Série: heartshaped star - estrela cadente / noite na pequena londres ~ nós, destruidores de corações, filhos dos céus estrelados / heart-shaped star: estrela cadente x

iv-iv. infância nos prédios

16 de dezembro de 2017

noite na pequena londres ~ nós, destruidores de corações, filhos dos céus estrelados iv: acendendo as luzes da cidade

 

a primeira vez que entrei em contato com uma história de menina triste foi entre o jardim de infância e uma das primeiras séries, não me recordo muito bem. não lembrarei bem dessa história com detalhes, posso errar bastante nos detalhes mas garanto que o essencial será expressado.

não que eu não conhecesse histórias tristes, fui uma criança muito sensível aos sentimentos ruins das pessoas ao meu redor. meus pais brigavam muito antes da igreja, eles não se entendiam em praticamente nada, em algum momento a única coisa capaz de mantê-los juntos foi sua suada história de amor. o enorme desafio que eles tiveram de encarar para chegarem ao ponto de casarem e morarem juntos. mas eles ainda eram só mais um casal no meio do manicômio que era meu condomínio de prédios.

eu tinha uma vizinha, muito amiga da minha mãe e da minha tia, que tinha um marido super cafajeste. não lembro se ele a agredia, acho que não, mas eles sempre brigavam gritando muito alto e todo o condomínio ouvia. essa vizinha gostava de mim, sempre que ia até o apartamento dela havia algo para eu comer. vez ou outra ela conversou de algo mais sério comigo também. eu… fui uma criança propícia a ouvir sobre sentimentos, não sei por que. eu era muito xodózinho das amigas da minha mãe. ela até hoje é amiga da minha tia (e da minha mãe também! mas minha mãe é mais reservada, não é de ficar conversando com muita gente, elas se vêem uma vez a cada dois ou três anos), ambas são psicólogas. ela eventualmente se divorciou e se mudou dali.

no lugar dela veio outra vizinha com marido cafajeste e uma filha, uma menina um pouco mais velha que eu, que perturbava todos os meninos do condomínio. eu nem tanto, não me recordo de ter me importado muito com ela embora vez ou outra houvesse cochicho sobre eu ser afim dela, ou ela ser afim de mim. eu… nunca prestei atenção nela, ela sempre me pareceu meio adulta e fora do meu mundo, acho que lá pelos dez anos já tinha beijado muito e em algum momento da minha pré-adolescência ela já usava droga e namorava traficante. meu bairro não era muito avantajado. essa vizinha também se divorciou do marido mas permaneceu por um tempo lá.

o filho de um outro vizinho que nem mesmo conheci se tornou traficante e acabou morrendo por dívida, também na minha pré-adolescência.

na infância convivi com outro casal de vizinhos com problemas no casamento: o marido, sem esconder muito bem o que fazia, agredia fisicamente a esposa. eu era muito amigo dos filhos deles, ia até o apartamento deles jogar o seu videogame e vez ou outra os trazia para o meu apartamento para jogarem o meu videogame, eles tinham um super nintendo (sempre, sempre, sempre jogávamos joe & mac. tinha um jogo de kart também, deveria ser mario kart) e eu um master system. tenho uma lembrança muito assustadora da vez que tivemos que interromper uma partida, a mãe dos meninos pediu para eu sair de casa toda acuada e eu, de certa forma, percebendo que o pai deles tinha acabado de chegar, já sabia o motivo.

acho que chorei no colo da minha mãe assim que cheguei em casa, mas minha memória pode ter inventado esse fato agora para tornar meu passado mais confortável.

esses vizinhos logo se mudaram também, assim que se divorciaram. ela se mudou com os filhos para bem longe. ouvi falar que se não fizesse isso poderia morrer mas não sei o que, aí, é fato e o que é especulação. essa é uma história que conheci por ser bisbilhoteiro, uma criança da minha idade não deveria saber nada daquilo, a mãe só sabia que eu entendia o que estava acontecendo porque minha habilidade em sentir coisas estranhas no ambiente era famosa no condomínio. ninguém escondia muito bem as coisas de mim. meus pais não escondiam muito bem as crises no casamento. sempre amei meu ambiente mas sempre senti que havia algo de errado, que minha mãe precisava de algo, que meu pai precisava de algo, sempre valorizei demais passear com a minha mãe, sempre valorizei as madrugadas que meu pai virava comigo jogando dominó no trabalho dele debaixo de bombas d’água.

e sim, sempre fui uma pessoa noturna, nunca tive um horário de sono normal porque morava de frente para uma linha de trem e ao lado de um autódromo que está emendado com um estádio de futebol, sem contar que meu pai tinha horários de trabalho muito ruins que muitas vezes envolviam as madrugadas. claro que, não sendo mais um adolescente que acha que nada pode afetar o desenvolvimento da minha personalidade, sei que ser uma pessoa noturna é crucial para a manutenção da minha personalidade fantasiosa e altamente sexualizável, aliás, sei que o fato de eu ser uma pessoa altamente sexualizável me preparou para ser uma pessoa noturna e ser uma pessoa noturna corroborou essa personalidade, aliás, sei que ser uma pessoa fantasiosa significa ser uma pessoa altamente sexualizável.

aliás: eu sei que ser uma pessoa fantasiosa não passa do resultado de ser uma pessoa super-inteligente. tudo isso é excesso de energia mental estática. se estou parado o número de pensamentos que vem até minha mente é gigantesco, o esforço que faço para me manter focado em uma coisa só chega a parecer desumano e, se não o é, é porque fazer esforço mental não é dificuldade pra mim: barrar pensamentos concomitantes sobre o meu sistema, a menina que estou gostando, a menina que não estou gostando mas está dando em cima de mim, a música que estou fazendo, a música que não estou fazendo mas veio na cabeça, entre outros, é minha rotina. tudo se equilibra aqui dentro mas, se você entrar, você vai morrer afogado.

eu durmo com vozes na cabeça. acordo com vozes na cabeça. vivo com vozes na cabeça.

também tive, por fim, outro amiguinho no condomínio que era filho de um casal de crentes super-rígido que tornava o acesso até ele meio difícil em determinados horários ou para determinadas brincadeiras. era tudo muito pesado ali, quando penso nisso sinto esse peso mas também não consigo lembrar por que. a vez que cheguei mais perto da intimidade da família foi quando me convidaram para uma festinha de aniversário dele em um salão de festas bem longe dali, não me recordo da festinha mas estranhamente lembro o endereço do salão até hoje.

tinha um casal de vizinhos mais velhos que o resto (questão de dez a vinte anos a mais, hoje eles são idosos) que se incomodava bastante com qualquer coisa e tinha uma gata assassina, que muitas vezes ficava na escada e ameaçava avançar em quem se aproximasse (e já avançou mesmo! ela era uma verdadeira monstra. tão monstra que, quando estava na escada, eu preferia brincar de carrinho um andar abaixo até ela sair dali e eu poder subir até meu andar. nem minha mãe tinha coragem de passar por ela) mas, pensando bem, eles eram meus vizinhos mais normais. eu era a única criança que, no fundo, eles gostavam, tanto que vez ou outra eu já fui no apartamento deles. eles eram um casal estável, tiveram uma filha que ficou meio rica (acho que casando com um cara meio rico), moraram por um tempo em outro país com ela e, quando voltaram ao apartamento na minha pré-adolescência, sempre me chamavam para tomar café e resolver algum problema no computador. a primeira webcam que vi e instalei na minha vida foi a deles, eles descobriram que esse negócio de internet os possibilitava conversarem com sua filha que morava em outro país, então fiz parte da primeira conversa online com a filha deles. até hoje eles sentem minha falta. é estranho ser gostado por um casal que foi considerado meio ranzinza por todos na minha infância, eles não são ranzinzas, nós éramos mesmo vizinhos muito irritantes e perturbados da cabeça, eles são muito gente boa. também sinto falta deles, também sinto falta da gata assassina na escadaria me fazendo criar fantasias de que eu não conseguiria chegar em casa e, portanto, teria de dormir na escada. ela já não era mais tão assassina quando eles voltaram.

 

Você leu um capítulo da série heartshaped star - estrela cadente

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Você leu um capítulo da série heart-shaped star: estrela cadente x

escrito por nubobot42 narrado por heartshaped star