito justo!”. eu às vezes tentava demonstrar que não estava levando tão a sério e ela não conseguia me ouvir, “conversa de perdedor”.
eu nunca notei que, numa sala como a minha, era a única maneira que ela tinha de chamar minha atenção. de puxar assunto. de estar próxima de mim.
a minha oitava série foi um verdadeiro tormento feminino: tinha uma loira baixinha que tinha vindo passar exclusivamente aquele ano na pequena londres, ela era de florianópolis e, desculpem a observação, é que isso era tão destacável que a sala inteira comentava não como algo sexy mas como fenômeno científico, tinha uns peitões que não cabiam no uniforme da escola (não, eu não estou exagerando. não cabiam). outra observação importante é que ela trouxe consigo uma tecnologia de florianópolis que ainda não tinha chegado na pequena londres, um tal de “piercing no umbigo”, que o pessoal ficava passando o dedo indicador pra ver se girava; tinha a Literalmente Menina Mais Bonita Da Escola, e suas amigas que eram Literalmente As Meninas Mais Bonitas Da Escola Fora A Literalmente Menina Mais Bonita Da Escola; aliás, minha sala era um absurdo, tinha muita menina de um metro e setenta a um metro e oitenta como se isso fosse normal pra um pessoal de quatorze anos.
a Super Nerd era bonita. não, a Super Nerd era linda, eu sempre consegui ver o quão linda ela era, mas confesso que ela me chocou no dia em que veio de maquiagem pra escola porque aí sim eu vi que, uau, eu não estava delirando com a minha imaginação preenchendo suas falhas, ela era linda.
o interessante sobre esse episódio é que estou falando de uma feira de ciências onde estávamos no mesmo grupo, ela coordenando tudo e surtando porque não conseguia lidar com a pressão. ela queria fazer tudo perfeito, ela queria impressionar, no fundo ela queria tanta coisa que eu não sei o que ela queria de fato. em algum momento da feira flagrei ela chorando e foi irresistível tentar consolar, o que não lembro se deu certo ou não porque minhas memórias não estão afiadas o suficiente para dizer com firmeza se foi aí que ela surtou e me disse, chorando, que eu não entendia ela porque ela se esforçava muito pra tirar suas notas impecáveis e eu era um vagabundo rebelde que mal parava na sala e tirava notas semelhantes às dela. o fato importante sobre nós dois é esse. saibam que isso aconteceu, desenhem o resto com a imaginação de vocês.
o que era conhecido por mim era que ela sofria muita pressão. muita pressão mesmo. os pais cobravam muito, sua família não era muito estruturada. eu não consigo nem imaginar o que ela sentia vendo um rapaz como eu, sem interesse nenhum naquela baboseira que se falava da sala de aula a ponto de sair no meio da aula dizendo “puts! meus pés saíram da sala e não pude controlá-los. foi mal professora. tô saindo”, tirando nota suficiente para não ter problemas. eu não sei como ela via o mundo e confesso que só um arco de monogatari, com aquela personagem que ensinou matemática ao araragi, me acendeu na memória que tenho na minha vida a minha própria sodachi oikura. exceto que não sou o araragi nessa história, sou a hanekawa se ela fosse homem (se bem que… ops…). também não gostaria de acrescentar, mas acrescentarei, que ela tentou chamar minha atenção com isso o ano inteiro para eu não entender nada, achar que ela estava sendo extremamente competitiva quando, na verdade, ela estava refletindo meu lado extremamente competitivo, eu não estava dando o braço a torcer não a elogiando por ser uma excelente aluna e sim dizendo “ah, eu nem queria mesmo”.
isso tudo, é claro, na cabeça dela, porque eu realmente não estava interessado em competir nota. achava ridículo todo esse anseio de tirar nota porque no final todo mundo ia ou passar de ano ou reprovar e nenhuma daquelas matérias eram interessantes como a matemática do pokémon ou as minhas histórias onde o vilão se dava bem. mas que importa ser na cabeça dela? isso foi minha insensibilidade às suas expectativas sobre mim aflorando mais uma vez, da mesma maneira que aconteceu com a Burguesa Solitária. eu não estava dizendo “não fez mais que sua obrigação” como seus pais provavelmente diziam mas, assim como todos os outros, eu não estava aprovando o refúgio onde ela tinha colocado todo seu valor. sua identidade era a Super Nerd, sua identidade eram suas notas, faça carinho em suas notas e sua inteligência e leve seu coração. desprezar isso em toda santa avaliação da oitava série foi como partir seu coração repetidas vezes.
assustador, não é? espera, vou te assustar de verdade agora: eu não estava interessado em nenhuma das meninas da sala. dificilmente as observava com segundas intenções, observava só para atualizar o estado do ambiente onde eu estava e só para ver rostinhos bonitos como o da própria Super Nerd. estava mais interessado nas professoras.
eu já tinha me tornado um completo depravado.