não acredito que são seis da manhã, o despertador está tocando e preciso levantar dessa… espera, não estamos na cama, o que estou fazendo dormindo no telhado? como você conseguiu me convencer a virar a noite olhando pro céu de novo?

como ele estava lindo! ele sempre está lindo. toda noite. sempre cheio de estrelas, cada uma delas com um motivo diferente pra lembrar de você. eu sempre fico empolgada esperando o anoitecer pensando em quantas estrelas haverão no céu pra eu contar e o que você comentaria sobre cada uma delas. você sempre me diz que para um observador tranqüilo o céu vai ganhando estrelas lentamente, é impossível bater o olho e ver todas de uma vez: primeiro se percebe uma, tímida, depois mais uma, depois outra, depois percebe que alguma está com seu par ao lado. é muito mais divertido assim! talvez porque estamos vendo o céu urbano. um céu distante dos postes e das luzes dos prédios é bem diferente, tem uma quantidade quase infinita de estrelas e, pra falar a verdade, não é o céu que prefiro. talvez eu seja muito individualista, talvez seja importante pra mim descobrir cada uma das estrelas eu mesma e dedicar um tempo a imaginar sua personalidade, delimitar seu espaço, contemplá-la o suficiente para me imaginar tocando nela. também não quero dizer que prefiro o céu daquelas cidades enormes onde as estrelas já foram embora.

eu gosto do nosso céu, esse que está aqui. por que escolheu esse lugar? há outro lugar para nós que não seja esse? não que eu me preocupe, eu confio na sua direção, confio no seu vento. só não posso deixar de pensar como seria viver debaixo de outro céu, como seria se um dia me dissesse que não vamos mais nos amar aqui e sim ali. acho que, se você escolhesse outro céu, eu aprenderia a gostar desse outro céu. eu aprenderia a apreciar mais as nuvens, mesmo que fossem nuvens negras. eu aprenderia a lidar com uma lua tímida, constantemente escondida pela magia celeste megalopolitana.

às vezes me perco pensando em como seria se todo o cenário mudasse. se as pessoas mudassem, se nossa casa mudasse, se nosso céu mudasse, se nosso drama mudasse, se nossa prosperidade mudasse, se nossa frutificação mudasse. se os espíritos ao nosso redor mudassem, se a nossa linguagem mudasse. se estivéssemos acompanhados por um violão místico, depois por uma guitarra distorcida e por fim por um piano. se o palco mudasse. se o mundo girasse cento-e-oitenta graus. se tudo isso mudasse e, então, só você permanecesse em mim e só eu permanecesse em você. é estranho saber que você tem esse poder, que você pode simplesmente decidir e eu não sou capaz de discordar porque escolhi me submeter aos seus planos, escolhi me nutrir da tua e somente da tua chama espiritual. escolhi você e somente você me esquentando nas noites frias. escolhi você e somente você para palpitar na arquitetura do meu templo.

eu era tão independente! achava que sabia tudo, achava que era capaz de tomar todas as decisões sozinha. achava que era capaz de me pintar e me forjar como bem entendesse baseada nas coisas que via, que me contavam ou até do meu passado, desde que soassem agradáveis a mim. e não é que eu não saiba tomar decisões, mas você me apresentou um mundo de possibilidades tão maior e inimaginável ao entrar na minha vida que minha reação, a princípio, foi uma verdadeira paralisia e a pergunta que não saiu da minha mente foi “eu sou mesmo capaz?”. depois você foi me ensinando, com uma gentileza e carinho que jamais suspeitaria que poderia sair de você, já que falam coisas horrendas de você por aí e que eu mesma acreditei várias vezes que você era a pior pessoa do mundo ao projetar todos os meus traumas e inseguranças em você assim que me afastei, a lidar com tudo isso e a minha pergunta mudou para “como você é capaz?”. o seu mundo é tão maior e mais maravilhoso que o meu, tão infinito, tão imprevisível, tão cheio de aventuras e surpresas, tão cheio de pessoas e histórias interessantes, tão cheio de soluções para problemas que ao meu ver sempre estiveram escritos na minha própria essência, tão cheio de novos sentimentos que me fazem acreditar que a vida tem mais do que meu único sentimento depressivo e frustrado de estimação! a sua vida não é a vida que escolhi pra mim mas, se soubesse que isso era possível, se soubesse o tamanho disso, se conseguisse ter a visão que você tem, eu teria percebido desde o início que essa é a vida que preciso. hoje a vida que eu tinha antes de você parece insuportável, mais estranho ainda é pensar que um dia ela foi tudo o que eu tinha. mais estranho ainda é que, hoje, eu reflito tudo isso que você é em mim, que eu tenho um mundo bonito dentro de mim em conflito com meu antigo mundo horrível, que surpreendo as pessoas, que sou considerada aventureira, que sou interessante, que conforto e acalento o coração das pessoas como você conforta e acalenta o meu.

é por isso que você me espanta. você me deixa incomodada, acreditando que essas coisas que você me diz e demonstra são mentiras, acreditando que você só está construindo o maior castelo de mentiras conforme caminhamos juntos para um dia destruir tudo e rir de mim, “você caiu mesmo? sua vida é aquilo mesmo. você não é digna de mim, você não me merece, volte para onde veio”. é tão difícil resistir às vozes que escrevem a facadas na minha alma exatamente isso, eu fico mesmo acreditando que você é o maior sádico que já existiu e qualquer dia desses vai ter uma faca no meu travesseiro. você não sabe o tipo de gente que passou pela minha vida, o tanto de espírito que me perturbou e causou toda essa bagunça que está aqui dentro de mim, você não sabe como é difícil pra mim entender que estou acordando sem nenhuma marca estranha no meu corpo. não, pior ainda! você sabe. deve ser difícil pra você. além de uma decepção eu sou difícil. além de ter todo esse potencial guardado dentro do meu coração e não conseguir expressá-lo da maneira como você gosta eu crio dificuldades em nosso relacionamento sem motivo aparente pelas minhas próprias inseguranças do passado.

eu me odeio.

não, não venha com esse abraço. ah não, eu não quero. não hoje. não agora. eu estou sensível, eu não vou aguentar esse abraço sem chorar. é manhã, a gente tá em cima do telhado, eu não quero chorar em cima do telhado de casa. é sério, para. é sério, eu não mereço. eu não mereço você. eu não mereço nada disso. quando você vai parar de brincar comigo? não, é sério.

por favor, não!

não. por favor, fica! isso… é, eu não sei resistir, eu não consigo. eu preciso de você. eu preciso do seu amor. pra sempre. não vai embora. não, nunca vá embora. que eu morra antes de ver você ir embora, ou que você se torne um comigo antes de morrer. só o nosso amor importa. eu não posso resistir ao teu amor.

eu te amo.

eu confesso que, de volta aos seus braços hoje, vejo que não tenho motivos para ficar deprimida por ter me distanciado de você mais uma vez. por ter colocado essa barreira, por ter sido tão monstra, por ter te evitado tanto. não que eu deva me agradar ou me sentir bem por ter me afastado mas porque acabou, porque estou de volta, porque sinto seus braços novamente. porque isso só serve para sentarmos juntos na mesa de jantar e conversarmos sobre onde errei e como fazer diferente, o que posso e o que preciso mudar para fazer diferente… e o que fiz que foi bom, que foi essencial para que eu não me afastasse completamente e sim apenas me distanciasse, dormisse ao seu lado falando apenas “boa noite” e vivesse uma vida como se você não existisse.

ainda é muito melhor que me afastar. ainda é muito melhor que um divórcio. estou orgulhosa de mim mesma, eu me tornei mais resiliente. nosso relacionamento está mais forte e tudo, no final das contas, serviu para provar isso. você não tem noção da tristeza que me assolou nesses dias. ou melhor, você tem. das besteiras que fiz, dos remédios que precisei tomar para que meu dia tivesse alguma cor, de quantas horas passei deitada na cama paralisada dentro dos meus pensamentos de tristeza, fracasso e impotência, do quanto deixei de comer por falta de apetite, do quanto abdiquei das minhas próprias obrigações abatida pelo desânimo. é, faz um mês que não passo roupa nenhuma, perdão por te fazer assumir tantos compromissos de casa que eu sempre me comprometi a fazer e perdão por não ter te ajudado nos compromissos da casa que sempre nos comprometemos a fazermos juntos. embora você sempre me dissesse que eu não precisava me estressar tanto com a casa e nesse período eu tenha visto que é verdade, que as coisas funcionaram cheias de limitações mas funcionaram, e que eu não estava tão sozinha quanto imaginava estar. perdão por ter feito você depender das suas habilidades culinárias, que aliás são péssimas se comparadas às minhas, e também por conseqüência ter aumentado tanto o gasto com lanches e pizza. perdão por ter te desmotivado toda vez que você aparecia com algum problema seu e me pedia para te ouvir, porque honestamente não tinha motivação alguma para te oferecer, só mais do meu fracasso; em algum momento você deve ter acreditado que era de propósito, que eu queria mesmo te envolver dentro da minha própria tristeza por ter voltado a ser aquela mulher má e frustrada de antes de construir o nosso amor. desculpa se criei essa paranóia em você, era só sentimento.

há um nível de frustração que consigo atingir onde não sinto mais vontade de ouvir seus planos para o futuro. onde não acredito em nenhum deles. eles soam tão distantes e fantasiosos que quero que você simplesmente cale a boca, que não me conte, que não desperte em mim sonhos que eu vejo que nunca se realizarão, que não me prometa essas coisas que não correspondem em nada com a minha realidade destruída. não me fale que tem tudo pra dar certo, não me fale que houve um avanço, não me fale que estamos perto. e que rio quando algo dá errado. na minha cabeça prova que, há!, é tudo viagem na maionese sua, ficaremos onde sempre estivemos, não ouse me tirar daqui. felizmente você já está acostumado com isso, mas acho que seria capaz de te destruir pra sempre caso não estivesse, caso sua capacidade de ignorar meus inimigos interiores não tivesse crescido junto com meus inimigos interiores. acho que, de fato, nunca sairíamos do lugar, todos os seus sonhos seriam pisados impiedosamente por mim.

que bom que crescemos juntos! que bom que você pôde desfrutar do meu primeiro amor. onde tudo parecia possível, onde eu estava tão em chamas que viajar com você para qualquer lugar do planeta e gritar seu nome aos ventos era questão de impulso e não de fé, onde eu jamais acreditaria que você me abandonou, onde eu ficava fantasiando e salivando pensando no momento em que receberia a sua resposta para minha cartinha romântica, onde eu não sentiria nenhum desejo que não fosse sua presença e não te encheria o saco pedindo coisas para me provar que estava realmente ali. que bom que pude te dar isso. é triste que foi embora mas tudo bem, a primeira chama é ilusória. gostosa, necessária, sobretudo porque ali forjamos histórias que construíram a nossa própria linguagem, desenhamos fantasias que só nós entendemos e levaremos para o resto da vida, mas ilusória.

eu fiz de tudo para entender o que se passa dentro da sua mente, me desdobrei, fiquei horas buscando compreender suas palavras que para mim eram completamente místicas e agora posso me conformar que… não vou entender, que nunca vou entender tudo. que sentar e te ouvir não serve para eu entender sua visão de mundo, serve para te confortar em sua solidão de ver um mundo que ninguém mais vê, serve para te acalmar porque mais uma vez você fez pelas pessoas e elas em retorno te machucaram por não terem entendido suas intenções, serve para extrair do seu labirinto de palavras o que você quer de mim. o seu mundo é grande demais para mim. leva em consideração pessoas demais e muitas delas eu detesto e quero total distância de mim, abrange conceitos demais, toca músicas demais. eu não sou capaz. e a princípio fiquei muito triste por não ser capaz, não só por querer te agradar totalmente mas porque estava me sentindo muito orgulhosa de parecer estar desbravando partes suas que ninguém mais parecia ter conseguido, de ser a sua especial, a sua queridinha, estava empolgada me embriagando em seu mundo como se ele fosse o meu. como se você em algum momento tivesse a intenção de me engolir, como se eu fosse sua especial por estar te entendendo, como se eu fosse sua queridinha por estar te entendendo. eu só entendi agora que sou sua especial e queridinha porque você me ama, não porque eu te amo. que todos esses anos que passei escrevendo cartas de amor a você não aumentaram um centímetro o tamanho do nosso amor porque ele já é infinito, que em algum momento eu passei a acreditar que isso era necessário sendo que era só um mimo, só parte do nosso memorial, do que lerei quando meu coração tentar me enganar, do que lerei aos nossos filhos quando eles quiserem entender o que é o amor e quando eles estiverem frustrados e vierem chorar no meu colo que o amor não existe. mas só isso. as minhas cartas te agradam mas não mudam seu coração: eu não tive que te encurralar para você me amar, nem com agrados nem colocando uma arma na sua cabeça, você escolheu me amar.

eu não sou capaz de tudo por você e fico feliz que você se importe de inventar rotas de fuga para mim. para que eu não sinta que fracassei, sinta que você não queria de mim esses poderes que não tenho e sim esses outros poderes que, olha só!, eu tenho e me saio bem ao exercê-los. perder a ilusão do primeiro amor me fez multiplicar a confiança que tenho em você, eu não preciso mais dessa infinidade de justificativas e sentimentos que crio na minha cabeça para confiar em você até porque boa parte delas são só mentirinhas bem arquitetadas e você odeia a mentira, eu posso só confiar. só confiar. você me diz que é para parar de abastecer naquele posto porque a gasolina está vindo com impurezas e acabando com nosso carro e eu, ao invés de elaborar as mais mirabolantes teorias de por que essa instrução veio, só paro de abastecer naquele posto e deixo para encher seu saco depois se bater a curiosidade. você diz que é para eu parar de conversar com aquele rapaz porque ele me olha com muita saliência e eu, ao invés de construir os milhares de cenários sentimentais seus sobre aquele rapaz e sobre mim, simplesmente paro de conversar com aquele rapaz porque ele me olha com muita saliência (e ele termina pegando minha amiga, que também é casada. existe rapaz que é bom de conversa, né? minha nossa. ah é, é que você é assim). em algum momento nesse vale terrível que vivemos eu me peguei sem forças para imaginar cenários e possibilidades e acabei notando que foi incrivelmente fácil acreditar em você, eu não tinha forças para complicar o óbvio, não tinha vontade nenhuma de te contrariar nem por charminho.

o apagar da chama do primeiro amor e o acender da chama do segundo me fez amadurecer com você. quando disse que não é mais questão de impulso, é questão de fé, isso significa amadurecimento. confiança. é o que o amor mais exige, mais do que paixão, mais do que estarmos juntinhos abraçadinhos, mais do que você ser tão lindo que me faz rastejar no chão pensando em você, a confiança. é eu contar sentimentos genuínos a você, os bons e os ruins, e você acreditar em mim. é você me explicar as coisas que faz ou que os outros fizeram, as boas e as ruins, e eu acreditar em você. é você não ridicularizar meus ciúmes ou acreditar que eu não deveria tê-los porque você não está no meu coração para entender o que eu sinto ao vê-lo olhando um rabo de saia qualquer, é eu não te espancar ou elaborar planos de vingança tenebrosos ao vê-lo olhando um rabo de saia qualquer porque eu não estou na sua cabeça para entender o que se passa quando isso acontece (além do mais, estou secretamente trabalhando no seu coraçãozinho para você começar a sentir nojo delas. eu tenho direito de ser má às vezes, não tenho?). não é termos uma vida perfeita, um relacionamento ideal onde obedeço todas as regras, e sim um relacionamento onde você me fortalece para eu não quebrá-las e, quando as quebro por alguma besteira minha, sou consciente dos danos e das conseqüências ao invés de recusar que os sofrerei e peço sua ajuda para me restaurar. venço meus sentimentos de rejeição e deturpação da minha auto-imagem que tanto expus nessa carta e continuo ao seu lado, talvez não linda, nem sorridente, nem falante, nem mesmo suportável, mas ao seu lado.

eu preciso aceitar que tinha uma visão errada do que acreditava precisar ser pra você. não preciso ser nada diferente do que já sou pra você, não tenho essa obrigação de mudar por você, você já me transforma naturalmente com a sua presença e o seu amor ao ponto de meu esforço se esvair no ar. a sua própria presença impõe uma atmosfera que me obriga a substituir meus hábitos e a exercer meus dons, o seu amor por si só me tira a vontade de expressar meu rancor e me gera uma enorme vontade de consolar, de confortar e incentivar as pessoas. quando os velhos sentimentos começam a borbulhar em meu coração não é um sinal de que estou fracassando com você, é muito mais simples que isso, é um sinal de que estou andando pouco de mãos dadas com você.

eu queria andar de mãos dadas com você a todo instante.
mesmo que não estejamos mais no nosso primeiro amor.

é que sou egoísta. quero a sua bondade pra mim, ela me faz bem. eu não sou tão perfeita e altruísta ao ponto de dizer que faço tudo pelos outros, eu não faço. você mudou a minha vida e, seja isso bom ou ruim, quando faço bem ao mundo refletindo a sua bondade isso não passa de um reflexo de sua própria natureza em mim, não tem nada de mim aí, eu não me importo com as pessoas nesse nível. não dou a mínima para as outras pessoas, só passei a dar porque foi impossível conviver com você e não ser infectada pela sua generosidade. e sabe o que é mais legal? sei que você não se importa com isso, sei que você me escolheu quando eu ainda tinha esse coraçãozinho depressivo e egoísta então se eu acordar depressiva e egoísta você ainda vai continuar me amando. vê? não importa. nada disso importa.

nada nesse mundo importa.

não importa o que faço, não importa o que deixo de fazer. não importa o que digo, não importa o que deixo de dizer. não importa que eu esteja feliz, não importa que eu esteja triste. não importa que eu acerte, também não importa que eu erre.

você me ama.

enquanto você me desejar no seu céu eu não vou parar de brilhar.

eu te amo, elliot.