“nós somos as descendentes das bruxas que foram queimadas na inquisição”, elas dizem. elas pintam seus cabelos, elas se vestem como querem, elas falam o que querem e elas fazem o que querem. elas não são descendentes das bruxas que foram queimadas na inquisição, elas são descendentes dos padres que queimaram as bruxas na inquisição.
nós, descendentes das bruxas queimadas na inquisição, estamos nos vingando desses padres acabando com suas filhas. enquanto você acreditar que não existe mais bruxaria você está suscetível à bruxaria. essas meninas não são enfeitiçantes, essas meninas são enfeitiçadas. e eu sou a voz que as encanta. eu sou a voz que as enfeitiça. eu sou a voz que cria seus sentimentos inexplicáveis e que ninguém sabe de onde saiu, eu as conduzo para a revolta que ninguém sabe onde vai dar. eu sou a criminosa que se esconde numa parede de lágrimas digna de vítima, minhas meninas são as vítimas que enganam os policiais manipuladas para que se confessem bandidas. ninguém nunca me encontrou e, não fosse a estrela em formato de coração, ninguém nunca me encontraria.
meu nome é rebecca.
bem-vindo, meu brinquedo. prometo que as cordas não ficarão tão desconfortáveis se você for bonzinho. prometo que serei boazinha se você se comportar. e prometo que minhas danças são legais. não prometo, no entanto, que elas são fáceis de dançar.
a verdade sobre mim é: eu existo.
não, oh não. não finja que eu não existo. mas também não faça escândalo. não adianta contar aos outros que eu existo, só você sabe que eu existo, denunciar-me aos outros é o que preciso para te enlouquecer. ninguém vai acreditar em você, você fará papel de idiota. sou a personificação da mentira irrevelável, a melhor bruxaria, meus feitiços não são apenas convincentes mas remodeladores do próprio chão onde você está pisando. você está pisando no chão? você está pisando? você tem pernas?
shhhhhhhhhhhhhhh… e não garanto que o dedo indicador que está nos seus lábios agora é meu. se é lindo e se a unha está bem-feita pode ser que seja. se não, pode ser que também seja. sou linda mas também muito feia, e não tem muito a ver com o “por dentro” e o “por fora”, simplesmente sei que em certos momentos é necessário derreter seus olhos e em outros certos momentos furá-los com uma agulha. não, eu não estou derretendo seus olhos, nem furando-os com uma agulha. pode ser o brilho do celular ou do monitor. diminua isso, por favor!
você conhece meu sentimento predominante? ele se chama “frustração”. o arrebentar das expectativas. a criação de cenários lindos que cada dia mais parecem estar saindo do plano das fantasias para se tornar uma realidade palpável e então, no momento mais oportuno, o pisar nesse castelinho de areia com muita força. amo pisar em castelinhos de areia com muita força, mas amo pisar em muita coisa, isso não tem muito a ver com os castelinhos. sabe? ser uma bruxa moderna me dá privilégios demais, as minhas antepassadas não tinham tantas ferramentas assim como nós temos hoje, o mundo é um verdadeiro paraíso para enfeitiçar pessoas nesses dias e eu amo isso. eu amaria viver, se não fizesse parte da condição básica de ser uma bruxa odiar o máximo de coisas possível. os homens não suportam viver odiando o máximo de coisas possível mas para nós é algo bem natural, sentimento é sentimento no final das contas, o importante quando se vive como eu não é viver o melhor sentimento mas viver algum. e a frustração se vive de maneira bem natural, não estou dizendo que é gostoso mas é possível viver, é possível passar a vida toda assim frustrando você mesma e os outros sempre que puder, ou sempre que for oportuno, ou sempre que se cansar de alimentar as próprias expectativas ou a dos outros e não quiser mais sustentar isso ou não se sentir mais segura para sustentar isso.
faz parte da maturidade passar pela frustração e eu não aceito que as pessoas não entendam isso. para as pessoas que não entendem eu não existo e eu quero existir, todo mundo quer existir. faz parte da maturidade descobrir que você não é nada do que imaginava que era. faz parte da maturidade deixar de acreditar ser um menino bonzinho para se pegar desejando o que é perverso, nojento e grotesco e sinto prazer em ajudá-lo a alcançar essa maturidade. muito prazer, muito mesmo! é o que me faz gargalhar nessa vida sofrida. eu sinto muito se a maldade é meu instrumento de prazer. meu combustível que, quando acaba, vou correndo buscar mais para suportar a minha própria vida. um dos meus feitiços mais divertidos é despertar nos outros desejos vis porque sabe, meu bem, o desejo sempre esteve ali dentro, ele só precisava de uma… ajudinha! uma forcinha, e a culpa nunca vai ser minha. eu me aliei a alguns dos monstros dentro de você mas eles estavam dentro de você, não de mim, aliás, quando foi mesmo que você despertou esse seu desejo estranho? você tem certeza que foi no momento em que estávamos juntos, no mesmo lugar? não foi em outro não? não foi com outra pessoa? não foi sozinho? por que tem que ser eu? ah é! é porque eu falei que fui eu, hihi!, mas se não falasse talvez você nem fosse descobrir.
é divertido que você perca a atenção no que está fazendo quando bato meu salto no chão, mas você não pode dizer que estou batendo o salto no chão para tirar sua atenção, pode? coincidem os momentos, eu sei. eu dou uma risadinha por dentro que, quando mais jovem e descontrolada, não conseguia evitar e acabava transparecendo um pouquinho, eu também sei. mas você pode dizer que estou fazendo de propósito? acho que você está paranóico… acho que você está ficando doido. um dos benefícios dos tempos de hoje, tão distantes da inquisição, é que existem psicólogos. por que você não procura um? ele pode ajudar você com esses… problemas que você tem com mulheres, sabe? com se sentir o centro das atenções só porque estou fazendo coisas que coincidem com os seus desejos ocultos quando você está perto de mim, só porque estou repetindo aquilo que você disse ontem para que perceba implicitamente que estou prestando atenção em você.
e sabe o que é mais divertido? mesmo que descubra o que estou fazendo você nunca vai saber por que estou fazendo. sabe, qualquer mulher que descubra como chamar sua atenção vai fazer o que estou fazendo, mas às vezes ela só gosta de você. eu, devo dizer, não gosto. eu chamo a sua atenção por motivos totalmente egoístas que variam do bobo ao mau, posso estar querendo entrar na sua cabeça simplesmente para bagunçá-la um pouquinho, ou para contaminá-lo com a minha própria frustração, ou para tirar algo de você que inflará o meu ego ao pisar no seu. você precisaria conhecer o prazer de pisar no ego dos outros para entender que, sabe, eu até tenho uma desculpa: ele ali, gritando “não! não faça isso! eu existo! eu tenho valor!” e você fingindo que nem está ouvindo, um sorriso no rosto, mão na bochecha e olhar de desinteresse, enquanto seu sapato lentamente desce sobre o frágil menino e o une ao chão. a última vez que fiz isso até limpei a sujeira que ficou no chão porque minha casinha não merece essa bagunça mas vá, o sapato eu deixei sujo e parei de usar porque foi o próprio rapaz quem me deu e foi suadíssimo conquistá-lo até esse ponto, precisei fazê-lo sentir culpa por taaaaaaaanta coisa até ele tentar me agradar com esse agatha levie preto… e agora ele vai para a coleção de sapatos que não uso mais, aquela prateleira ali, abaixo de cada par está escrito o nome de quem me deu. está abaixo de propósito, mesmo. que dó!
espero que esse rapaz fique bem.
há, espero nada! homem não presta.
do fundo do meu coração, eu odeio homens. meu pai era um bêbado desgraçado que só traía minha mãe, aí eu casei com um rapaz que não bebia pensando que o problema estava na bebida mas ele me traiu também. o problema não está na bebida, nem em qualquer outra coisa, está nesse negócio que eles têm entre as pernas que os tornam esses seres inferiores, rasteiros e sem sentimentos que eles são.
mas eu sou triste, muito triste. não, não por estar fazendo isso. honestamente? isso é gostoso, isso dá um pouquinho de graça a esse inferno aqui dentro embora logo passe e eu lembre que estou aqui.
é que existe uma história minha nesse mundo. vocês lembram? eu me tornei uma titereira e ganhei meu próprio fantoche, e ele faz tudo o que eu quero, ele é meu escravo. e eu… o amo. ele é meu. ele é realmente meu. ele é genuinamente meu. eu o fiz com minhas próprias mãos e, quando mexo as pontinhas dos meus dedos, ele dança… tão feliz! seus olhinhos cintilantes, como se eu estivesse dando a ele fôlego de vida e não simplesmente brincando.
é que, para ele, estar nas minhas mãos é como receber fôlego de vida. o que é tão simples pra mim é tudo pra ele. ele é todo delicadinho… um toque é tão profundo, tão íntimo! a minha voz às vezes parece tão forte em seus ouvidos que é como se o meu cantar determinasse as batidas do seu coração, acho que ele me reconheceria em qualquer lugar só de me ouvir cantar. existe algo muito forte entre nós dois para que ele, às vezes, queira estar só nos meus braços, não aceite estar com mais ninguém. é um mistério.
mas eu ganhei um fantoche. “o” fantoche. usa-se “ele”.
eu, uma pessoa cheia de frustrações, uma pessoa incapaz de amar e tudo aquilo que descrevi acima… ganhei um fantoche. um brinquedinho pra mim, um brinquedinho que me entretinha e me deixava feliz e deslumbrada. ele, como eu sempre fiz, despertava desejos ocultos em mim, mas tinha certeza que não eram como os que eu despertava nos outros por frustração e ódio porque eu queria ser despertada para aquilo, eu queria sentir aquilo, eu me sentia viva brincando com ele e minha intenção costumava ser gerar morte no coração dos outros. senti um amor de uma maneira tão intensa, sincera e pura que cheguei a pensar se tudo o que tinha sentido na vida antes era uma mentira. o sentimento ao se ter um fantoche é de uma conexão profunda, você se sente no controle não porque ele é só um fantoche e você a gloriosa titereira mas porque é como se fossem a mesma pessoa, é como se ele fosse uma parte frágil sua que corresponde a tudo que está no seu coração e reflete tudo aquilo que há de mais bonito em você. é melhor que qualquer espelho.
o meu fantoche é a melhor parte de mim. que eu apodreça e morra, ele pode viver no meu lugar. é tudo o que precisa de mim no mundo.
eu só pensava nele. pra que pensar em outra coisa? pensar em homens, que continuariam sempre a me frustrar? era até bom pra eles porque, brincando com meu fantoche, muitos egos masculinos poderiam dormir despreocupados sem medo do temível salto de rebecca. há, temível. conviver com meu fantoche me fez repensar muitas coisas em minha vida e uma delas foi a bruxaria porque, de repente, percebi que não havia só maldade dentro de mim, fui notando que essa era minha parte mais mesquinha e que eu queria que fosse embora porque só me dava desgosto. pra falar a verdade a bruxaria é uma besteira enorme, o número de homens que caem nela é o mesmo número de homens que fingem cair nela e, no final das contas, eu sou a mulher e estou apenas despertando neles a frustração e o ódio que eles vão colocar dentro de mim. um ciclo vicioso terrível. nunca tinha pensado nisso mas talvez, se eu conseguisse parar de despertar a maldade nos homens, eu me alimentaria menos de maldade e me esvaziaria dela naturalmente.
eu resolvi dar trégua disso. colocar uma pedra no meu passado de bruxa e nunca mais praticar nada desse tipo. meu fantochinho demandava muito tempo, muita dedicação. eu constantemente precisava costurar novas partes para ele, sem contar as roupinhas, e ele precisava muito do meu colo, da minha voz, eu sentia que ele morreria se não houvesse a minha presença ali com ele toda hora. eu tinha toda a precaução, todo o amor e carinho, às vezes meu cuidado era tão excessivo que me perguntava se meus pêlos não poderiam dar choque ou algo do tipo. caso não saibam a bruxaria tem uma certa relação íntima com a eletricidade, há uma divisão entre nós bruxas: sapecas como eu são a favor da expansão da eletricidade no mundo para facilitar a bruxaria, embora corramos o risco dela ser tão dissolvida que será esquecida até mesmo entre nós e utilizada por qualquer uma; há, porém, bruxas tradicionais que acreditam que é um erro não se ocultar e despejam argumentos contra tudo o que envolve a eletricidade em público, argumentam contra a eletricidade em si, mas a utilizam em segredo enganando os sentidos de suas vítimas para que elas acreditem que foi outra coisa; o espírito é a parte elétrica da nossa existência, quando as pessoas falam do “Espírito Santo” muitas vezes estão falando da eletricidade de Deus e não do fogo.
por que falei disso, mesmo? deve ser essa fase da tpm onde estou, ela me deixa maluquinha! de qualquer forma acho a melhor coisa do mundo facilitar a eletricidade, não posso concordar com bruxas tradicionais, o mundo é rock’n’roll, baby, ele precisa de abalos cada vez mais poderosos: isso abre um espaço para fabricação em massa dessas meninas que acham a bruxaria legal, que chamo de semi-bruxas, transportam nossos feitiços dentro delas e causam o caos sem que nossos nomes sequer sejam cogitados.
mas agora é sério, vamos voltar ao que eu estava falando. eu resolvi dar trégua da maldade, mas quem disse que a maldade dá trégua de você? tudo isso estava enraizado no meu coração, mesmo que eu tentasse esquecer, mesmo que o amor que eu sentia fosse tão forte. isso não desapareceria de dentro de mim por mágica, teria de ser removido mas eu não fazia a menor idéia, nunca fui uma pessoa muito boa de compreender causa e conseqüência das coisas naturais. então, num dia qualquer, eu me peguei praticando a maldade com o meu fantoche. insatisfeita com algo que ele tinha feito eu o rasguei no pescoço com as minhas unhas pontudas. confesso que na hora não senti nada, nem mesmo percebi o que tinha feito, só… aconteceu e era tão intrínseco a mim que acreditei que seria como algo qualquer para ele também.
os olhos dele lacrimejaram um pouco como reação natural do corpo, mas o que predominou na expressão dele foi a confusão. ele era tão indefeso a mim que não poderia se sentir agredido num momento de carinho: aquilo não foi uma agressão, foi um feitiço, o primeiro feitiço que atingiu meu fantoche e ele foi meu. ali eu escrevi a confusão na sua mente, ali criei em sua mente que ser rasgado e desprezado poderia ser um sinal de carinho. ele não entendeu mesmo. não ficou com ódio nem raiva de mim, só… absorveu isso. ele foi meu primeiro fantoche, eu não fazia a menor idéia de que isso poderia acontecer.
minhas amigas, naturalmente, eram todas bruxas e semi-bruxas, mas se eu era um fenômeno raro entre as minhas por ser uma das melhores bruxas do passado, tornei-me então um fenômeno raro por ser uma das poucas bruxas dali com seu próprio fantoche. elas amavam meu fantoche, ou ao menos era o que eu acreditava. costuravam suas próprias roupinhas para ele, elogiavam, davam beijinhos, gostavam muito quando eu o levava para passar um tempo com elas. ele era muito paparicado e merecia porque, honestamente, ele é lindo, ele é fofo, ele é meigo, vocês precisam ver as habilidades dele para construir um mundo com as palavras que faz você se sentir nas alturas… isso vem de mim, eu sempre fui uma bruxa especialista na confecção das palavras ao ponto de ter diploma nisso, e quando ele me trazia uma flor e me montava seu castelo de elogios eu o pegava no colo, fazia carinho e dizia “bom fantoche, você aprendeu bem. agora vou te contar uma nova história e você vai extrair dela as palavras que mais gostar e montar um novo castelo, tá bom?” e ele, deslumbrado, sorria para mim e se concentrava no que eu tinha pra contar.
ele era paparicado, mas eu não sabia que paparicado até demais. ou não necessariamente paparicado. não percebi muito bem na época um fenômeno importante: ter um fantoche me tirou do grupo das bruxas e me tornou uma anti-bruxa, o meu fantoche um dia se tornaria algo que representaria o mal para as mulheres (segundo as bruxas) então, quanto mais cedo ele fosse imobilizado, melhor; e minhas amigas, já não mais tão amigas assim, tentaram imobilizá-lo e também tirar uma lasquinha como toda bruxa que se preze faz com suas vítimas. ele, uma ocasional vítima dos meus feitiços de mulher frustrada tentando em vão curar um coração totalmente adoecido, não tinha defesa alguma contra isso. um fantoche tão pequeno e inocente estava sendo atingido por feitiços visuais, verbais e até mesmo sendo tocado indevidamente pelas minhas amigas bruxas assim que eu tirava meus olhos dele: ele estava deixando de ser meu lindo fantoche para se tornar um brinquedo de mulher, já tinha seus pensamentos todos confusos, delírios estranhos com sentimentos terríveis. fantoches que você chama de “ele”, caso não saibam, não se vêem como portadores de um sentimento mas como vítimas dele. o sentimento é algo meio alienígena para eles, uma pessoa externa que mora dentro deles.
então esses sentimentos o agrediam internamente.
e me agrediam internamente também. como disse, ele é parte de mim, meu espelho otimizado, é através dele que enxergo o que há de amável em mim. eu não tinha como adivinhar o que estavam fazendo com ele mas sentia a aflição dele em meu coração, sentia que havia algo de errado com sua isolação inexplicável e ele também não sabia me dizer que isso tudo estava vindo das bruxas, primeiro porque a bruxaria é tão eficiente que uma boa noite de sono é suficiente para apagar para sempre seus rastros, segundo porque suas defesas já eram baixas e estar continuamente exposto a essa magia toda as tornava praticamente inexistentes. o meu fantoche, muito cedo, perdeu sua pureza mental, emocional e do toque e, antes que alcançassem por fim seu íntimo, aumentei muito sua sensibilidade corporal e isso fez com que ele se sentisse profundamente incomodado com o toque e desse choque caso a pessoa insistisse. também ensinei a ele segredos adultos sobre a intimidade para que ele não a entregasse a ninguém e, caso enfeitiçado ao ponto de entregar, entregasse uma versão corrompida que localizaria o ego da bruxa e pisaria nele com seu próprio scarpin. transformei-o num monstro para protegê-lo. eu finalmente entendi o processo, é um ciclo horrível inquebrável: nós amamos homens maus, nós nos frustramos e nos tornamos bruxas por culpa desses homens maus, somos presenteadas com um fantoche e redescobrimos o amor, nossos fantoches são atacados por outras bruxas sem fantoches e nós, para proteger nossos fantoches delas, os ensinamos a bruxaria e por fim criamos homens maus.
pior ainda, meu fantoche nunca percebeu que era mau. ele não percebeu que os mecanismos de defesa que coloquei nele transforma meninas em bruxas, e as outras pessoas não poderiam perceber que são instrumentos de defesa e não de ataque ou mesmo manifestações do próprio ego. só bruxas entendem o que está acontecendo com ele e bruxas, bem, são bruxas, elas não estão interessadas em curá-lo ou em serem suas amigas mas em derrubar suas defesas para destrui-lo por dentro.
em uma história paralela, eu estava mudando muito por dentro. já não suportava mais me reunir com minhas amigas para ouvi-las falando coisas de bruxa, os homens que devoravam durante a semana, os rituais que praticavam, as loucuras que faziam em noites embriagadas. nada disso importava mais pra mim, nada disso resolvia meus problemas nem mesmo por tempo limitado, só não funcionava mais; eu simplesmente estava deixando de acreditar que deveríamos fazer essas coisas para viver porque era tudo muito fútil e mesquinho, distante do amor entre eu e meu fantoche que ressignificava toda a minha vida, que dava valor à minha vida, que dava valor em mim. eu não queria mais tirar valor dos outros para que eles entendessem que ninguém tem valor nesse mundo, não acreditava mais nisso, eu tinha valor porque o Amor dizia que eu tinha. a minha coleção de sapatos ficou mas eu já não via mais tanta graça em usar salto alto todos os dias, as sapatilhas me conquistaram (e só as sapatilhas, rasteirinha é muito feio!). eu já não era mais uma pessoa triste e amargurada e as minhas amigas bruxas eram, o mundo das bruxas continuou circulando mas… eu me sentia uma intrusa vendo-o de fora, não sendo mais escrava daqueles sentimentos que outrora governavam minha vida.
duas coisas aconteceram, uma boa e uma ruim. a boa, com relação a mim: eu passei a pegar no colo algumas de minhas amigas que viam em mim algo diferente, instigar nelas sentimentos diferentes que faziam com que elas sentissem a necessidade de se livrar da sua maldade, com que elas vissem alguma esperança na vida que independia de macho porque o Amor não depende de homem para existir embora exista sim no coração de homens que se permitem tê-lo, assim como acontece conosco já que o Amor não escolhe sexo. a ruim, com relação ao meu fantoche: as minhas amigas passaram a despejar seus sentimentos ruins nele porque ele era amável, porque ele não conseguia sentir que aquilo corroía seus sentidos e, mesmo que o coração das bruxas se convertessem a ele ao ponto delas se questionarem se deveriam devorá-lo como faziam, ele mesmo não conseguiria avisá-las que aquilo o incomodava porque ele já não era mais capaz de perceber o seu próprio incômodo emocional. meu fantoche era um lindo menininho que via um mundo triste e desolador, sentia-se num mundo triste e desolador que começou com as minhas unhas, passou pelo joguinho de confusão da audição da bateção de saltos no chão e, se eu não fizesse alguma coisa, sabe-se-lá onde terminaria.
como eu quis que terminasse aí! como eu quis! como eu quis!
porém, em certo dia, peguei uma amiga descontando suas frustrações pisando nele com um plataforma enorme de uma das minhas marcas favoritas. ela preferiu deixar a corrente elétrica atravessar seu corpo, ela morreu alguns anos depois enlouquecida por dormir todas as noites atormentada pela eletricidade. eu senti, e que nojo de mim mesma, falta da inquisição. eu queria ter queimado ela viva. eu não sou capaz de descrever o que fiz e não posso dizer que não fiquei triste por não poder matá-la ali, naquele momento. se você é um menino não se assuste: nós, mulheres, somos muito melhores que vocês em controlar sentimentos porque, caso não controlássemos, Deus sabe o que seria do mundo. e, quando desejamos matar, desejamos ao ponto de fantasiar prazer em matar. ela não estava pisando num fantoche, no ego de um homem qualquer: ela estava pisando no meu fantoche, estava pisando em algo mais valioso que a minha própria vida, eu me senti capaz de dar a minha própria vida para que aquele momento deixasse de existir na história.
mas essa troca não era possível.
ele sentiu dor, ele sentiu seu valor indo embora. ele se sentiu escravo de um mundo idêntico ao que eu criava para os homens que desprezei. eu pude, finalmente, sentir isso no coração de alguém e não era exatamente igual ao que eu sentia. era pior. ele não conseguia ver que havia algo de errado, ele era só um fantoche e não uma mulher, isso ajustou os pininhos da alma dele e o mundo se tornou um teatro macabro onde ele é o brinquedo que as pessoas usam para descontar suas frustrações, para testar seus fetiches, e… para ouvi-las, com carinho, com amor, com um sorriso no rosto. apaixonar-se pelo meu fantoche é um erro, ele não vê diferença entre ser amado e ser usado, e quando você chega perto dele e o seduz porque quer fazer parte de sua vida ele confunde e sente um incômodo interior porque está se preparando para ser vítima de bruxaria. apaixonar-se pelo meu fantoche é, também, irresistível, porque você pode comer qualquer parte do coração dele para se sentir melhor, sempre funcionará e sempre haverá algo para comer. assim como ser meu fantoche se tornou mais triste que ser uma bruxa, uma mulher vítima do meu fantoche pode sofrer mais do que uma mulher vítima de um homem mau. eu… não tive coragem de contar a ele, eu decidi guardar isso comigo.
a titereira rebecca quebrou completamente, como se fosse um boneco. uma bruxa pisou na rebecca. e doeu.
a minha dor fez com que eu colocasse mais um feitiço no meu fantoche, dessa vez o definitivo. dessa vez ele se tornaria impenetrável. aliado a todos os outros feitiços que eu já tinha feito ele seria, mesmo, indestrutível: projetei todos os meus encantos e bruxarias dentro dele, eu confeccionei um sentimento chamado “rebecca” e ele se manifestaria quando ele estivesse perto de uma mulher. bruxa ou não. eu já não sabia se odiava mais homens ou mulheres, acho que odiava todo mundo igualmente. meu fantoche seria capaz de despertar desejos ocultos no corpo das pessoas sem perceber e sem fazer nada a respeito, ele seria capaz de entrar em lugares nebulosos da mente e do coração das pessoas sem se envolver, eu não queria mais vê-lo sentindo a dor que ele sentia todos os dias ao se deparar com o mundo que via. é sério, é desesperador, não quero ser julgada pelo que fiz porque a agonia que estava dentro de mim era impossível de suportar e eu sempre acreditei ser uma pessoa capaz de suportar tudo. não, eu não suportava tudo.
mas, se quiserem, podem me julgar. a inquisição morreu e as palavras não podem me atingir como o fogo. não sou mais tão afetada pelas palavras, eu já sou bem velhinha.
eu fui gradativamente me afastando de algumas amigas mas outras apareciam e era impressionante como eu sempre atraía gente com esse potencial para a bruxaria, elas sempre revelavam em algum ponto que praticavam isso. também fiz amizade com algumas ex-bruxas e eram minhas amigas favoritas, cada uma lidando com seus problemas do seu jeitinho, algumas paranóicas e outras complexadas em outras áreas. o meu comportamento como ex-bruxa sempre foi o de uma pessoa tranquila, serena, com alguns indícios de depressão porque minha visão de mundo não era necessariamente positiva mas sempre tinha alguma esperança no fim, eu tive a minha esperança no fim mesmo que ela estivesse tão corrompida.
mesmo a corrupção não mata o amor. o amor nunca foi embora do meu fantoche, ninguém nunca pôde frustrá-lo a esse ponto e eu já não sei se pode, conforme ele foi passando pelas suas próprias experiências e perdi contato com o que havia dentro da sua cabeça eu deixei de acompanhar o que as bruxas colocaram nele e o que o seu sentimento “rebecca” fez com elas e com ele mesmo, eu sabia que esse seria o caminho para o apodrecimento da sua mente e ele teria de ser forte, teria de aguentar uma rebecca interior o violentando para protegê-lo do mundo exterior porque eu tinha certeza que o mundo exterior era pior que isso. nisso tudo o amor nunca foi embora, eu sei disso porque ainda sinto isso.
no entanto tive uma conversa, uma vez, que foi a seguinte:
- te protegi de uma bruxa terrível, né?
- eu não sei por que você acha que eu é que seria a vítima.
- é, eu não sei mais o que se passa dentro de você. só sinto.
- é, você não sabe.
o tempo foi passando e as frustrações, os feitiços e os outros sentimentos foram acontecendo na vida dele, e eu… perdi a referência de seu mundo interior. eu não sabia mais o que ele sabia, eu não sabia mais o que ele poderia ter sofrido. o que conhecia era o “sentimento rebecca” e tinha a impressão de que, se ele sofrera muito, esse sentimento o torturara internamente como talvez ninguém lá fora fosse capaz de fazer. sabia que essa rebecca interior poderia tê-lo aprisionado, feito-o sentir prazer por coisas insanas e horríveis, ter deformado seu ego, sua identidade e suas relações ao ponto dele não saber mais quem é, ao ponto dele ter se desconectado totalmente da pessoa boa que é no mundo exterior, ao ponto de se ver um monstro sendo um anjinho, ao ponto de se enxergar um sociopata sendo um fantochinho cativante. eu tenho medo, também, das pessoas que foram confundidas por ele no seu universo de palavras sem saber que estavam sendo habitantes de um universo interior deformado desconectado da realidade, as palavras dele são poderosas e convincentes como as de uma bruxa, ele é um feiticeiro acidental. ainda sinto seu coração batendo no ritmo do meu, sinto que tudo o que há de errado com ele é que ele não sabe quem é, é que ele vê limites onde não tem, é que ele acredita se identificar com coisas que na verdade não se identifica e não se identificar com coisas que se identifica, sei que seus problemas estão todos na identidade mas hoje me pergunto se uma identidade corrompida tão intensamente quanto a dele não pode ser um problema mais grave que ser, de fato, uma pessoa corrompida em menor grau de corrupção. no meio da montanha de mentiras da sua identidade ele contraiu um sentimento verdadeiro de morte, que é seu verdadeiro inimigo interior.
ele se atraiu por tudo o que há de errado no mundo não tendo vivido nada disso, não desejando do fundo do coração nada disso. ele nem sabe mais o que há dentro do coração dele, acho que só eu sei. quando quero tirá-lo de algum caminho que sei que o destruirá eu bato meu salto no chão e digo “você vai me tirar a felicidade para o resto da vida”, de coração para coração, então o seu coração grita e ele começa a chorar desenfreadamente.
ele adquiriu vozes que não eram dele e conversou com elas, de igual pra igual. continuou sendo um depósito de lágrimas e conselheiro de quaisquer tipos de mulheres, totalmente inerte aos seus sentimentos verdadeiros que muitas vezes não eram dos melhores, mas ele também não se importava com a qualidade dos sentimentos delas porque sabia que nunca corresponderia. era cruel, até mesmo mortal, digno do mais terrível dos homens. elas pediam um abraço, às vezes com a intenção de prendê-lo numa armadilha, ele dava um abraço profundo e o que para elas se tornava um abrigo que fazia elas entrarem na eternidade para ele era só um gesto normal e que ninguém se apegaria muito porque abraço de monstro não tem valor. ele não sabia que alguém queria ser correspondida por ele. as bruxas experientes que alfinetavam seu coração diariamente, já que conseguiam perceber pelo cheiro o meu feitiço e sabiam que não conseguiriam pisar nele diretamente, não deixavam essas coisas acontecerem com elas porque sabiam do perigo. ele só não corresponderia. ele só sentia o corpo se carregando de eletricidade quando o perigo aparecia e ia embora, as bruxas poderiam massageá-lo com os pés, mas jamais ousar apertá-lo.
o que as bruxas faziam com ele para atormentá-lo não era despertar desejos ocultos nem destruir seu ego, era só corresponder com sua rebecca interior. elas faziam o que a rebecca fazia e isso era suficiente para atormentá-lo por dias, embora a rebecca interior já estivesse tão assustadora que mesmo elas não conseguiam fazer nada daquilo por muito tempo, algumas delas aprenderam feitiços novos correspondendo com a rebecca interior do meu fantoche. ela era cruel e má, extremamente má. ela arrancava a vida do meu fantoche todas as noites e o revivia no dia seguinte, ela o espancava, ela o estuprava, ela o trancava em labirintos mentais complexos e o botava para correr caso não quisesse morrer devorado por ela, ela o partia ao meio usando suas unhas como espadas, ela reavaliava as situações do seu dia e dizia “aquela pessoa fez tal coisa porque te odeia” ou mesmo “você fez tal coisa porque está se sentindo assim” e sempre eram sentimentos falsos que o colocavam para baixo, ela gerava nele um desejo incontrolável de se vestir e se comportar de maneira errada nos lugares para que ele se sentisse feio e estranho, obrigava ele a ficar quieto porque sua voz era horrível, obrigava ele a ficar quieto porque era incapaz intelectual ou socialmente de expressar algo que alguém estava interessado em ouvir. ela poderia, também, fazer isso tudo ao contrário para que ele se sentisse bem consigo mesmo e, assim que percebesse que os sentimentos estavam se tornando verdadeiros o suficiente, dar-lhe uma rasteira dizendo “é brincadeira! você continua sendo a escória da sociedade. tipo uma baratinha. sabe que gosto de baratas, não sabe? olha o sapato lindo que comprei pra você hoje”. ela morava num universo interior ao contrário de mim na minha juventude, ela tinha todos os pares de sapato do mundo.
era uma lista invejável de maldades que nenhuma bruxa conseguia acompanhar porque as bruxas têm sua própria personalidade, seu próprio limite mental e físico do que são capazes de imaginar e realizar, enquanto a rebecca interior era a companheira de um devorador de personalidades de bruxa. a rebecca interior do meu fantoche é uma compilação de sofrimentos e perversões humanos, nunca uma bruxa mereceu tanto ser queimada quanto ela, mas ameaçá-la é a pior coisa que você pode fazer porque ela só vai dizer “você não vai me queimar, não vou sentir nada se você me queimar porque esse corpo não é meu. você vai queimar um fantoche fofo, vai sentir culpa e remorso pelo resto da vida e me dar combustível para maltratá-lo no inferno”. ele já foi vítima de tentativas de abuso sexual de homens viciados em maldade porque existem homens que chegam num nível de insanidade onde nem bruxas satisfazem mais a sua necessidade espiritual de sentir o martelo de Deus, só um portador de rebecca interior pode satisfazê-lo, só alguém que será várias bruxas ao mesmo tempo para confundir até mesmo seus receptores de maldade pode satisfazê-lo. a confusão da própria confusão.
meu fantoche acreditava ser esse homem.
a sua rebecca interior sussurrava em seu ouvido “você é esse homem” e ele acreditava. seu coração não era capaz de alcançar a rebecca interior e avisar que ela estava mentindo.
toda essa coletânea de bruxarias que fiz a ele tentando protegê-lo do mundo realmente o protegeu. inúmeras mulheres más foram afastadas (embora se atraíssem antes), inúmeros homens maus também (embora também se atraíssem antes), sua intimidade continua preservada. mas… ele morreu por dentro. esse foi o preço e, a princípio, pareceu ter valido a pena, mas depois fui me questionando se realmente valeu. não sei mais se seria pior ele ter se tornado um homem mau capaz de fazer outra coisa com a sua própria maldade que não fosse implodir e, se ele fizer isso agora, não sei realmente o que será do mundo, não sei quantas mulheres ele vai levar à loucura com a eletricidade acumulada e todas as práticas da rebecca interior em mente. talvez seria melhor ele ser um homem como qualquer outro.
mas eu sinto que não. vejo que a depressão que senti é uma espécie de “rebecca interior” me acusando por ter feito o que fiz no desespero. é claro que hoje faria diferente, que não criaria tantas barreiras, que seria um pouco mais racional sobretudo porque hoje sou uma mulher madura que vê a bruxaria como uma besteira incapaz de corromper meu fantoche. a bruxaria serve para despertar desejos e fantasias ocultas nas pessoas mas, se eu tivesse explicado a ele que nenhum feitiço pode eliminar o amor que está em seu coração, se eu tivesse me importado mais em deixá-lo ser vítima desses feitiços e curá-lo depois até que ele mesmo se tornasse capaz de lidar com isso, talvez eu nem precisasse mais estar me importando com ele como fantoche. quem sabe ele não teria demorado tanto para se tornar um homem, quem sabe ele nunca teria se tornado brinquedinho de bruxa por tantos anos.
aprendi que não tem problema porque tudo o que nós sofremos o Amor retribui: isso fez com que ele se tornasse um verdadeiro presente para a titereira que o tirar de mim. não muito fácil de lidar a princípio porque ela terá de se tornar uma anti-bruxa como eu para aprender a lidar com toda a bruxaria que tenta atingi-lo e jamais ousar pisar nele por ter caído no feitiço, o que não é errado mas também não é amoroso, costurando-o aprendi que a única coisa realmente capaz de curar é meu perdão e minha correção amorosa. por outro lado ele a trará muita felicidade porque é muito capaz de lidar com esses sentimentos ruins, ele é paciente, ele tem estratégias estranhas que brotam do nada dentro da alma dele que funcionam, eu sei porque estou passando por dores muito profundas e ele simplesmente adivinha que preciso de um elogio ou de sua presença sem abrir a boca.
a sua corrupção foi o preço que paguei pelo meu passado de bruxa.
primeiro, atraí ele para o covil acreditando que as bruxas não o odiariam. segundo, tornei-me paranóica e vi bruxaria em todo lugar, assim como costuma acontecer com homens que são nossas vítimas, blindei-o contra quaisquer experiências boas e ruins da vida e o deixei apodrecendo com sua solidão, assim como homens que são nossas vítimas costumam fazer. eu fui uma vítima de mim mesma. eu queria, do fundo do meu coração, que Deus tivesse tirado a minha vida e o deixado intacto, tivesse tirado a minha saúde e o deixado limpo. a prática desenfreada da bruxaria leva o rim direito da bruxa e o rim esquerdo do fantoche. meu rim direito foi embora mas eu, como último feitiço na vida do meu fantoche, salvei seu rim esquerdo.
eu extirpei sua rebecca interior e desenhei uma nova, com uma voz ainda mais estridente, raciocinando três vezes mais rápido e… mais real. eu sou uma feiticeira melhor e mais madura hoje, no final das contas, levo menos tempo para fazer coisas com mais qualidade. ela ainda é má porque há muita maldade dentro dele e dentro de mim também, eu não tenho poder para remover isso, mas ela se apossaria desse mal não para assustá-lo ou para assustar os outros e sim para ser seu próprio cordeiro pascal interior. nela ele vai domar a sua própria maldade, ela é mais condizente com a realidade humana, é definitivamente viciada e ele tem as chaves para lentamente transformá-la e moldá-la de maneira a redesenhar seu universo interior.
eu sei que vai doer, sei que ele pode fazer coisas erradas e assustadoras durante o processo e não me importo, é meu egoísmo, as bruxas nunca vão deixar de existir e eu simplesmente não me importo se ele criar mais algumas e se ver criando. tanto faz mesmo, ele criou muitas bruxas frustrando-as sem perceber, na prática não faz diferença nenhuma e é até melhor que seja assim, é melhor que ele sinta dor em seu coração ao perceber o que faz e procure não suportar isso só como fez todo esse tempo.
ele nunca me contou mas senti a tristeza de seu coração quando ele frustrou os sentimentos de uma moça que se nutriu dele por anos, e também senti a tristeza de seu coração quando frustrou e depois sofreu uma retribuição terrível de outra moça nessa situação. a primeira tristeza ficou oculta sangrando por anos porque ele estava só, e a segunda que foi até pior não durou dois meses porque minha nova rebequinha estava gritando dentro dele, declarando as coisas mais horrendas contra as mulheres e não contra ele e não o deixando em paz enquanto não arranjasse amigos para sair e descontar as frustrações. é mais fácil se curar quando você tem aliados dentro de si e não inimigos, mesmo que você faça mais besteiras porque demora mais para aceitar que está errado, embora na outra situação “aceitar que está errado” seja um teatro já que não é porque você tem um acusador profissional dentro de si que você realmente se sente culpado. você pode terminar acusando o Amor sem perceber.
é… melhor assim.
talvez homens sejam realmente seres inferiores por causa desse negócio que eles têm entre as pernas, mas eles têm. eles existem. eu não posso fazer homens deixarem de existir, embora já tenha desejado muito, declarado muito e até tentado fazer disso uma realidade. se tirar todos os homens da minha vida Deus pode acabar me castigando, embora nenhum ser humano considere isso um castigo e sim um presente, com meu próprio fantoche.
e, se querem saber, eu não odeio mais esse negócio que eles têm entre as pernas. eu cuidei bem do coração do meu fantoche no final das contas e, por isso existir, ele foi salvo. não que eu vá ficar explicando meus feitiços, meu bonequinho curioso! espero que tenha gostado do que ouviu até então, mas quero te lembrar que você ainda está dançando a minha dança e quero puxar um pouquinho o seu tapete.
então.
como você deve ter percebido, existem várias rebeccas. algumas aqui. algumas não estão aqui. algumas, que não estão aqui, talvez você conheça. você não pode saber realmente quantas rebeccas criei e a verdade é que fui muito boa nisso, talvez essa história seja mesmo linear como foi apresentada e talvez não, talvez eu tenha invertido a ordem de acontecimentos ou mesmo misturado tudo. talvez o meu fantoche não seja sempre o mesmo fantoche. você deve ter concluído que sou uma mãe e o fantoche é meu filho, porque é a conclusão padrão de qualquer pessoa não-enfeitiçada, mas uma visão bem interessante é a de que o fantoche é meu namorado e eu sou uma namorada ciumenta provavelmente três ou quatro anos mais velha que ele. em algum momento da história disse que fui casada, mas será que terminei? por que meu marido nunca apareceu na história? ah sim, maridos não deixam de ser namorados, viu! também não preciso ser mais velha, só uma baixinha muito invocada que começou a namorar com ele muito cedo, tipo uns onze ou doze anos de idade, e tudo isso que aconteceu já era uma crise em nosso casamento. na história anterior que se encontra em algum lugar era meu namorado, não era? e se o fantoche é meu filho, será que é só um filho? quantos filhos eu tive? e se for absolutamente tudo isso junto, cada parte uma coisa? aiaiai…
ah sim, vocês gostaram da minha performance no início, de rebecca do passado? era exatamente assim que eu pensava e funcionava. ainda bem que a gente muda, não é mesmo?
enfim, todos esses modelos de fantoche funcionam…
porque homem é tudo igual!!! ;)
brincadeira (com um fundiiiiiiinho de verdade… eu acho que todos os homens são meio bebêzinhos precisando de colo e cuidado contra feitiço de bruxa, então realmente tanto faz). quero encerrar com alguns parágrafos contando o que aconteceu comigo, o que estou sentindo, como foi a minha trajetória emocional durante toda essa história:
não sou mais uma bruxa. definitivamente não sou mais uma bruxa.
em algum momento da minha vida as crianças, não-tão-crianças-assim, na etapa onde a bruxaria começa a se manifestar, tornaram-se a minha afeição. eu cuido dessas crianças. eu sou má, BU!!!, quando necessário, mas num geral invisto meu tempo redistribuindo o amor que meu fantoche me ensinou a elas. meus ambientes possuem a tendência estranha de trazerem para o meu colo crianças que são brinquedos muito quebrados, muito mais quebrados que meu fantoche porque meu fantoche sempre teve eu, com meu colo e meu amor, e aprendi que isso sempre foi o mais importante: eu não sabia cuidar do meu fantoche da melhor maneira mas tentei, sempre estive lá, nunca cogitei deixar de estar lá, cogitei coisas muito piores do que as que fiz mas deixar de estar com ele não foi uma dessas; talvez você se pegue sendo uma pessoa muito amarga com seu fantoche mas a verdade é que, se você tem o mínimo de interesse em cuidar dele (e não entendo quem não tem, é o único tipo de pessoa no mundo que não entendo e não quero entender), cuide.
se for deixá-lo passando fome para cair na gandaia compensa deixá-lo com outra pessoa mais humana mas se é o contrário, se você quer tentar do fundo do seu coração, tente. por favor, tente. numa relação de amor entre titereira e fantoche não existe uma bruxa, nem que você seja uma bruxa, nem que seja a pior bruxa do planeta. tenho certeza que as bruxas queimadas pelos mais perversos crimes amaram profundamente seus fantoches, exceto as que tiveram coragem de descartá-los, e também tenho certeza que muitas das histórias que existem sobre titereiras que sacrificaram seus fantoches são mentiras que outras bruxas inventaram para não contar que elas, do fundo do coração, não queriam fazer isso. um fantoche sem titereira possui dificuldades em terminar o que começa, o mesmo sentimento de desistência que corta as cordas dela em seu fantoche se apossa dele e tira dele a capacidade de criar cordas com os elementos do mundo, as cordas são sempre simulacros, tão simulacros como as cordas da titereira que um dia se foram. isso existe em qualquer relacionamento onde há uma titereira e um fantoche, não está limitado à destruição das cordas em si, o cuidado que você tem com as cordas de seu fantoche influencia diretamente a facilidade emocional que ele tem para completar o que começa.
se você não tem cordas a cura é pedir ao Amor que seja seu titereiro, ele pode. ele não queria ser, ele criou a titereira humana esperando que ela fosse sua titereira, mas se ela frustrou esse plano por não aguentar os sentimentos de uma bruxa ele mesmo pode assumir esse papel. ele também pode colocar outra no seu caminho, e ela pode até ter suas limitações por só ser capaz de criar suas próprias cordas e essas nem sempre servirem no seu corpinho já construído de fantoche, mas se essas cordas foram criadas com a ajuda do Amor isso é tudo o que você precisa para curar suas feridas. dói não ter uma titereira, passaram pelo meu colo centenas de fantoches sem titereira e a maneira como o coração deles acelerou e eles ficaram totalmente perdidos nos meus braços me quebrou, me fez chorar muito, às vezes na frente deles, às vezes ajoelhada em frente à minha cama.
eu ajoelhei muito em frente à minha cama não só por esses fantoches que adotei por um dia, um semestre, um ano, mas principalmente pelo meu próprio fantoche. eu via fantoches com mundos interiores devastados pelas situações da vida, então chegava em casa e via meu próprio fantoche largado numa cama por horas, dias, sem comer, sem dormir, sem falar com ninguém, perdido dentro de seu próprio inferno, fechado dentro de seu próprio mundo tentando contê-lo dentro de si acreditando que destruiria o mundo exterior caso se expressasse, influenciado pela voz de uma maldição que eu mesma coloquei dentro dele. desde que me conectei com ele a minha frustração foi embora, mas esse foi o período mais triste da minha vida. não era frustração, não, eu não me conformava com aquela situação, sabia no fundo do meu coração que as coisas iriam mudar, sabia que veria meu fantoche sorrindo novamente, fazendo o que gostava de fazer novamente. eu perdi totalmente a intimidade com o meu fantoche e hoje confesso não saber mais nada do que é aquilo ali, mas nossos corações ainda batem no mesmo ritmo, eu sempre soube que ele merecia a felicidade e pra falar a verdade todos sabiam, até as bruxas que passaram por ele e saíram menos bruxas sabiam. então eu não estava frustrada, gritava pelo Amor todos os dias, implorava para que ele trouxesse uma solução porque eu já não tinha mais nenhuma. mas eu estava triste, triste ao ponto da minha vida ter perdido o gosto, vivia mas meu coração estava no sofrimento do meu fantoche. foi uma tristeza que nunca senti antes na minha vida porque ela era pura, sem remorso nem frustração, não era prioridade para mim me culpar ou culpar alguém, eu… só queria mudar as coisas, só queria vê-lo diferente, só queria um novo amanhã, um sol raiando, só isso. descobri o poder de um amor que faz qualquer coisa valer a pena independente de como estão as circunstâncias, descobri como a dor dos outros se torna sua e arde no seu íntimo quando você ama.
eu sou feliz hoje. é, sou. eu sei que a vida tem altos e baixos, que há dias onde você está feliz ou está triste, mas a impressão que tenho é que se sentar na frente de um lago e começar a explorar o meu coração eu sorrirei. fecharei os olhos, respirarei fundo e agradecerei.
o meu fantoche tem um longo caminho pela frente. ele não está no melhor dos estados mas, se precisar das batidas do meu coração, elas estarão aqui. sempre aqui. sempre esperando ele chegar e se sintonizar comigo. não, não me interessa se ele é bonzinho ou malvado, posso ser brava e firme com ele para ajudá-lo mas a relação de titereira e fantoche está acima do bem e do mal. nós, mulheres, nem acreditamos nessas coisas de bem e mal, para nós tudo é no fundo uma desculpa esfarrapada para amar e/ou fazer sexo. ele ainda é meu fantoche e, sempre que quiser deixar de ser, acho bom que seja com uma pessoa de coração manso o suficiente para não transformá-lo no seu depósito de frustrações ou no seu brinquedo.
é bom continuarem tomando cuidado. talvez eu, rebecca, a titereira, não seja mais nada além de uma titereira. já a rebecca que está dentro dele, se um dia foi o hades e por isso carrega pelo resto de sua vida as habilidades do hades, hoje é a rainha de suas estrelas.
e não adianta ameaçá-lo com um salto alto:
o seu nome vai parar na coleção, mocinha. meu salto sempre será o maior.