mais triste ainda é que estamos falando da sexta série e não tive só uma história fofinha na sexta série. infelizmente não vou poder ocultar muito bem os fatos da pessoa em si embora ainda consiga ocultar as ferramentas como pude em outras histórias, dessa vez terei de ser direto: na sexta série eu tive uma professora que brincava com a minha sexualidade como se eu fosse brinquedinho mesmo. sem dó, sem piedade. é o tipo de história que o narrador antigo, por ser pouco ousado, não seria capaz sequer de arranhar, mas sei ligar os fatos e sei que ali eu estava em posição de desvantagem perceptiva, que a maneira como ela mexia seu corpo em especial quando com um certo tipo de roupa mais sensual em sala de aula não era normal, que não era normal ela olhar pra mim com aquela mãozinha na bochecha, braço apoiado na mesa, um sorriso malicioso que eu levei anos pra descobrir como fazer e o olhar curto em período mas cheio de concentração. “por que você olha quando eu faço… assim, hein?”
alguns homens morrem caindo nessas coisas sem assumir que há intenção feminina aí, na certeza de que apenas o sexo masculino é corruptível e eu, nessa época, só achava tudo muito estranho porque não sabia que eu era pervertido e menos ainda acreditaria que alguém estava interessado em alimentar essa coisa esquisita dentro de mim para satisfazer seus próprios desejos. primeiro que, como alguém poderia saber que essa coisa esquisita dentro de mim existe se ela é tão esquisita e eu nunca contei pra ninguém? segundo que, o que raios era desejo? eu nunca tinha ouvido falar disso. não adianta, por que ela olha pra você, ri e mexe uma parte do corpo que ela sabe que você vai olhar? é sutil, é tão bem-feito que é impossível não surgir um ponto de interrogação na sua mente, perguntando se ela está mesmo fazendo isso ou se a sua própria mente está criando os pontos-de-ligação entre as suas fantasias e o que ela faz, não é? bem, eu não só tive que lidar com isso a minha vida toda desde a infância como sei fazer isso, sei confundir os sentidos de homens e mulheres da mesma forma que elas confundem e sei como funciona dos dois lados, eu faço isso sem querer muitas vezes quando a minha imaginação está inquieta e meu corpo acaba reproduzindo com excesso de transparência o que está nela, e já fiz isso algumas vezes de propósito para entender como é e descobri que o poder disso é devastador e até hipnótico. eu já fiz escravas sexuais brincando disso, algo que relatei na sétima estrela e, por incrível que pareça, faz mais sentido estar lá.
e essa professora fazia isso comigo. eu não tinha sossego nas aulas dela, foi um ano muito difícil sexualmente pra mim. com quem eu ia falar sobre isso? era vergonhoso (no fundo, mesmo nunca tendo ouvido falar, quanto mais próximo da infância e portanto da pureza você está, mais vergonha sente sobre isso. só deixei de sentir vergonha na adolescência quando construí aparatos mentais e morais para me convencer de que isso era aceitável, como todo adolescente faz), anormal e inexplicável. ela era como a outra mulher, a da minha infância: eu gostava dela em todos os sentidos exceto esse, ela era uma ótima professora, de uma das minhas matérias favoritas, tinha uma didática excelente e tudo mais. ela me deu aula em mais séries mas deve ter se resolvido na vida porque, a partir da sétima, deixou de mexer comigo, passou a se controlar melhor nas roupas, o que eu confesso que meu corpo odiou porque independente do quão maldoso seja ele sempre vai entender como uma menina brincando com você. aos onze anos eu já tinha bem claro esse conflito interno de perceber que nem tudo o que minha carne queria fazer recebia aprovação do meu espírito, que queria fazer coisas que na verdade eu odiava, que eu era uma criança imoral, impura e desagradável a mim mesmo. era algo extremamente doentio e difícil para uma criança de onze encarar como eu encarei, não sei se é normal para pessoas da pequena londres, tive um amigo que fez sexo aos dez mas ainda assim eram duas crianças despertando sexualmente, não era uma fantasia secreta alimentada mutuamente entre um menino de onze e uma mulher de mais de trinta.
ainda hoje pensar nela é um pouco perigoso pra mim.
ela era muito curiosa como mulher. como muitas outras situações onde me envolvi por aqui ela era misteriosa. os alunos comentavam das roupas dela não por serem sexy mas por serem estranhas, diferentes, por ela ter mais de uma identidade visual provavelmente porque em algum momento a escola se tornou um bom ponto para ser observada, comentada e especulo que desejada também. não por mim, é claro (mentira! não é claro. eu não sei), embora eu fosse o garoto de olhar excêntrico daquela turma da sexta série, embora eu fosse seu mascotinho naquela turma da sexta série. ela vendia roupas e acessórios. ela era japonesa, embora seus olhos não fossem necessariamente pequenos ainda assim você sabia que eram japoneses, não ocidentais. como os olhos de uma cantora de j-pop. ela me lembra um pouco a nocchi da banda perfume com o cabelo do primeiro disco, claro, em uma versão mais velha porque ela tinha entre trinta e quarenta anos. ela me assombrou por muito tempo não só porque pelo resto da vida os olhares de agressividade sutil das mulheres japonesas a trouxeram de volta à superfície (a pequena londres é uma colônia japonesa), as pessoas subestimaram demais a sua habilidade na moda ao rirem de suas roupas “estranhas”, muitas de suas roupas naquele ano se tornaram tendência nos próximos inclusive para as outras professoras da escola, dos vestidinhos aos brincos aos colares aos sapatos, principalmente os sapatos. eu observava as mulheres usando aquilo e sua imagem vinha imediatamente à minha mente bagunçando tudo.
ela me marcou tanto que se forjou no meu corpo e se tornou meu padrão de reação corporal a um flerte. eu não percebi acontecendo, eu não sei quais são as outras formas. você só pode ser marcado por dois tipos de choque na vida: o óbvio, que te impacta e faz com que você nunca mais seja capaz de se aproximar daquilo sem sentir algo ruim; o menos óbvio, que troca as lentes que você usa para enxergar o universo não só a respeito do presente e do futuro mas do passado também, como se sempre tivesse sido aquela pessoa, e você só nota que aquilo te marcou quando resolve se rasgar por dentro e encontrar as razões por trás dos seus vícios. ou quando paga alguém pra fazer isso por você, mas infelizmente sou pobre.
essa mulher me estragou muito por dentro. nosso dirty little secret me marcou pra sempre.