desculpem, leitores! peguei uma história de outro narrador e joguei os três parágrafos iniciais dela fora. três, dois. tanto faz.
vocês sabem como se iniciava o quarto capítulo da noite na pequena londres antes da minha interferência? ele tinha um parágrafo escrito “Eu me odeio.”. basicamente isso. sem mais, sem menos. então não me culpem se o tom da história ficou muito mais pesado que uma aventura de um galinha acidental para uma história sobre o mistério da sexualidade pós-moderna, todo o seu leque complexo em formato de arco-íris que está endoidando milhões de pessoas. essa era a intenção do antigo narrador também.
e, se querem saber, já fiz o quarto capítulo do jeito que queria. gostaria de iniciar o quinto capítulo satisfazendo os desejos do coração do antigo narrador e assim iniciarei.
eu me odeio.
uuuuuuuuuuuuhhhh, que assustador! não diria que isso é uma verdade absoluta. talvez eu seja feminino demais. talvez expresse minhas emoções de maneira exacerbada, talvez você não possa confiar muito bem no que estou dizendo mas no que está por trás do que estou dizendo porque, como disse nas minhas estrelas cadentes, não uso as palavras para me comunicar. existe uma diferença entre o que digo e o que quero que você entenda e essa diferença quase nunca é satisfeita quando estou me comunicando com seres do sexo masculino e com seres do sexo feminino que esperam que eu me comporte como um homem. as palavras servem para aliviar meu coração. não digo como as coisas são porque, sabendo como estamos num mundo de incertezas, não acredito que haja uma maneira de dizer como as coisas são, só digo o que sinto ou tento construir uma seqüência de palavras que te coloque dentro dos meus sentimentos para que você sinta o mesmo que eu.
e quando digo “eu me odeio” não estou dizendo que, sob todos os aspectos, eu me odeio. estou dizendo que, em determinados dias, eu me odeio. que, em algumas partes do meu ser, eu me odeio. e estou dizendo, talvez, que estou dando ênfase a essas partes do meu ser. a minha comunicação é horrível, complexa e sofrida, as pessoas dizem muito “não entendi” ao conversarem comigo e muitas vezes acham que entenderam mas não entenderam. uma vez, em uma conversa com um amigo meu, disse que ele estava me violentando porque estava me dando socos e ele ficou bastante assustado —usei um significado literal inventado na hora pela minha mente do verbo “violentar”, pensando que significaria “cometer um ato de violência”, mas é óbvio que não há razão para entendê-lo dessa maneira.
aprendi a montar palavras por conta própria, fechado no meu próprio quarto, sem muita responsabilidade com o mundo exterior. mas por algum motivo utilizo sempre as piores palavras, como se tivesse aprendido uma gama assustadora de palavras horríveis, as reduzindo a sentidos tão literais que parecem tijolos concretos, perdendo em minha mente todo o sentido de “choque”. de onde vem tudo isso? vou, com uma frase, explicar algo que você deve ter entendido no capítulo anterior mas, por ter lido uma história de vida sobre isso e não ter sido em nenhum momento confrontado com esse fato importantíssimo que se mostrou ali (e também no capítulo três), você não acreditou muito bem ou ficou tentando entender o grau de realidade ou importância disso, em algum momento deve ter pensado “ah, isso não é tão importante”. isso é tão importante.
eu perdi a minha inocência antes dos quatro anos de idade.
esse parágrafo em que estamos é um desdobramento. a nota anterior é a que precisa ecoar em sua mente, ouvinte: eu odeio o mundo desde antes dos quatro anos de idade. sinto-me irremediavelmente desprotegido desde antes dos quatro anos de idade. sinto que as pessoas são uma ameaça e desconfio delas e suas intenções desde antes dos quatro anos de idade.
oh, você esqueceu a frase verdadeiramente importante? posso te lembrar:
eu perdi a minha inocência antes dos quatro anos de idade.
bem-vindos ao quinto capítulo da noite na pequena londres.
não sei se será o último capítulo, senti uma vontade impossível de segurar de começá-lo por ter notas demais guardadas em meu coração para mantê-las fechadas no meu coração, mas muitos dos fatos ainda estão ocorrendo ou ainda não foram organizados. de concreto só tenho sentimentos. e para mim, ouvinte, sentimentos são coisas muito concretas, são como blocos de cimento, sei exatamente como eles são dentro de mim porque conheço com uma riqueza imaginativa gigantesca tudo o que há dentro de mim.
sou acusado de ser o contrário do que realmente sou. sou acusado de guardar sentimentos demais, de esconder sentimentos demais, sou acusado de ser impulsivo, de ser irracional. eu sou simples. as minhas complicações são assustadoras aos outros mas a mim é tudo simples, hoje em dia é simples.
nem sempre foi.
a noite na pequena londres é uma história sobre carência. é uma história sobre o coração e alguns dos fundamentos do coração. a noite na pequena londres é vermelha, como o sangue que é bombeado pelo coração e circula pelo nosso corpo, porque ela se trata do coração e do sangue fluindo dentro de nós. algumas outras histórias desse lugar possuem suas próprias cores e seus próprios “sobres”. todos nós, meros narradores e personagens do complexo universo imaginativo do nosso criador, servimos a alguma cor, a alguns “sobres” e a algumas músicas em específico. eu, heart-shaped star, não fui designado para narrar o campo de tesla, não fui designado para narrar a fábrica de explosivos e talvez nem mesmo tenha sido designado para narrar a abaixo-de-zero pela ansiedade; ser a personificação da ansiedade foi incrível mas, confesso, foi apenas mais uma de minhas máscaras, eu me sinto mais à vontade falando de e para corações. aliás, veja só! a “personificação da ansiedade” não foi uma história sobre ansiedade, foi uma estrela cadente onde a ansiedade teve sua importância extrema mas ainda era uma estrela cadente. se você amou meu livro e achou que interpretei bem a ansiedade posso dizer que adoraria conversar disso com você de uma maneira que você não espera: não sou um garotinho ansioso, sou um garotinho especialista em pegar em minhas mãos corações ansiosos clamando pela salvação da sua agonia e enchê-los de amor. sou um garotinho lindo.
e, enquanto o mundo não for capaz de conter essa minha habilidade, eu sou o líder do clã dos heartbreakers.
me desculpem gastar tanto tempo falando de mim! como se o leitor estivesse interessado em conhecer mais da minha personalidade, da constituição física da minha estrela e da minha estrutura cardiológica, mas é importante. garanto que é importante.
quem sabe eu devesse atirar toda a tralha aqui em você, leitor. explicar tudo o que sou. até pensei em fazer isso mas acabo de lembrar da história. é importante, não é? contar uma história. é para isso que estou aqui, para narrar uma história. vamos à história! continuando exatamente de onde parei.