a verdade é que, na igreja, demorei muito tempo para me atrair pelas meninas certas por motivos certos. a Primeira Vítima foi a última pessoa que não era da igreja com quem tive “algo”, que namorei sem querer, embora para facilitar a minha vida eu determine e sempre deixe claro a todas as pessoas que, exceto a partir do momento em que declaramos publicamente que estamos namorando, não estamos namorando. que não é para criar coisas na cabeça, que não é para ficar “achando” as coisas. sou como uma mulher: as coisas que “parecem ser” muitas vezes não são, “é claro que ele está afim de mim!” não é claro, se você está transbordando de sentimentos por mim é melhor que se declare e se estou transbordando de sentimentos por você eu mesmo me declaro, sem concluir milhares de coisas um sobre o outro e tentar criar uma imagem fantasiosa um sobre o outro para se frustrar no fim. é uma linha sólida.
se você não sabe: todas essas fantasias que o homem cria de que “precisa conquistar uma mulher” são construções imbecis para tentar tornar mais legal e aceitável o fato de que homens são horríveis em esconder seus sentimentos enquanto as mulheres são ótimas nisso. homens não falam de seus sentimentos mas estão os manifestando todo tempo: assistindo ou jogando uma partida de futebol, fazendo brincadeiras idiotas uns com os outros, jogando videogame, saindo na porrada, emitindo opiniões sinceras e cortantes de graça. o mundo dos homens é emocionalmente violento; já o das mulheres é emocionalmente dissimulado, todas sabem da importância de seus próprios sentimentos então tentam manter uma boa política para não se ofenderem, mas essa boa política acarreta em todas serem falsas umas com as outras, fingirem que certas coisas horríveis são boas e por aí vai. amizades femininas são muito fáceis de corroer, nunca vi duas amigas que passaram a gostar do mesmo rapaz não ficarem em paz armada até que uma delas o “conquista”, então a outra se revolta e as duas jogam anos de relacionamento no lixo por conta de algo tão bobo quanto um homem. as mulheres costumam amar o porto-seguro que é a amizade com um homem, só tem aquele problema chato que é que pode ocorrer a “confusão”.
não que eu queira entrar nisso. deixe-me sair disso antes que eu volte a falar do que é desinteressante.
sendo eu uma pessoa emocionalmente dissimulada, que conhece e fala de seus sentimentos e que tem um controle emocional enorme, você pode esperar qualquer coisa de mim. definir que “é isso” é um risco gigantesco. já fiz muitas coisas impulsivas mas tudo completamente forçado, por cair em conversas imbecis de egos masculinos e de ansiedades femininas. eu nunca expressei sincera e claramente os meus sentimentos por alguém.
eu estava começando a entender que havia um processo para se namorar alguém. como disse em algum lugar, eu acreditava que havia uma diferença concreta entre a menina que é sua amiga e a menina que é a sua namorada, que a sua amiga você conversava normal e a namorada você dava em cima até se tornar magicamente sua namorada. isso, a princípio, parece só engraçado de imbecil, mas revela algo que não tem graça nenhuma: eu era tão perverso e insensível que não havia naturalidade no surgimento de sentimentos, ou havia segunda intenção e você deveria deixar isso claro o mais rápido possível ou não havia; eu acreditava que você deveria namorar alguém que você vê como um produto e, meu Deus, é óbvio que nunca namorei, no final das contas eu mesmo nunca consegui ver ninguém como esse produto correspondente aos conceitos deturpados da minha mente, mesmo o que aconteceu com a Carinha de Anjo não teve nada a ver com isso.
aliás, o que aconteceu com a Carinha de Anjo foi a única coisa que poderia acontecer com alguém que enxergava as coisas como eu e não era um estuprador: óbvio que eu me apaixonaria apenas mediante rasteiras emocionais poderosas, que eu me fecharia para temperadinhas que, afinal de contas, são a única maneira de uma menina saudável chamar atenção de um menino. desde a adolescência eu andava com uma placa no coração escrito “não acaricie, destrua!”. mas há muito mais espaço para se falar disso nessa história.
o importante nisso tudo é: eu estava começando a entender. sabia que, quando achasse uma menina atraente, não deveria falar disso o mais rápido possível e deveria me aproximar dela como um amigo. para mim isso parecia meio safado mas não questionei muito. eu não era sociável, não sabia o que significava se portar no meio das pessoas então aceitaria tudo o que me ensinassem e as pessoas que me ensinaram isso, ao menos a princípio, não eram as melhores pessoas do mundo nesse assunto. um desses meus amigos sequer se relacionou com alguém daquele lugar, ele acabou se casando com uma menina de sua cidade-natal, com mil habitantes, de sua igreja-natal, com uns trinta membros, porque cresceram juntos e num belo dia ele a viu e pensou “por que não?”.
só tinha um problema: eu era uma pessoa com uma capacidade impressionante de exercer a inteligência e uma inaptidão social extrema então não sabia como me aproximar das pessoas, não sabia como puxar assunto, não sabia o que perguntar. “tá, e o que isso tem a ver com a inteligência?”. tem a ver que: uma das melhores maneiras de se puxar assunto com uma pessoa é querer saber mais sobre ela e eu achava inútil “querer saber” sobre ela, fiquei interessado na Projeto de Skinner nessa época e não via motivo para perguntar nada sobre ela, não via motivo pra puxar assunto porque via as estampas em sua camiseta, então sabia que ela gostava dessas coisas que estavam em sua camiseta, então seria idiota perguntar “você gosta dessas coisas que estão desenhadas em sua camiseta?” porque, dãr, é óbvio que ela gosta dessas coisas desenhadas em sua camiseta, do contrário ela não estaria usando essa camiseta. sabia que ela tinha acabado de começar uma graduação em psicologia mas não achava que deveria perguntar nada sobre isso porque tive várias amigas que cursaram psicologia, a minha tia era psicóloga, estudei muito de psicologia querendo sanear minha mente dos meus monstros psicológicos, então ela não poderia me ensinar nada de psicologia porque eu sabia mais que ela. ela era apaixonada por Skinner e análise de comportamento e eu, por já ter estudado Skinner, concluí que não tinha pra que perguntar por coisas que eu já sabia. tudo nessa situação era nojento. não só meu orgulho de bater no peito e concluir “eu já sei dessas coisas” sem nunca puxar assunto a respeito delas, era egoísta de acreditar que uma conversa era sobre o que eu sabia e não sobre simplesmente conversar, era ridículo, era… ah, meu Deus, não tenho palavras para descrever o que era isso.
ainda assim ela insistiu algumas vezes. sempre tratei essa situação como alguém derrotado desde o início, nunca soube que essa situação causou seu próprio alvoroço: o simples fato da Projeto de Skinner ter perdido tempo com uma pessoa tão arrogante como eu significava algo, os assuntos eram sempre sobre mim e nós conversamos por semanas, eu não teria durado dois dias conversando comigo mesmo; descobri também, alguns anos depois, que a melhor amiga e conselheira dela (uma menina mais velha, da minha idade) tinha um gostinho por mim e tentou se aproximar algumas vezes enquanto a incentivava a desistir. coisa de menina. a Projeto de Skinner era uma menina de dezoito anos na época, tinha roupas bem bobas de menina que tinha acabado de sair do ensino médio, enquanto essa amiga dela era um mulherão que se produzia muito bem e todo mundo sabia quando estava na igreja porque ela usava uns saltões enormes só dela, e quando ela estava nesses saltões ela ficava de dez a quinze centímetros mais alta que eu.
se eu já não tinha como saber que a Projeto de Skinner poderia estar afim de mim, menos ainda saberia dessa outra. era uma situação perdida em tantos sentidos que, para mim, é só uma história muito engraçada. a Projeto de Skinner saiu disso dizendo “ugh” pro meu melhor amigo a respeito de mim e só pensei que sim, não tinha como ela pensar nada diferente de mim. eu tão feinho, chato, bobo, desinteressante… só hoje, anos depois, consigo saber o que significa o simples fato de eu ser assunto entre eles. mas na época, lembrem-se, eu era uma pessoa entupida de complexos de inferioridade.
foi exatamente aí, ouvinte e antigo leitor, que aconteceu o apelido “Light Fuse And Get Away”. foi a primeira vez que alguém percebeu algo de estranho comigo: um amigo que tinha muita autoridade sobre a minha vida ficou encabulado comigo porque ele sabia que eu tinha potencial para namorar aquela menina. sabia que, mesmo com as minhas dificuldades, estava dando tudo certo, bastava eu insistir um pouco mais. eu era chato e egocêntrico mas, insistindo o suficiente, aprenderia o necessário e as coisas se ajeitariam. todo homem é um pouco chato e egocêntrico quando não convive muito com o seu contexto e esse era meu caso, um homem lotado de novidades vive querendo falar sobre elas ao invés de dar vez à outra pessoa mas já vi muitos homens lotados de novidades sendo aceitos pelas mulheres e lapidados depois já durante o relacionamento.
mas, pra falar a verdade, a minha auto-estima não foi destruída do nada nessa situação. metade dessa história aconteceu após a crucificação da Primeira Vítima, então houve um hiato, então houve a outra metade que aconteceu… oh oh, durante o segundo round da Moça da Carta de Amor.
o fato é que eu gostava verdadeiramente dela, quando a recusei tentei racionalizar e justificar de todas as maneiras na minha cabeça que estava certo em recusá-la, afinal, era a Vontade de Deus. a gravidade dessa situação foi muito maior do que percebi a princípio. para falar a verdade o antigo narrador dessa história não percebeu a gravidade dessa situação, ele contou uma história sem saber a influência que esse “não” teve em sua vida. criei um universo de expectativas femininas quando isso aconteceu e isso me fechou para absolutamente tudo. eu sei que era vontade de Deus que não tivéssemos começado um relacionamento ali mas odiei Deus profundamente por ter permitido que as coisas fossem dessa forma, por não tê-la feito na mesma cidade que eu, sendo da mesma religião que eu, estando numa situação onde nós realmente nos amaríamos e não nos destruiríamos. doeu demais em mim mas eu estava em um período do meu relacionamento com Deus onde acreditava que ele era o Senhor Absoluto Do Bem E Do Mal, que ele tinha sim o direito de me fazer o mal se quisesse, fingi que aceitei que ele sabia o que estava fazendo porém no fundo do meu coração acreditei que ele era um psicopata que estava jogando com os meus sentimentos em um projeto de engenharia emocional e… eu não tinha opção, ele era meu Deus, eu aceitaria um Deus psicopata se fosse necessário porque sabia que minha existência dependia dele.
curiosamente nessa época de aceitar um Deus psicopata eu me tornei um conservador ferrenho, que defendia o mundo bíblico ideal do antigo testamento num país como o brasil. foi a época mais farisaica da minha vida (fora os anos antes do ateísmo) embora a realidade constantemente jogasse situações concretas que me permitiam perceber que as coisas não eram bem assim já que nunca aceitei viver uma farsa, tudo o que fiz foi de coração e a minha religião também preferi exercer de dentro para fora. levava lanche aos moradores de rua, conversava com eles e eles sempre jogavam uma realidade anticonservadora pra mim. no meio conservador era comum dizer que mendigo era psicopata, fazia parte “do mal”, a minha mente aceitava ouvir isso para manter sua coerência discursiva mas meu coração se ardia de ódio, eu amava aqueles homens, queria vê-los restaurados (e vi alguns sendo) e no fundo sabia que eles eram muito mais reais que uns robôs estranhos de internet que falavam de legalizar porte de arma e de bater em esquerdista. não que eu tenha opinião sobre porte de arma, embora tenha sobre playboy portando arma, eu só… tenho dificuldade em gostar dessas pessoas.
mas carreguei essa mágoa contra Deus e carreguei essas expectativas para o sexo feminino. como eu, uma pessoa que não tinha nenhuma experiência concreta, poderia saber que uma mulher escondendo sentimentos poderia estar interessada em mim se havia acabado de passar por uma mulher falando de haver uma lacuna no coração dela que só eu poderia preencher, de ter sonhos comigo e várias outras coisas que até hoje acho um perigo lembrar? isso me confundiu totalmente, criou um extremo romântico na minha mente que ninguém seria capaz de chegar sem anos de conversas íntimas comigo.
essas conversas íntimas nunca aconteceriam numa igreja. as pessoas praticam algo nas igrejas chamado “guardar o coração”, algo que eu não conhecia e que hoje sei que faz muito sentido, mas na época… ah, sinto até pena ao pensar na desgraça em que eu estava metido na época.