o desenho estava errado. como pude ignorar vinte anos de existência na terra? “aos dezoito eu me ancorei na pior mulher”, como pude achar que isso não era importante? quem é essa mulher? o que veio antes da noite na pequena londres que ignorei, e qual foi a maneira utilizada por mim para ignorar? como achei que uma infância poderia ser irrelevante, ainda mais dizendo em algum momento que fazia sucesso com as meninas? uma adolescência poderia ser irrelevante? uma juventude que começa com possessões demoníacas, suicídio e depressão poderia ser irrelevante? oh, é mesmo, desculpe-me leitor! se você não veio das estrelas cadentes tudo isso é novidade pra você. não queria que fosse. começarei do começo, tentarei não ser muito repetitivo para você que é um explorador da minha constelação ao mesmo tempo em que claro para o mero freqüentador das noites na pequena londres:
eu sou superdotado, tenho uma velocidade de raciocínio acima do normal. aprendi a ler com dois anos, despertei para minha sexualidade aos quatro e conquistei meu primeiro coração aos cinco. hoje esse coração pertence a uma menina bela o suficiente para deixar amigos meus revoltados com “como eu deixei escapar”, ou revoltados com como alguém que ainda é virgem conquistou uma menina desse nível. oras, Deus não nos quis juntos, mas sempre que ela precisar lembrarei que ela é uma princesa e sempre que ela quiser me chamar de príncipe eu aceitarei. esqueci de notar que tenho facilidade em me destacar quando decido me dedicar a algo, sobretudo porque me isolei das pessoas por conta a princípio do meu egoísmo e depois da depressão e perdi completamente o referencial de quem sou e o que tenho em mãos.
essa história da menina dos cinco anos, a qual chamarei de Sobrenome Lindo como referência às minhas memórias de infância onde eu gostava de palavras complicadas e amava pronunciar o sobrenome chique dela, revela como eu era um gentleman nessa idade. conheci a Sobrenome Lindo mais uma vez aos dezoito anos: ela era amiga de internet de um amigo meu que morava do outro lado do país e confesso que, apesar de ela ser notavelmente linda, o que me interessou nela (para… uma amizade, e só uma amizade) foi o fato dela morar aqui na pequena londres. aos dezoito eu era emocionalmente devastado, estava afastado da igreja e portanto meus amigos eram ou nerds de universidade tão incomunicáveis quanto eu, ou uma personagem relativamente importante que aparecerá em algum momento da história, ou membros da ala do clã dos heartbreakers chamada “Sertanejo Universitário”.
eu me sentia distante de todas as pessoas, queria conhecer pessoas que me entendessem como as pessoas da internet me entendiam. viajava para cidades grandes distantes da pequena londres, encontrava-me com essas pessoas, lembrava o que era me relacionar com seres humanos, me sentia pleno e, assim que voltava para a pequena londres, onde não havia uma alma viva com quem eu me sentia conectado, eu quebrava. fiquei muito feliz ao ver que poderia ter essa oportunidade de amizade embora houvesse esse pequeno problema: ela era uma moça muito linda, cheia de paparicos e portanto não teria nem tempo nem saco para conversar comigo. não, não se enganem achando que era porque eu me sentia rejeitado por ela, eu não tinha essa visão. aos dezoito eu era insensível o suficiente para não ver diferença nenhuma entre um homem e uma mulher e chamei ela para sair como se chama um amigo qualquer. óbvio que ela rejeitou e cogitei todas as hipóteses possíveis, menos a de ter despertado sua ansiedade porque ela era solteira, eu também, e nenhum homem chama uma mulher com quem não tem uma amizade profunda para sair a sós por algum motivo além de um golpe bastante corajoso. eu… realmente acreditei que ela estava muito ocupada, insisti mais uma vez outro dia, ela repetiu e então não insisti mais. ela deveria mesmo ser uma pessoa muito ocupada! não fiquei nem chateado, continuei conversando com ela normalmente.
um homem e uma mulher eram a mesma coisa para mim aos dezoito anos. porque também era aos dezessete, aos dezesseis, aos quinze, aos quatorze… existem muitos fatores diferentes para esse fenômeno. é um somatório macabro de purezas e impurezas, de ingenuidade com malícia, eu era e ainda sou e sempre serei uma aliança inacreditável entre uma pessoa que acredita que a finalidade do ser humano é amar e uma pessoa que acredita que tudo o que uma pessoa é capaz de fazer é propagar sua própria perversão, uma pessoa que conversa com uma prostituta sem perceber que ela é uma prostituta e uma pessoa que percebe que uma mulher mexeu o cabelo pela segunda vez e dessa vez tocou em cinco fios a mais, o que com certeza significa alguma coisa. eu sou uma pessoa sensível, extremamente sensível e uma pessoa masculina, extremamente masculina. e posso explicar de onde isso veio.
falei muito do meu pai, da masculinidade do meu pai, no terceiro capítulo. expliquei como isso influenciava tanto a personalidade vibrante quanto a melancólica. agora falarei da minha mãe: sou filho de uma caçula de uma família de quatro mulheres e cresci muito mais próximo dessa família que da família do meu pai, meus primos são todos mais velhos, da minha idade só sobrou minha prima e nós fomos os melhores amigos na nossa infância. até hoje somos grandes amigos e compartilhamos histórias de todos os tipos, mas não é minha prima o foco, são minhas tias: eu sempre me aproximo mais de pessoas mais velhas que das pessoas da minha idade por conta da minha maturidade mental (que está mais relacionada à minha capacidade de dilatação mental que a uma maturidade comportamental de fato), os assuntos delas são mais interessantes e complexos, não me entediam, portanto sou muito próximo das minhas tias. todas elas. cada uma delas tem sua própria personalidade: tenho a tia independente (hoje em dia seria a feminista radical), a tia doida (hoje em dia seria a doida dos signos, aliás, ela é doida dos signos), a tia melancólica (hoje em dia seria a “quem dera morrer”) e a minha mãe (a baixinha mais invocada do mundo). eu conheci todas elas, conversei com todas elas, fui sensível a todas elas. nunca tive medo de mulher mas sempre me soou muito estranho fazer algo com elas que não fosse conversar. minha sexualidade sempre me pareceu muito distante da realidade concreta até porque, como disse, descobri ela aos quatro, ela é muito intensa e multiforme.
para mim soa natural sair com uma mulher para conversar. muitas vezes conheci mulheres que vi falando “tudo o que eu queria era um amigo pra conversar, mas homem só pensa em sexo” e, claro, boa parte das vezes isso não é dito com seriedade, mas costumo desmanchar esse tipo de desejo com facilidade. já saí com várias amigas só pra conversar e, se alguma delas compartilhou dessa intenção comigo, ela com certeza foi se perdendo com o desenrolar da conversa, com a minha sensibilidade aflorando e acolhendo seus sentimentos como se eu fosse seu esposo, sua imaginação redesenhando cenários onde nós dois estaríamos juntos e eu poderia cuidar dela para sempre como estava fazendo naquela noite. mais de uma vez, e isso não narrei em nenhum dos capítulos mas tenha certeza que ao menos em uma das histórias aconteceu, saí com alguma amiga sem nem pensar na hipótese dela querer algo e, em algum momento, comecei a ser tocado de alguma forma sutil que julguei serem apenas acidentes quaisquer. sim, é, eu fui tapado a esse ponto. não importa que você seja homem, esteja lendo e pensando “quem você quer enganar”, se eu fosse capaz de perceber isso naquela época eu já estaria casado e provavelmente com um filho. eu… era completamente insensível a flertes corporais (“insensível” é uma palavra satisfatória agora, mais pra frente poderei lhe oferecer uma melhor), eu já passei por uma situação doente de absurda no ônibus acreditando que nada estava acontecendo, que era paranóia da minha cabeça deprimente e pervertida, até extravasei em forma de história engraçada na época mas anos depois repensei e vi que foi algo digno de chamar de assédio. não, não vou contar, é muito doentio.
eu não fui criado para a maldade, fui criado para uma bondade absoluta. não consigo sentir a maldade nas pessoas, nem que elas se esforcem. mas, como disse em algum momento do terceiro capítulo, a maldade entrou na minha mente e me contaminou por dentro. eu não sou uma pessoa má, mas sou pervertido. um anjinho caído. o sorriso mais inocente da pequena londres, o olhar mais viciado da pequena londres. eu passo muitas rasteiras nas pessoas mas nunca percebo que estou fazendo isso, é essa a mecânica básica do light fuse and get away caso o leitor não tenha percebido: a minha perversão é tão intensa que tem vida própria, minhas palavras são sugestivas, meu corpo se move de maneira sugestiva e observa as pessoas de maneira sugestiva; é como se a única maneira que eu tivesse aprendido para viver no meio de pessoas fosse a maneira sexy, não consigo deixar de ser um pop-star, sempre estou discretamente (antes, descaradamente) chamando a atenção de alguém e isso foi se tornando tão intrínseco a mim que parei de perceber que faço.
mas isso não é muito útil agora. voltemos à Sobrenome Lindo. um ano depois comentei sobre uma professora minha do jardim de infância que tinha morrido e ela se interessou pelo assunto, já que isso também tinha acontecido com ela, então fomos nos investigando e nos investigando até descobrirmos que éramos coleguinhas de sala no jardim de infância. uau! não só isso como ela era a menininha que gostava de mim nessa época, ou talvez não fosse “a”, eu realmente tenho dificuldades de lembrar dessa época. tenho uma foto com ela, ela deve ter algumas comigo. foi uma história muito legal, foi muito interessante ter voltado a falar com uma amiguinha de infância dessa forma. por fim nos vimos nos dois turnos das eleições já que morávamos muito perto e eu era mesário em sua seção eleitoral, na primeira apenas nos cumprimentamos porque ambos estávamos tímidos, na segunda conversamos um pouco mais porque ela chegou atrasada mas acabou sendo uma conversa corriqueira porque ela estava de mau humor e eu logo teria de ir embora.
ela já não mora mais no brasil.
nenhum coração foi partido nessa história, mas ela é interessante. ela é especial, para mim e para ela. ela também mostra na prática aquilo que comentei sobre fazer sucesso com as meninas desde a infância, foi muito engraçado ouvir “você é o menininho que eu gostava!!!”. como eu poderia esperar que alguém lembrasse disso? ainda mais em um tempo onde eu era tão depressivo e solitário!