aquele meu amigo começou a dar em cima da Miss Bondade e ela, a princípio, parecia rejeitá-lo. mas quero voltar ao meu ódio.
lembra que falei que a prudência era levar a sério as coisas que eu levava? as carências da amiga da Miss Bondade eram enormes e eu, num dia de bastante ansiedade e aflição, flertei com ela ao ponto de deixá-la tonta sem trocar uma palavra sequer. ela não entendeu o que aconteceu. ela não entendeu por que sentiu uma vontade difícil de controlar de me ceder as suas pernas e eu, dando a oportunidade dela não fazer nada ao simplesmente ir embora, a vi no dia seguinte suplicando a Deus para protegê-la disso. minha sexualidade estava começando a aflorar, a minha máscara estava caindo, a pessoa que eu guardei dentro de mim com medo de machucar o mundo já não queria mais ser guardada. queria que as pessoas se sentissem pequenos bonequinhos nas minhas mãos e essa experiência que tenho a respeito das fantasias humanas, que faz o ouvinte médio não entender nada do que canto ou rir acreditando que escrevo histórias fantasiosas e taradas, me permite alcançar isso. queria as pessoas nas minhas mãos, clamando por misericórdia, clamando para eu não fechá-la porque caso isso acontecesse elas morreriam.
as pessoas não mereciam muita coisa. os jovens não mereciam. lutei muito para acreditar que o mundo horrível que sempre vi, desde a minha inocência perdida, não estava dentro da igreja, mas comecei a perceber que estava. eu… fui muito injusto com a igreja.
foi afogado nessas idéias que conheci a Bem-te-vi. ela cantava e ela me notava nos lugares. um belo dia ela veio me dizer “oi” e, não sei como o assunto chegou até aí, acabei contando que era “tímido”. ela olhou nos meus olhos e mexeu a cabeça, “você não é tímido”. tinha um apelido especial dado por mim no evangelismo de rua, mas que foi muito adotado por pessoas de outros ministérios na igreja e, especialmente, por ela. ela tinha um jeito só dela de me chamar por esse apelido.
num belo dia ela estava cantando no culto de idosos, cantando muito forte, mais do que o normal e ela já tinha uma voz muito poderosa normalmente, olhando pra mim. ela olhou muito pra mim e eu, assustado e pensando na Miss Bondade, evitei ao máximo olhar pra ela. em algum momento, infelizmente, me apaixonei pela sua voz e passei a prestar atenção nela sem conseguir resistir. no final de tudo ela veio e, se tremendo toda, me falou que “Deus me amava muito”. ela não sabe até hoje o quanto eu precisava ouvir aquilo, me sentia odiado por todo mundo àquela altura porque estava fazendo coisas repugnantes e acreditava que todos estavam percebendo. já sabia que o diabo me acusaria com muita força a cada escorregão meu mas não conseguia mais controlar meus sentimentos, senti uma carga extrema de ódio e frustração ali e ela não poderia ficar guardada pra mim. só não fazia a menor idéia de como descarregar aquilo positivamente.
outra vez ela chamou “pessoas” para saírem com os amigos dela de faculdade, porque alguns eram intercambistas e era uma oportunidade ótima de conhecer gente da igreja. eu e mais um amigo, que estava namorando, fomos. ela ficou ao meu lado o tempo todo, ocasionalmente mandou uns flertes complexos de gente inteligente que morre de medo de fazer coisas óbvias para outra pessoa e ficou irritada com o fato delas “não estarem funcionando”. por fim dei carona a ela e mais amigos e, quando ficamos a sós, ela mandou mais um daqueles flertes, um que me sensibilizou bastante e não pude evitar guardar em meu coração para sempre porque foi o flerte ninja mais fofo que já recebi.
gostei dela já naquele dia. ela era, aliás é uma moça adorável, simpática, linda, inteligente, gentil. não é de se esperar que fui um monstro com ela. mas a história é sobre quem agora? isso mesmo, Miss Bondade.
não consegui prosseguir com ela porque existia a Miss Bondade e, não que eu ainda gostasse da Miss Bondade, eu era um mero escravo mental dela. aquela coisa da válvula, aquilo foi levado ao limite. me sentia confuso e precisava “resolver” as coisas mas ela nunca me dava brecha, nunca me dava oportunidade, ela nunca ficava a sós comigo mesmo em ambientes saudáveis para eu falar algo. não vou narrar de quantas formas diferentes isso aconteceu porque é muito inútil, também não vou contar quantas vezes e como cantei ela porque também é inútil, não foram de maneiras inusitadas, não trouxe nada de bom nem de ruim, salvo a última cantada que por ter sido em público foi um exercício de superação do que tinha acontecido com a Carinha de Anjo e, por ter sido uma superação totalmente falha já que fui usado de novo e de maneira ainda pior, acabou sendo um exercício de enterrar para sempre a minha vontade de cantar alguém em público.
renovei os votos do meu juramento de nunca mais fazer isso de novo.
me declarei para ela em algum desses dias e foi algo bem inútil porque ela não acreditou nem ligou, ela usou as mesmas palavras da Olhos de Cristal e a Olhos de Cristal, bem, sabemos o que tudo aquilo significou. também não liguei para o fato dela ter me rejeitado, a essa altura não acreditava mais em rejeição, não acreditava em absolutamente nada do que ela falava a mim e a ninguém então quando a situação foi exposta a outras pessoas e essas pessoas vieram falar comigo só julguei que eles não a conheciam. mesmo porque, olha só, eles não a conheciam. mesmo porque, olha só, tirei da boca de uma das moças que eles não a conheciam. “ela é uma menina muito fechada, nunca se abriu com ninguém”. por que eu queria algo com essa menina? não sei, não sei o que queria ou até mesmo se queria, só sei que estava completamente maluco e nem era por conta de corpo, de achá-la bonita, nada disso, era “o jogo”. nós estávamos jogando o jogo, os outros eram bonequinhos desse jogo, o meu amigo que estava afim dela era bonequinho desse jogo.
eu era muito amigo da mãe dela e, oh meu Deus, ouvia muitos dos seus sentimentos, conhecia sua história de vida todinha e grande parte das suas aflições e ela me contava tudo de maneira muito “gospel”. tinha mais afinidade com a mãe da Miss Bondade que com ela, nós discutíamos coisas que a Miss não entendia, era uma amizade muito legal. não era? ouvinte, quinto capítulo da noite na pequena londres, cento e dez minutos dele, depois de tanta desgraça o que você espera que aconteça aqui? ahh… isso mesmo, bom menino. a mãe da Miss Bondade flertou comigo usando a mesma linguagem corporal da filha. não sei o motivo, não sei se era interesse ou se estava fazendo um “teste macabro” ou se estava simplesmente sendo má, não tenho como saber, não quero pensar nisso.
pouco tempo depois surtei e expus meu amigo em praça pública, falando que ele tinha se aproveitado da minha ingenuidade, me ensinado uma coisa e feito outra completamente diferente, que estava dando em cima da menina que sempre gostei e outras coisas mais de um completo imbecil. era algo que eu estava lutando muito contra: esse meu instinto doentio de expor as pessoas ao invés de resolver minhas pendências com elas, de guardar ressentimento por meses ao ponto de perder o controle sobre eles e jogá-los no ventilador. toda exposição vem de um completo desequilibrado mental, frustrado com a vida, frustrado com seu alvo, uma pessoa que “percebe” muitas coisas no ar e, incapaz de perguntar sobre elas, vai guardando tudo e montando sua própria versão dos fatos até que essa versão se torna um monstro e ele é vomitado da pessoa. a nossa cultura é cheia disso, é cheia dos justiceiros que querem expor namorado/a que traiu amigo/a e, pior ainda, às vezes expor alguém que sequer conhece, mas isso não revela nada da pessoa que você expõe, isso revela tudo sobre você. é a sua projeção sobre a pessoa, é a sua maneira de interpretar os fatos e a sua maneira não pode vir da realidade, ela sempre vem ou dos seus traumas ou simplesmente da pessoa que você é.
deveria ter brigado feio com o meu amigo, ter saído no soco com ele, ter xingado ele, mas achei que seria muito mais digno “vencê-lo” porque só estava focando no jogo, me fechei para todas as outras mágoas que já vinha guardando dele há tempos. o que ele fez com a Miss Bondade foi algo que ele me podou de fazer com a Miss Maldade e, veja só, a Miss Maldade me odiava. tinha muita coisa, vomitei um universo de monstros nele e nem mesmo compensou porque ele jamais seria capaz de entender toda a minha agonia numa simples e cafajeste explosão emocional. nós deveríamos ter tido uma conversa madura sobre tudo isso, ou quem sabe só deveríamos ter brigado e nos afastado. qualquer coisa menos uma exposição gratuita de um justiceiro imbecil.
é verdade que me senti profundamente aliviado explodindo. assunto de sétima estrela. ainda pior que isso seria ter guardado para sempre porque aí eu seria consumido eternamente por isso, como já vi várias pessoas como eu sendo. “ele morreu sem esquecer ela”? conversa pra boi dormir, ele morreu projetando nela os ressentimentos que guardou.
não muito tempo distante disso fui contratado pela primeira empresa que trabalhei. estava aprendendo a desfrutar do meu potencial e, embora para meninas tenha feito isso negativamente, para as outras coisas tudo era bem melhor. eu simplesmente sabia que era bom e as minhas imperfeições eram irrelevantes, então eu escolhi os lugares onde poderia trabalhar e, de todos, o melhor (e mais imediato) foi o meu trabalho antigo.
também conversei com a Bem-te-vi mais algumas vezes mas nossas conversas eram estranhas, ela era muito ansiosa. decidi que seria errado alimentar sentimentos nela enquanto estava mal e confuso e, por isso, evitei conversar muito. percebi ela se distanciando forçadamente mas concluí que, por ela ser uma pessoa super-inteligente numa faculdade de gente inteligente e ocupada, tinha mais a ver com isso. talvez tivesse, mesmo, flertei com ela uma vez (ops) a respeito disso e ela só riu mas tanto faz.