os próximos parágrafos são bastante interessantes de se encaixar no quebra-cabeças da sétima estrela. recomendo relê-la depois colocando-o ali vendo o que condiz e o que contradiz.
não há razão para acreditar no que falo sobre mim mesmo.
na sétima série, agora com mais propriedade, eu estava no processo de me tornar um rebelde passivo. com episódios de rebeldia extremos equilibrados entre uma infinidade de dias normais, assistindo desenho, estudando e freqüentando a igreja, embora eu já tivesse desanimado um pouco de ser crente porque senti que levava mais a sério que as pessoas ao meu redor e acabei desistindo e me entregando também às minhas vontades de adolescente revoltado.
na verdade não era só isso. eu odiava tanto a minha identidade sexual com certa riqueza de formação que fui lentamente me tornando uma pessoa com duas personalidades, já que não podia expulsar ela do meu corpo. uma pessoa que falava coisas que não queria falar, que fazia coisas que não queria fazer, porque nenhuma criança de doze anos firme em suas faculdades mentais gostaria de fantasiar as coisas que eu fantasiava. uma pessoa com interesse em criar identidades falsas na internet para enganar os outros, que constantemente queria sair de si, queria sair de seu próprio mundo. foi aí que passei a ter um fascínio pela morte e a questionar a existência de Deus, o da minha igreja, o que sabia o que era certo e errado e julgava os pecadores porque o pecado era errado. eu não queria que fosse errado, eu não estava tendo nenhum controle sobre a minha vida naquele momento para sentir que era justo eu ir para o inferno. foi aí que deixei de me entender com Deus e logo fui atingido pela enxurrada de questionamentos morais que, em questão de mais um ano ou dois, fincaram-se na minha identidade sexual e tornaram-na uma verdadeira satanista, um culto à degradação do ser humano; isso se manifestou em mim criando uma inconstância de fé, eu não sabia se era cristão ou se odiava Deus, o que se converteu num período de agnosticismo onde eu freqüentava a igreja mas esmagava a fé dos mais-ou-menos incrédulos que passavam pelo meu caminho.
é idiotice ficar querendo entender Deus mas, pela maneira como a minha mente é construída, eu seria salvo nessa época se o entendesse melhor. eu fui a pessoa que pior entendeu Deus na adolescência: ele poderia ter sido meu melhor amigo, ele poderia ter sido meu consolo nesse tempo onde meu mundo interior estava ruindo, ele poderia ter fortalecido as minhas estruturas com os melhores materiais do universo mas eu quis, muito, que ele fosse a pessoa que estava apontando o dedo pra mim dizendo “você é desprezível”. ninguém aceita ouvir que é desprezível de Deus sem virar as costas pra ele, é impossível, mas nenhum adolescente cristão rebelde é capaz de entender que Deus jamais te chamaria de desprezível, quem te chama de desprezível é um rapaz muito belo que se veste de anjo de luz e aparece pra você quando você está sem possibilidades de discernir espíritos. e, numa dessas, ele pode te levar pelo resto da vida.
o diabo, aos treze anos, assumiu a forma de uma bela moça gigante que me esmagava diariamente debaixo de um sapato de salto dourado. oh yeah, leitor de estrelas cadentes, ele tem muitas semelhanças com a rebecca. a minha rebecca ainda não tinha chegado nessa época.
ainda estou falando dos doze, mas os doze e os treze anos são como se fosse uma idade só. aos doze comecei um processo de desenvolvimento da personalidade que só tomou uma forma real aos treze. o meu fascínio pela morte fez com que eu, lentamente, deixasse de ter interesse em desenhar robôs legais para desenhar anjos robóticos de morte. fez com que minhas fantasias deixassem de ter finais felizes (na verdade eu não acabava minhas fantasias aos doze) para começarem a ter finais ambíguos ou apocalípticos, aliás, minhas fantasias começaram a se fundamentar na desconstrução de heróis e vilões porque não existia herói de verdade nem vilão de verdade. não existia bem e mal, só mal, o herói era a pessoa que enganava os outros o suficiente escondendo seu próprio mal. eram fantasias muito bobas, coisa de adolescente que tinha acabado de se tornar um adolescente, mas pensar nelas hoje me faz perceber que elas eram corruptas com uma sinceridade impressionante. nessa idade meus personagens femininos ainda eram guerreiras sensíveis, eu ainda não era capaz de pensar em ambiguidades emocionais, apenas sexuais. as meninas agressivas da minha adolescência eram agressivas e as doces eram doces e no final todas eram pessoas bastante sensíveis que se abriam pra mim com facilidade porque eu era bastante sensível aos problemas dos outros, embora a perturbação na minha sexualidade tenha me fechado à sensibilidade aos seus desejos.
aos doze comecei a me rebelar na escola, embora fosse um novinho ridículo (eu era um ano adiantado) zoado por todas as pessoas realmente rebeldes. a minha rebeldia era sistêmica, boa o suficiente para irritar os outros e chamar atenção, esperta o suficiente para nunca sobrar pra mim. cansado de ser alvo de zoação e sentir medo de apanhar dos bullies, que nunca me batiam porque eu sempre cumpria seus protocolos mas sempre ameaçavam, eu conquistei uma parte dos bullies de propósito para que eles me defendessem de outros. a minha identidade sexual era má e corrompida, ela era esperta, embora eu não tivesse a estrutura de quem pratica o mal eu sabia jogar com as pessoas que vinham pra cima de mim e fazê-las se perderem no seu próprio mal. eu passei a sétima série por conselho de classe, embora fosse uma pessoa extremamente inteligente que até então o colégio amava ter como aluno, e quer saber como aconteceu essa rebeldia furiosa extremamente violenta agressiva de gente perdida? resposta: não fui nas recuperações porque preferi ficar em casa assistindo desenho do sonic e jogando pokémon, jogo que me ensinou a base matemática que usei até na engenharia.
eu era uma criancinha perdida aos doze anos. uma criancinha. perdida. eu tive que lutar contra tantos monstros que não tive tempo de crescer.
aos treze esse processo de fascínio pela morte culminou em ser um garoto super-inteligente rebelde. comecei minha primeira história onde absolutamente todos os personagens eram pessoas más se defendendo umas das outras, todos os meus desenhos envolviam morte e violência, passei a ter interesse em bandas como slayer pela temática satanista odiosa adolescente embora ainda tremesse de medo e jurasse que fenômenos sobrenaturais ocorriam quando eu tentava baixar a discografia, passei a imitar o estereótipo de rockeiro da época na escola onde todos os meus amigos eram rappers e gostava de ser subversivo, só era compreendido pelos meus melhores amigos também revoltados com a igreja (pior ainda: a mesma igreja que eu!).
fui um freqüentador quase assíduo da pedagoga da escola, ao menos toda sexta-feira onde tinha aula de história e eu dizia pra professora “e aí, vai me tirar da sala ou não? eu quero desenhar” eu estava lá. ela tentando ser um anjinho comigo, querendo entender meus sentimentos, sugerindo que eu desenhasse coisas diferentes embora às vezes perdesse a paciência e fosse severa comigo. tenho muita pena porque talvez ela não tivesse percebido que ter dois tipos de comportamento comigo, o anjinho e o violento, me despertava interesse sexual nela mesmo que ela fosse trinta anos mais velha que eu, e eu já não me importava muito porque já tinha desistido de lutar contra mim mesmo.
idade não é uma questão muito importante pra pequena londres. é uma cidade pobre, traumatizada, doente, devastada pelo alcoolismo e pela violência doméstica. não é assim tão incomum ter o amigo que perdeu a virgindade com uma mulher carente de cinqüenta. graças a Deus eu não sou esse amigo mas não estou muito longe dele.