quebrado estava meu boneco humano. um boneco bonito, um boneco vivo, mas eu não o entendia.
não o entendo. nunca o entenderei.
na minha tempestade com o elliot eu não sei quem sofreu mais. não que eu seja uma pessoa de ficar falando de sofrimento, não sou de fato a mulher mais positiva do mundo mas também não sou o elliot. não que o elliot seja assim tão negativo, ele só tem dificuldades para encontrar palavras positivas: o corpo dele é muito positivo, ele é uma pessoa que sorri com uma certa constância, ele tem muitos sentimentos bonitos, mas… a escolha de palavras dele, a organização mental dele, é péssima. até hoje é péssima. eu o considerava uma pessoa extremamente insensível quando o conheci. achava ele um grosso, um irresponsável, me perguntava por que meu coração decidiu grudar numa pessoa como ele da forma como grudou.
talvez isso tenha a ver com o fato de que eu também não era uma mulher muito sensível. ao menos não aparentemente sensível. quando o conheci eu era uma pessoa vazia por fora, eu não vivia emoção nenhuma com outras pessoas, vivia de conversas entediantes com pessoas que no fundo eram entediantes mas não sabia como sair daquele ciclo. acho que toda mulher como eu sempre esperou ser salva por uma pessoa meio maluca de sua vida monótona sem muita coisa aparentemente errada; aparentemente, porque eu era uma mulher horrível por dentro e tentava apimentar minha vida com besteirinhas juvenis.
sabe, leitor. abrindo um parênteses aqui: eu sou um anjinho da guarda do escritor que de anjo não tem muita coisa, então pode ser que você tenha conhecido um aspecto muito, mas muito negativo da minha pessoa. e de fato está com toda a razão de me odiar se conheceu.
e, se você me conheceu, talvez tenha descoberto que minha besteirinha juvenil é mexer com garotos. mexer, mesmo. despertar desejos estranhos neles e depois assoviar, olhar pra um lado, olhar pro outro. olhar no relógio. “nossa, como o tempo demora pra passar! estou tão ansiosa… tic. tac. tic. tac”, e mexer partes do corpo que poderiam chamar atenção de algum garoto ao redor. e ai de quem caísse. eu amava humilhar meninos. amava vê-los nutrindo sentimentos de mentira por mim para, quando chegasse a hora H onde eles se declarariam, vê-los perdidos na própria declaração e não sabendo sequer o que fazer com um “tá, eu deixo você sair comigo”. eles não queriam sair comigo. eles queriam meus gloriosos movimentos secretos e jamais poderiam revelar que fiz esses movimentos secretos porque, se revelassem, revelariam também suas mentes depravadas. eu sei tudo sobre a ansiedade masculina porque cresci exposta a dezenas de episódios de corações femininos partidos por causa dela. e sabe o que é mais legal? ninguém nunca descobriu isso.
até eu conhecer o elliot.
o elliot era uma espécie de assassino das mulheres. ele tinha a infinidade de defeitos dele e não estava nem aí. “cair na minha” pra ele não fazia diferença nenhuma, ele simplesmente não moveria um palmo para buscar aquilo que os olhos dele estavam buscando. era como se o coração dele se opusesse aos seus olhos. era como se ele tivesse feito um contrato para ignorar tudo o que visse de uma mulher; e depois de conhecê-lo melhor entendi que sim, não “era como”, era “exatamente” isso. não, não vou explicar. ele que explique um dia.
no entanto ele tinha uma técnica muito absurda de fazer eu me sentir culpada por estar mexendo com ele. enquanto ele parecia não estar nem aí a convivência com ele ia escrevendo “você é uma biscate” no meu coração, e isso doía. doía porque ninguém tinha o direito de me falar que o que eu estava fazendo era errado, ninguém tinha o direito de falar pra mim que eu estava fazendo aquilo. doía, sobretudo, porque praticar esses joguinhos em todo mundo foi afetando a minha concepção de “joguinho”, de repente “joguinho” se tornou algo errado por si só sendo que a parte mais gostosa de um relacionamento é brincar com a ansiedade do seu homem recheando-o de carinho e amor pra ele se sentir amado enquanto está em queda livre. e uma mulher não existe sem joguinho. esconda o joguinho em seu coração a sete chaves e seu corpo começará, contra a sua vontade, a fazê-lo com o menino que faz você salivar.
o elliot, naquele tempo, era como um espelho depressivo. você olhava para ele e via o quão feia estava por dentro. era normal das meninas se sentirem divididas com relação a ele: ele era um alerta vermelho de menino altamente não-recomendável, todas nós queríamos falar mal dele mas todas nós um dia nos sentimos rejeitadas por ele, pela sua régua moral ou mesmo por um fora; nós até mesmo chegamos ao ponto de não saber se podíamos confiar umas nas outras, porque não sabíamos se a outra estava o denegrindo por ele ser mesmo um menino horrível ou porque queria deixá-lo afastado de todo mundo pra dar o bote sozinha.
eu fui a única pessoa que não foi rejeitada pela régua moral ou por um fora. eu fui rejeitada por palavras e gestos de rejeição de fato. talvez por eu ter me aproximado mais eu me expus mais a ele e fui punida com um desprezo descomunal, com coisas que ele não fez com mais ninguém além de mim.
meu coração foi despedaçado por ele.
eu sou uma mulher de muitos desejos. muitos e muitos e muitos desejos. eu às vezes me pergunto como meu corpo aguenta tanta coisa sem explodir. e antes de conhecer o elliot não era diferente, aliás, era muito pior. o elliot nunca coube na minha cabeça, eu não acreditei no que ele se propôs a fazer por amor a mim, mas esse é o nosso segredinho meu leitor curioso~! não, eu não queria ficar falando de elliot toda hora, elliot elliot elliot, ah… como ele é fofo, meu Deus meu Deus meu Deus~~!!! vocês não têm noção, não, ninguém tem noção, ninguém nunca vai saber o que eu conheço, aproveito e até abuso desse menininho indefeso chamado “elliot”.
mas, pra chegar nesse ponto, eu confesso que sofri muito em segredo. chorei muito em segredo. algumas das minhas lágrimas aconteceram sem absolutamente ninguém saber, alguns pensamentos eu tive sem que ninguém chegasse perto de imaginar que eu os tive e sem minha língua chegar perto de pronunciá-los, alguns sentimentos eu guardei ao ponto de nem as pessoas que moram comigo terem os descoberto.
achei que o elliot me odiava.
tenho esse costume porque odeio muitas pessoas em segredo. na verdade eu tenho dentro de mim uma pessoa que, até então, era completamente secreta. eu tinha uma menina má dentro de mim que ninguém poderia saber que eu tinha porque ela era realmente má, ela queria fazer coisas absurdas com as pessoas que… eu honestamente não quero falar quais coisas são, ela queria ofender os outros, queria ser estúpida com os outros. e eu tinha muito medo disso tudo porque eu, lisbeth, era uma menina boazinha que jamais tinha feito nada de errado. eu não queria que as pessoas parassem de falar que eu era uma menina muito boa, que eu merecia o melhor; quando alguém fazia o mal pra mim ninguém jamais cogitaria que eu estava errada na história, o meu relacionamento com o elliot sofreu muito com o fato de que era muito fácil eu me esconder atrás de outras pessoas que certamente diriam que o elliot foi um imbecil, afinal, ele tem fama de ser um imbecil; era conveniente que todos me vissem dessa forma, era gostoso também, eu tinha muito medo que os outros fossem grosseiros comigo e o elliot me maltratou muito nesse aspecto.
ele era grosseiro comigo sem perceber. ou “sem perceber”, eu não sei, eu não sabia. falava para os outros que era tudo por querer, mas o elliot simplesmente não sabe que ele é grosso. ele vive num mundo estranho onde as pessoas não têm medo de falar a verdade umas pras outras, onde sentimentos são expressados imediatamente; você não leva a sério o elliot com raiva porque a raiva dele é tão domesticada que parece um teatro, ele simplesmente se expressa, a não ser em casos bem extremos de coisas que ele guarda por julgar serem irrelevantes mas isso tem a ver com a depressão e eu não entendo nada de depressão. sair com a família dele é uma coisa muito engraçada porque eles falam “nossa, deixa de ser imbecil, seu retardado” com uma constância absurda e um sorriso no rosto de quem não leva isso a sério, é só uma extravasão do coração, eles se dão soquinhos no braço e às vezes socões que deixam marcas e não vêem problema nenhum nisso.
meu ódio por ele em suas grosserias era enorme. doía ainda mais quando eu pensava que estava afogando com ódio no meu coração o homem que eu tinha a impressão estranha de que era o homem da minha vida, porque minha vida de repente começou a circular em torno dele desde que o conheci. eu tinha vontade de fazer o que ele me encorajava a fazer, e tinha preguiça de fazer aquilo que ele parecia não prestar atenção. eu queria muito entrar no mundinho dele. ele era o homem da minha vida, eu sentia isso.
e eu queria que ele fosse uma barata pra eu pisar nele com o meu sapato de salto alto. primeiro com o salto, depois com a pata da sandália. e girar, pra direita e pra esquerda. fazer uma verdadeira bagunça no chão.
a primeira vez que me peguei sentindo isso foi assustador. eu tinha isso como uma brincadeira, sabia que existiam rapazes que eram provocados em sua ansiedade por esse tipo de coisa porque gostava de ver os olhos e ouvidos dos rapazes totalmente subservientes às batidas do meu salto no chão, mas nunca soube o que era literalmente ser escrava do sentimento por trás desse joguinho. eu nunca soube o quão horrível é ser consumida pelo desprezo e era isso o que estava acontecendo, queria uma oportunidade de me vingar, se não podia transformá-lo numa barata eu roubaria seu coração e pisaria até se desfigurar completamente. bastava ele me dar essa oportunidade.
ele não sabia que eu queria essa oportunidade.
eu orquestrei em segredo essa oportunidade e, um dia, ele caiu na minha armadilha.
mas eu não quero descrever o episódio. não agora. esse episódio terminou em eu descobrindo por que o elliot é o homem da minha vida e no nosso segredinho que, como falei mais cedo, não vou contar.
eu quero descrever que nunca me senti tão destruída por dentro antes. nunca antes eu tive que controlar tanto essa minha menina má, ela começou a se manifestar em segredo. eu comecei a ter de me afastar do elliot. só Deus poderia me ajudar, mas onde estava Deus? por que eu chamava por ele e ele não me respondia, não fazia essa chama desaparecer do meu coração? era porque eu estava sendo hipócrita e Deus não negociava com hipocrisia. Deus nunca me viu como uma menina boa, ele me via como lisbeth: a menina boa e a menina má oculta.
então me encontrei no meu labirinto, na minha fortaleza emocional: eu não tinha capacidade de expressar pro elliot que todos os episódios de grosseria dele comigo, um em especial mais que todos os outros, tinham tomado a forma de um verdadeiro monstro no meu coração. eu nunca expressei nada dessa dimensão (era um sentimento muito forte por uma pessoa por quem eu sempre tive sentimentos muito fortes), nunca tive necessidade. e era um sentimento todo complexo e estranho porque estava misturado com a paixão: eu queria pisar nele mas também queria fazer carinho no rosto depois, dar beijinho pra sarar. eu realmente não sabia o que aconteceria no dia em que ficássemos a sós, era melhor que não ficássemos mais a sós, eu fiz de tudo para que não ficássemos a sós. e quando ele percebeu que havia algo estranho eu fui ficando ainda mais ansiosa e me afastando cada vez mais, e ele se aproximava, e eu não sabia o que fazer.
eu quebrei.
foi isso o que aconteceu. ele estava em todo canto que eu estava, o turbilhão de sentimentos me corroía. ele nunca perceberia que estava em débito emocional comigo, que eu estava sofrendo por conta dele e isso me deixava ainda mais irritada; ele olhava pra mim e sorria, como se tentando me alcançar, como se tentando dizer que tudo ficaria bem, era como se ele soubesse que havia algo de errado comigo mas não soubesse o que e muito menos imaginasse que tivesse a ver com ele.
meu Deus, que horror. que horror. QUE HORROR!!!
eu também via todas as consequências das mentiras que tinha espalhado a respeito dele pra sabotá-lo tomando efeito e, com isso, o sentimento que vinha até mim era o de remorso. ele não poderia acreditar que eu era a principal mantenedora da reputação horrível que ele estava adquirindo, e que ele sabia que estava adquirindo, e que uma vez ele confessou pra mim que estava adquirindo sendo ele o contrário. ele confessou que não gostava de se sentir incompreendido e era isso o que estava acontecendo, apontou inimigos imaginários, e disse que estava contando pra mim porque confiava em mim.
eu nunca ri tanto.
eu também chorei logo em seguida. chorei muito. muito, muito mesmo. eu finalmente tinha chegado no meu ápice de pessoa patética.
eu via ele chorando nos cantos e sentia um misto de tanta coisa, ó meu Deus. queria pegar ele no meu colo e ficar fazendo carinho até passar. queria esclarecer as coisas, mesmo que nem soubesse de fato o motivo pelo qual ele estava chorando; ele era depressivo, não dava pra saber, às vezes ele chorava só pra cumprir a cota de lágrimas da semana. queria também rir dele, queria dizer que era o mínimo que ele merecia por ser quem era. queria dizer que se ele não tivesse me desprezado tanto eu poderia estar aliviando a dor dele, que a vida dele seria diferente se eu voltasse a estar do lado dele. eu… queria tudo ao mesmo tempo.
eu não via saída pra isso. será que eu daria um jeito de me afastar de tudo o que tínhamos em comum, ele desapareceria e eu ficaria com o sentimento guardado me corroendo até eu morrer, ou quem sabe com sorte o sentimento desapareceria também, ou quem sabe um meio-termo onde eu me acostumaria com esse sentimento? será que eu realmente conseguiria me afastar dele? ele sabia onde eu morava, ele tinha n motivos para bater na porta de casa e perguntar o que aconteceu.
eu queria que o sentimento fosse magicamente embora da minha vida. eu pedia para isso acontecer como milagre mas, como disse, Deus não negocia com hipocrisia. eu não conhecia esse aspecto de Deus, que era o que o elliot mais conhecia apesar de ateu na época, que é que Deus leva muito a sério a palavra “sobrenatural”: milagre é sempre sobrenatural. o que é natural, o que está ao seu alcance, ele não vai fazer e sim te apontar o caminho para que você mesmo faça; veja, não estou dizendo que Deus esperava que eu abrisse meu coração para o elliot, meu coração era lacradinho como era por motivos que iam além da minha compreensão e eu não sabia como abrir, mas ele esperava que eu tivesse o confronto comigo mesma e entendesse que, sim, eu tinha feito besteira, eu não era a menina boazinha que acreditava ser, meu coração era muito mau; ele não esperava que eu arrumasse a bagunça, mas que parasse de alimentá-la, e também não esperava que eu batesse o pé no chão e falasse “chega! ele não é nada disso. eu inventei tudo” porque eu não tinha forças.
Deus esperava de mim disposição.
Deus esperava de mim que eu quisesse fazer tudo certo. a partir daí ele agiria e me ajudaria a fazer tudo certo.
quando eu declarei pra Deus pela primeira vez, objetivamente, que era uma pessoa horrível, tudo mudou. objetivamente: não aqueles dramas que a gente faz para tentar se livrar da culpa que está sentindo por ter feito algo de errado e aí no dia seguinte é como se esse drama não tivesse acontecido, mas uma declaração real. um arrependimento real. um olhar pra dentro de você e aceitar o fato de que você não presta, de que está se mordendo de vontade de fazer maldade, de que prejudica as pessoas tanto quanto é prejudicada, de que não é coitadinha coisíssima nenhuma e quem sabe o elliot estivesse mesmo com a razão em chamar de biscate com sua régua moral. isso dói. dói demais. é horrível pensar que eu, ao contrário do elliot, nunca fui atéia, sempre estive na igreja e vivi tantos anos sem ter essa conversa com Deus, sem revelar a ele a minha menina má, achando que ele não via ou quem sabe que ela desapareceria de mim se eu não falasse dela; é horrível o meu nível de hipocrisia porque o elliot poderia não sofrer tanto hoje com a depressão (não acreditar em um Deus que te ama se vendo tão horrível e num mundo tão horrível foi um fator de muito peso para o elliot ter tentado suicídio) se, nessa época, eu tivesse sido um exemplo pra ele, mas ele é quem foi exemplo pra mim. podando os exageros de um suicida depressivo ele não tentava se esconder da sua maldade, o que é o mínimo que se espera de um cristão, e talvez isso explique por que ele tem um coração tão bom ao contrário do meu: desde criança ele sabe que tem um monstro dentro dele com quem ele precisa lutar, ele não escondeu esse monstro debaixo do tapete, ele não o deixou crescer e ficar do tamanho da lisbeth má.
o elliot é sempre o primeiro a me pedir perdão, o primeiro a esquecer o que eu fiz de errado. eu falo “te perdôo sim” mecanicamente muitas vezes enquanto ele, quando o coração está muito machucado, diz na cara-de-pau “olha, lis, eu não consigo te perdoar agora. eu sei que eu devo, então vai me fazendo carinho e agradinho até eu conseguir, tá?”. o elliot é bondoso, muito bondoso, e talvez só eu saiba disso porque só eu conheço o elliot entre quatro paredes. o personagem que ele cria pra se proteger do mundo é complexo mas o elliot é simples, ele é uma criança de dez anos que me entrega flores e sorvete quando estou triste, fica feliz quando estou feliz, me pede um abraço quando está mal e quando está depressivo lutando contra os monstros dentro de si toma o cuidado de me prometer que tudo vai ficar bem, como se fosse só um chefão de videogame e não ele vivendo um inferno dentro da própria cabeça. no fundo nós, meninas, sabíamos que ele era assim. no fundo as outras meninas queriam que ele não as rejeitasse como fazia, no fundo todas ficavam felizes quando ele conversava com elas, quando as elogiava e incentivava sinceramente; só depois delas se sentirem rejeitadas é que inventavam que ele tinha feito tudo isso porque era um canalha.
isso é o que ele mais me ensina. a ser verdadeiro. eu só arrisco com ele, não me sinto livre para ser verdadeira com mais ninguém. nós fizemos caminhos inversos para entendermos a mesma coisa: que o mundo é perigoso, que as nossas intimidades são para quem nos ama o suficiente para nos ajudar a cuidar delas ao invés de se aproveitar delas; ele porque teve que aprender a refrear a língua, parar de contar sua intimidade para meio mundo de pessoas, embora no fundo ele sempre guardasse seus piores segredos porque não queria chocá-las; eu porque tive que parar de fingir que não tinha uma intimidade, parar de fingir que essa lisbeth superficial e vulgar era a verdadeira lisbeth.
você sabe? deixar a “lisbeth má” se manifestar foi uma ótima idéia a longo prazo porque eu comecei a cuidar dela também. no começo dessa carta eu disse que sou uma pessoa de muitos desejos mas, bem, isso é hoje. antigamente eu tinha que fingir que não tinha porque esses desejos estavam contidos na minha intimidade, não na minha superfície. na superfície eu seguia a correnteza: estudava coisas que não tinha interesse nenhum só porque era o assunto das pessoas ou porque seria considerada uma pessoa boa por isso, convivia com as pessoas só pra ter pessoas pra conviver e depois que a amizade se provava um mar de falsidade eu continuava com ela lá por medo de desfazer, obedecia regras que odiava e não faziam sentido nenhum. quando essa lisbeth começou a ser tratada eu passei a ser mais ousada em todas as minhas vocações porque eu me sentia livre, eu me sentia com vontade genuína de fazer tudo o que estava fazendo. aliás, eu finalmente descobri o que era ter vontade de fazer o que estava fazendo, antes eu sempre tinha dúvidas de menina frígida sobre se eu estava fazendo aquilo porque queria ou porque estava sendo influenciada a fazer.
eu ficava pensando a porcaria que seria namorar porque minha mente é toda rasteira de brincar com ansiedade dos outros, aí vem o elliot e me diz “olha, já que a gente vai levar a sério esse negócio de castidade toma seu cuidado pra gente não chegar ao ponto de transar. mas seja feliz com essa mão aí, vai. não começamos a namorar só pra ter um título”.
o elliot me ama.
eu sei que me ama.
ele não disse pra mim que gostava da lisbeth boa. ele disse que gostava da lisbeth. ele desvendou, dentro da armadilha que prendi ele, a lisbeth má. e isso foi o que moveu o coração dele, o que fez ele se doer, isso foi o que tirou o sono dele e fez ele despertar da sua própria rede de problemas com a ansiedade para correr atrás de mim. e quando ele começou ele não parou mais: eu cuspi nele, eu pisei nele, eu o sufoquei, convidei uma alcatéia para vê-lo agonizar e ele continuou caminhando na minha direção. o desespero que ele sentiu ao ver a lisbeth má aprisionada dentro do meu coração, se manifestando para ele a conta-gotas como se fosse mesmo um pedido de socorro, foi tanto porque ele sabia o que tudo isso implicava, ele compreendeu tudo o que eu estava sofrendo sem que eu mesma compreendesse.
ele descobriu a fonte do meu ódio por ele e tentou correr atrás de mim para resolver.
tudo isso aconteceu, eu tenho certeza, porque Deus quis. por eu ter aceitado ouvir o que Deus estava expondo de mim ele decidiu colocar dentro do coração do elliot, uma pessoa que até então jamais repararia sua grosseria, um incômodo inexplicável com um episódio que me feriu.
mas não só isso.
o elliot simplesmente sabia que estava numa armadilha. ele entrou nessa armadilha por mim, viveu todo esse tormento por mim. ele sabia que essa era a única maneira e se estragou completamente por mim. ele poderia ter jogado tudo no ventilador ou só não ter vivido nada disso, mas ele quis viver, ele quis chorar nos cantos, eu não duvido que ele soubesse de absolutamente tudo o que aconteceu e ainda assim estivesse deixando acontecer porque ele é muito tático, inteligente, quem vê ele arquitetando as coisas acredita que ele é esquizofrênico. o cenário certo sempre está na gama de possibilidades dele, não adianta tentar esconder o cenário certo, você precisa convencê-lo do errado.
e é muito assustador que ele tenha corrido atrás de… uma personalidade ruim. ele conhecia minha personalidade ruim, até hoje permanece um mistério como. e ele gostava de mim mesmo com ela. aliás, ele gostava dela também. nós começamos o namoro com um “olha, já deu, né?” da parte dele, como disse na primeira visita dessa valsa. e permaneço não tendo decifrado o que significa exatamente isso mas, revisitando essa valsa, com batimentos cardíacos mais apurados, com Deus falando com maior potência nos graves e nos altos, eu vejo que ele não estava conversando com a minha mente mas com meu coração.
ele conhecia meu coração. ele prestou atenção em mim esse tempo todo, me estudou esse tempo todo. ele não estava me desprezando como eu acreditei que estava, mas se interessando por mim da única maneira que ele conhecia: esforçando-se para desmontar meus símbolos sociais e remontá-los na organização da alma humana, descobrindo por trás das minhas ações quem eu realmente era para entender quais eram minhas verdadeiras necessidades e se ele era capaz ou não de supri-las. e ele era. e ele correu atrás de mim assim que o enigma se fechou na mente dele.
e hoje estamos juntos. há quanto tempo? mistério para o leitor.
a verdade é que uma mulher como eu não queria simplesmente uma declaração de amor besta, eu queria uma história de amor que já começasse muito antes de estarmos juntos. isso de “vamos começar a namorar e construir nossa história juntos” é um ceticismo que não aceito, sinto muito ser chata a esse ponto mas quero uma história de amor que esteja nas estrelas, que Deus tenha escrito muito antes de eu pensar que a outra pessoa existia. não, não é a lisbeth “boa” que quer isso. é a lisbeth “má”.
a minha história com o elliot é assim. é uma história que não vou estragar por nada nesse mundo nem que eu tente, e olha que já tentei. uma coisa é uma história de amor escrita por uma crise de ansiedade de um garotinho confuso que se declara pra mim, outra coisa um pouquinho melhor é uma história de amor escrita por um canalha que fala um monte de coisa que um dia descobrirei que não existe, e outra completamente diferente é uma história de amor que Deus escreveu e que será impossível de terminar porque Deus, como o elliot me ensinou, está no domínio das coisas eternas.
eu já disse que o elliot é um fofo?
eu te amo, elliot.