na sexta série eu tive a primeira situação onde as outras pessoas criaram clima pra mim por eu ser uma pessoa facilmente sacaneável. eu era maduro e imaturo ao mesmo tempo, ficava irritado com as brincadeiras mas nunca conseguia acreditar cem por cento que era sério, era muito bom para uma sala de aula brincar de criar clima entre eu e outra pessoa.
no segundo semestre da sexta série entrou uma aluna nova na escola. baixinha, branquinha, óculos fundo-de-garrafa, super-inteligente. na sexta série eu quase tentei ser nerd superdotado de novo, lembro de minhas notas terem sido bastante boas ali mas não consigo lembrar o motivo, e essa menina chegou arrebentando meu império. metendo a bica, mesmo. ela tirava 10 sempre que queria, ela sabia falar inglês, ela era burguesinha e o que mais me chamou atenção nela era que ela sabia usar autocad. não romanticamente, claro, só me chamou a atenção mesmo.
ela ficava com o rosto avermelhado com muita facilidade, ela se irritava com facilidade, ela mordia as pessoas. parecia um personagem de desenho mesmo, deve ter sido a menina mais estranha que já conheci fora da internet. ninguém sabia se deveria gostar dela ou odiá-la, todo mundo tinha certeza de que ela era muito convencida porque ela era tímida mas, sempre que abria a boca, soltava alguma besteira enorme que devastava a auto-estima de todo mundo. ela parecia uma santa, o tipo de pessoa que deduraria qualquer coisa para o professor, que ficaria na sala quando todos combinássemos de matar aula.
e quiseram formar climinha entre eu e ela. e formaram, de fato. vá, não tinha como uma anomalia daquelas não ser interessante em algum ponto, eu fiquei interessado nela. em saber quem era de fato, como vivia, quanto tempo estudava por dia (ouvia boatos de que ela estudava o dia todo, exceto enquanto estava na escola… uau!), se gostava de videogame, aliás, do que uma pessoa dessa gostava? de estudar e de autocad? sem contar que ela morava em um bairro de nome muito engraçado. uma vez eu tentei ensinar ela a pular o muro da escola, não lembro nada do que aconteceu, só lembrei que tentei e é interessante colocar aqui que tentei ensinar uma super-nerd (com letras minúsculas! importante notar) a pular o muro da escola.
na última semana de aula ela simplesmente se rebelou contra o universo. faltou em todas as aulas, entregou um trabalho todo errado em inglês, a matéria que ela dominava mais que eu, o reizinho do inglês naquela escola por ter aprendido inglês sozinho jogando videogame e assistindo desenho com legenda em inglês já que mesmo na internet discada eu baixava uns episódios enormes de desenho de madrugada para assistir no dia seguinte. uma vez troquei o último episódio do dragon ball gt na tv globinho para assistir um episódio de rockman.exe anime e, por dias, fui o “indie” da escola que ficou sem assunto para conversar sabendo dentro do coração que tinha feito a escolha certa. rockman.exe anime é sensacional, peguem o original sem dublagem um dia, não tem um super-traço nem uma super-história mas tem personalidades inesquecíveis, episódios inesquecíveis. o episódio de revanche do fireman.exe onde tanto o netto e a meiru quanto o rockman.exe e a roll.exe brigam e precisam se reconciliar pra vencerem o fireman e salvarem a cidade é lindo. a sequência de episódios onde o Mal possui a roll.exe e faz dela uma mulher louca má com um chicote e então, após salva dessa possessão, ela quebra completamente pelo que fizera com o rockman, surta, vence todos os inimigos e tem a cena romântica com ele no fim, salvou o meu mundo de fantasias românticas por anos; é um episódio razoavelmente adulto e perigoso, é impossível dizer que não parecia baseado em bdsm. vou te contar uma coisinha meio chata, tudo bem? pra mim já não tinha problema, eu já sabia o que era bdsm com dez anos de idade.
meu Deus! vamos voltar ao assunto. desde que ela se rebelou eu nunca mais a vi, ela sumiu da escola, não apareceu pra pegar nem boletim. ninguém entendeu o que aconteceu. não conseguimos nem especular, não entendemos nada. a princípio eu fiquei meio triste, mas depois de um tempo fiquei bastante triste: vi a sala toda, inclusive professores, agradecendo por ela ter ido embora, falando mal dela, dizendo que ela era convencida, não era amiga de ninguém de verdade, só dava trabalho, era temperamental demais, eu… não sei se poderia discordar de maioria dos comentários mas não fiz parte, não queria ofendê-la, não queria que ela tivesse ido embora, a nossa amizade não era a melhor do mundo mas ali senti como se eu fosse o único amiguinho dela na escola inteira porque só eu senti falta, só eu fiquei preocupado e não apenas curioso. ela não tinha uma saúde muito legal e isso era perceptível pela sua respiração forte e sua voz exageradamente frágil então isso fez parte do meu quadro de especulações e talvez só do meu já que ninguém mais estava interessado em saber se ela estava bem. enquanto ela estava ali eu só ficava irritado com todo mundo forçando a gente a sentar um do lado do outro, fazendo brincadeira sem graça, empurrando um pro outro, é horrível manter uma amizade com uma menina assim principalmente quando nenhum dos dois parece afim de “algo a mais” mas a gente conseguiu mais do que não chegar perto um do outro para evitar o falatório. só que quando ela foi embora e sobrou só eu defendendo sua sombra eu tive muitos sentimentos ruins, provenientes de uma saudade e um pouco de arrependimento também.
meu Deus, ninguém gostava dela. só eu gostava dela. só eu gostava desse mau elemento, dessa rejeitada, dessa doida, dessa chata. só eu achava ela uma menina como qualquer outra e não um objeto de zombação, talvez porque eu me sentisse um objeto de zombação também. e talvez eu fosse, mesmo, um objeto de zombação também.
foi muito triste.