como último suspiro de sede de Deus, aos dezessete, tentei voltar a me dedicar à igreja. eu entrei na faculdade e me apaixonei pelos estudos, mas isso não importa, não aqui. na sétima estrela importa. tentei me aproximar das pessoas da igreja, tentei conviver com elas, mas todos ao meu redor estavam na adolescência fazendo besteiras enormes que uma pessoa com meus dilemas morais complexos e que já estava na faculdade jamais faria, então me tornei um tiozão instrutor. tudo isso incentivado pelo meu melhor amigo, que tinha se convertido há não muito tempo e estava na minha igreja, eu tentei me ser ateu na faculdade e até consegui mas ninguém estava muito interessado nisso. passei uma semana sem conversar com ninguém de novo, fechado escrevendo alguma fantasia no meu caderno, mas fazer parte da mesma igreja mesmo que eu estivesse desviado nos conectou de uma maneira que não lembro como foi e com uma força que nos permite sermos grandes amigos até hoje.
eu tentei, mas infelizmente tudo estava complicado demais pra mim.
aos dezesseis comecei a me machucar em público para chamar atenção das pessoas a fim de que elas percebessem que havia algo de errado comigo, como uma personalidade alternativa mulher histérica escandalosa avisando que era refém de outra personalidade. aos dezessete parei porque vi que não funcionava, mas fiz muitas coisas horríveis comigo mesmo no meu quarto e estamos entrando numa área muito íntima da minha vida. não é que não queira contar como funciona isso, leitor, prometo que tentarei meu melhor. é que com as notas que foram me dadas aqui eu não vou conseguir. a sétima estrela não entrou aí também mas fez melhor logo no comecinho do segundo capítulo porque ela é uma subversão dos acontecimentos da relação macabra entre minhas várias personalidades no meu quarto, ela está relacionada com isso, já a décima estrela não está. o que acontecia no meu corpo não era ódio, era ansiedade, era o fim do meu fascínio pelo espírito da morte porque agora eu era refém dele e qualquer dia ele me levaria. com as notas que tenho aqui na décima estrela, o penúltimo capítulo da noite na pequena londres, posso dizer que me machucava por solidão, porque eu estava encarando uma infinidade de feridas na minha intimidade desde os quatro anos sozinho e estava cansado, deprimido, não havia uma saída, eu já não sabia como comunicar meus problemas ao mundo porque eles não pareciam fazer sentido nenhum, eu ensaiava falar deles com as pessoas e cada vez que ensaiava saía algo vergonhoso diferente e eu me espancava (literalmente) de vergonha e raiva do meu fracasso.
eu reagia com muita violência a mim mesmo, toda vez que errava despertava um milhão de vozes me reprovando e ficava abalado por dias. desculpa. sétima estrela de novo. eu não conseguia me olhar no espelho, via um monstro que eu queria morto. eu queria morrer, queria mesmo morrer, era honesto, queria descansar do meu inferno íntimo cheio de condenação, desprezo, rejeição e desesperança. queria paz mental. queria que minha vida tivesse os bons sentimentos que eu tinha estudando, as pessoas ao meu redor se lembram com não muita afeição de como eu era apaixonado por cálculo quando entrei na engenharia. resolver contas me acalmava, eu estava concentrado em algo que não era eu mesmo e estava me saindo muito bem.
foi nesse abismo que conheci a Moça da Carta de Amor. é. sim, eu vou falar dela. mesmo que talvez ela ainda seja minha leitora, mesmo que talvez doa ler, mesmo que talvez eu não devesse fazer isso porque não sei até onde isso é uma história bonita e isso é uma história de dor.
a verdade é que nós conversamos muito na internet mas as memórias que tenho, de fato, sobre nós, estão nos momentos em que estávamos juntos. não sei onde isso é um romance e onde isso é uma amizade muito profunda, eu nunca vou ver isso como um romance que se desmanchou, sempre verei como uma amizade que quero que dure pra sempre.
ela era uma leitora das minhas histórias da época e se sentiu muito impactada. as minhas histórias da época eram um verdadeiro mistério até pra mim, eu já não sabia mais de onde vinham, eu tinha tanta coisa na cabeça que dediquei um bom tempo a tentar me comunicar comigo mesmo e essas histórias eram resultado disso. nós também conversávamos de vez em quando por causa de bandas, o nosso elo inicial foi as bandas: eu a conheci anos atrás numa situação engraçada onde eu e um amigo estávamos no ápice da adolescência “a menina que gostar das mesmas bandas que a gente é perfeita” e outro amigo chegou e a mencionou porque sua banda favorita era a mesma que a nossa, em algum momento surgiu a oportunidade de ter contato com ela, eu falei “duvida?”. não me lembro a resposta mas obtive esse contato.
uma vez, nessa situação, viramos a noite conversando sobre as nossas vidas. eu posso explorar algumas dessas mensagens agora pela riqueza de detalhes mas não quero riqueza de detalhes, quero o que tem no meu coração, isso é muito mais importante do que destrinchar tudo de fato até porque estou narrando uma história, não estou contando a você minha vida. ou você achou que eu estava, leitor? o fato é que a conversa teve tom de salvação, ela queria que eu não me sentisse sozinho porque eu era uma pessoa amável e não estava sozinho, eu tinha amigos, eu tinha família. ela estava numa relação com o namorado que não me recordo se estava boa ou ruim naquela época, não havia romance, havia um resgate de um coração partido e me faz sentido pensar que ela conversou com meus amigos a respeito de mim para saber por que eu era tão machucado mas prefiro não especular a respeito.
alguns meses depois nós saímos para tomar um café e conversamos por horas. horas e horas e horas. sobre quaisquer assuntos. permanece não sendo importante tocar nesse assunto, acho, mas ela tinha terminado com o namorado. lembra quando disse lá no começo, na história da Sobrenome Lindo, que eu saía com pessoas da internet e me sentia pleno porque estava em total sintonia com elas? foi o que aconteceu aqui. nesses dias, não só no dia em que saí com ela mas nos dias ao lado dos meus amigos de internet, eu me senti pleno. eu conversei com eles na minha linguagem, com ela trocamos histórias do passado e até do presente como se o heart-shaped star não estivesse em coma, com eles eu pude viver minhas múltiplas personalidades em paz e eles entenderiam tudo o que estava acontecendo. eu me senti pleno, pleno mesmo. uma pessoa viva. uma pessoa no mundo, uma pessoa autêntica, que expressava exatamente tudo o que estava no coração. nesse mesmo dia, conhecendo as dificuldades de uma pessoa que não era de sua cidade e misturando com os conhecimentos das minhas dificuldades pessoais, ela resolveu fazer algo que considero o momento mais especial que já vivi naquela cidade: me acompanhar até onde eu precisava ir porque haveriam muitas pessoas no caminho e eu despertaria um verdadeiro monstro de ansiedade caso fosse sozinho, ela sabia que estando ao meu lado eu ficaria mais calmo.
depois de um tempo ela voltou com o namorado, que a essa altura era meu amigo também. não me recordo se aconteceu com ela aquelas coisas de eu aconselhar no relacionamento usando minhas habilidades de aconselhamento, agora amplificadas pela minha habilidade em entender ao menos virtualmente qualquer tipo de sofrimento, porque me agredia fisica e emocionalmente todos os dias então isso já estava se tornando uma rotina até entediante que eu poderia contemplar, analisar, tirar conclusões a respeito ao invés de só sentir agonia. era bem psicopático.
não vou continuar essa história agora, existe um cenário paralelo ocorrendo aqui que é muito importante e precisa, eu disse precisa, ser descrito.