estudar me tranquilizava, me distraía de toda essa pessoa internamente destruída que eu era. meus personagens saíram de controle e começaram a brigar entre si, a incredulidade se espalhou no meu mundo interior, eu constantemente alternava o personagem contra minha vontade. as pessoas entendiam que havia algo de errado comigo, que apesar de manter uma racionalidade capaz de me sustentar na faculdade e no trabalho (que era um baita trabalho, mas eu também não sabia. essa história também vai chegar ao senhor ouvinte. me cobre se não chegar) eu era esquizofrênico, tinha manias doentias como vestir blusa só de um lado (“sinto calor só de um lado do corpo”), vivia mais de uma cena na minha cabeça ao mesmo tempo, frequentemente me desligava do mundo real em situações indevidas como uma conversa importante e não compreendia qualquer norma social então ia para o trabalho com calças confortáveis de tactel ao invés de jeans que é o mínimo que se espera de um profissional como eu. eu sentia uma vontade difícil de controlar, mas controlei, juro por Deus que controlei, de bater em pessoas tocando música na rua porque me sentia musicalmente violado, eu estava tendo trabalho para manter as músicas que queria na minha mente e de repente vinha um desgraçado, tocava qualquer coisa e destruía toda a minha sanidade de novo. o meu quarto era um inferno espiritual absoluto e eu não era capaz de encarar isso como um cristão encararia, com os símbolos que um cristão usaria: o meu universo interior era dominado pela confusão, pelo próprio satanás, satanás era uma presença quase palpável no meu quarto.
meu pai fez um exorcismo em mim assim que um dos meus demônios declarou abertamente que ele deveria desistir de mim porque minha vida seria tomada. é estranho dizer que sei a sensação de ser possuído por um demônio porque qualquer um que vê espetáculos na televisão imagina que seja daquele jeito. eu não entendi o que aconteceu, não entendi que estava possuído. já estava acostumado àquela sensação de estar totalmente corrompido, com a mente paralisada pensando em milhões de coisas ao mesmo tempo ao ponto de eu não conseguir me mexer e só querer morrer, falando coisas que não eram minhas em tons de voz que não eram meus (não quero incomodar ninguém, mas me lembravam o celtic frost. necromantical screams), encostado em uma parede por horas com os olhos pesados, mordendo meu lábio até sangrar e babando. não entendi que isso era possessão demoníaca até o exorcismo acontecer e eu, apesar de continuar com minha vida horrível, ter parado de passar por episódios desses: eu conseguia ver o que meus personagens estavam fazendo novamente, conseguia ver que eles estavam se destruindo, que isso me afetava muito e comecei a perceber que precisava fazer alguma coisa. eu não sabia o que. tentava ser racional mas minha vida era completamente irracional àquela altura, tive que engolir em seco o personagem cientista racionalista da faculdade, tive que declarar “agora eu não sou mais você. agora você faz parte do meu mundo interior, vai me ajudar a tirar boas notas na faculdade, vai me entreter aprendendo cálculo e física e teoria da computação e não vai passar dessa linha. eu não sou mais ateu porque não suporto mais ser ateu, porque tudo está contraditório demais para eu lidar. eu não sei mais no que acredito e vou descobrir”. meses depois esse cientista deixou de acreditar que ciência era o que estava nos livros didáticos da faculdade e descobriu, de fato, tanto o que é a física de descartes-newton, quanto a de leibniz e também a de pascal e se converteu.
eu passei por uma depressão muito forte. muito, muito forte. queria que as vozes na minha cabeça se acalmassem, as vozes na minha cabeça me odiavam. aos dezesseis eu tentava me cortar para a dor física me distrair das dores da alma, aos dezessete me assustei ao perceber que estava cortando meu pulso com os meus dentes caninos de desespero, mas aí entre os dezoito e dezenove eu cheguei ao ponto de me espancar e me atirar na parede pra isso. eu tentava tirar minha vida porque pensava que na inexistência teria paz. mesmo hoje em dia eu imploro: não faça pouco caso de pessoas que “se machucam” na minha frente, não faça pouco caso de suicídio nem da solidão; eu sinto a dor de pessoas que se sentem completamente sós e querem que isso acabe como se fosse a minha dor, eu quero invadir o universo interior delas e encher elas de abraços, de beijos, dizer que não importa que a sanidade dela tenha ido embora e ela acredite que sou só mais um personagem da cabeça dela, eu serei o melhor personagem da cabeça dela, eu tomarei sorvete com ela até ela botar um sorriso no rosto.
enquanto essa estrela estava acontecendo no meu coração eu fui evangelizar num hospital e encontrei um esquizofrênico lá. não vou descrever toda a situação porque esse texto vai acabar passando dos sessenta e um minutos e a música não tem nem sete, mas quis botar meus personagens para conversar com os personagens dele. quis que ele não se sentisse um idiota por estar preso num mundo de fantasias que a própria mente criou escondendo dele onde ele estava sentindo dor após um acidente de moto para se divertir. eu não consegui, estava com muita vergonha. tinha um amigo ao meu lado que desconhece todo meu passado de sofrimento espiritual e eu não queria assustá-lo, mas sei que falar “eu entendo o que ele está passando” pra irmã do esquizofrênico o assustou o suficiente.
é por esse tipo de pessoa que tenho empatia. eu tenho certeza que trancá-las num quarto e entupi-las de remédios ao invés de sair com elas, ter paciência com seus comportamentos anormais e deixar seu universo interior ser recheado com personagens e símbolos que existem no mundo concreto para que elas aprendam a conviver em sociedade normalmente é o que faz elas terminarem no hospício. eu tenho certeza que não fazer companhia para quem fica dias deitado na cama fantasiando o momento em que alguém vai vê-lo chorando, sentar ao seu lado, fazer carinho e dizer que tudo vai ficar bem, alegando que “as pessoas precisam ser fortes”, é um dos principais motivos pelos quais essas pessoas terminam tirando suas próprias vidas. não cobre forças de uma pessoa destruída, não esmague uma pessoa destruída com seus pés porque é provável que você esteja reafirmando a maneira dela enxergar o mundo inteiro com isso; não cobre trabalho de uma pessoa faminta, dê comida, porque ela não tem forças para trabalhar. se amanhã ela vai trabalhar ou não isso é problema dela no dia de amanhã. uma pessoa destruída não tem força pra parar de chorar, ela precisa de toque, ela precisa de abraço, ela precisa de cafuné. ela precisa sentir um mundo concreto novamente para que, nesse lapso de realidade, seu coração volte a bater e a lembre que existe algo além do inferno na própria cabeça.
se você tem um coração corrompido e vai acabar se escorando emocionalmente nessa pessoa já é outro problema que sequer é da minha alçada. outros personagens falam disso melhor que eu. esse mundo aqui tem até um casal, olhe só! eles podem falar de relacionamentos melhor que eu. e veja que contei como quero ajudar essas pessoas mas é importantíssimo que eu saiba lidar com essas pessoas, que eu não queira salvar a vida delas, que eu tenha estrutura emocional para dizer a elas “fica chorando aí então, depois a gente conversa” se necessário porque uma coisa é um depressivo no chão e outra é um depressivo viciado em colinho. aliás, chorar é normal, às vezes é só pra tirar as coisas da cabeça que não querem sair de outra forma. eu mesmo, quando sei que preciso chorar, fico ansioso esperando pelo momento onde isso vai acontecer e vou conseguir me libertar dessas coisas; claro que muitas vezes não gosto de fazer isso sozinho mas, se for pra fazer companhia se desesperando ao invés de só estando ali, é melhor não me fazer companhia nenhuma porque aí eu é que vou me preocupar com você (eu gosto da presença das pessoas que amo, elas não precisam abrir a boca pra eu me sentir confortável quando elas estão por perto. aliás, às vezes é preferível que elas não abram).
outra coisa muito importante sobre “ajudar essas pessoas” é que você tem que tomar cuidado com a sua própria cabeça. pessoas como eu possuem dilemas morais e existenciais complexíssimos para pessoas “comuns”. e veja que, se você é um ouvinte de internet e pouco situado no mundo real, eu posso estar falando algo que pra você é besteira mas não é. converse os assuntos que você conversa na internet com a sua avó ou com os membros da sua igreja. eu desmonto e monto esses sistemas morais e existenciais com a facilidade de quem está brincando de lego, aos quatorze (!) em um debate sobre incesto (!!!) adotei um personagem que apoiava a prática (!!!!!!) não porque apoiava de fato mas porque estava interessado em desmontar um sistema lógico e esse era o caminho. e, enquanto eu não terminar o meu serviço, não adianta tentar me tirar do meu personagem porque eu não vou sair. naquela idade, pra ser bem sincero, eu incorporava tão bem os personagens por um objetivo que me enganava e realmente acreditava que eu era aquilo; embora inapto a mentir concretamente eu sou ótimo com a mitomania, a mentira compulsiva, e pra evitar me contaminar com minha própria natureza mitômana eu passo relatórios diários da minha vida pra Deus, transformo mentiras que não consigo guardar pra mim por conta da ansiedade em ficções e derrubo o castelo de mentiras de pessoas que me envolvem nele e agridem meu mundo interior. por favor não tente me defraudar e, se tentar, faça isso direito: quando percebo que alguém está me iludindo um monstro vai tomando forma dentro da minha cabeça e eu vou tentando, de todas as formas, comunicar à pessoa que ela está me fazendo sofrer, sofrer muito, implorando sem abrir a boca para ela parar, chorando nos cantos, até o dia em que tudo isso explode em uma agressão verbal complexa, pública e traumatizante que assusta a todos mas principalmente a mim mesmo. sou um jovenzinho de vinte e vou repetir isso sempre que necessário, eu fico muito assustado quando o adulto de quarenta anos dentro de mim decide se manifestar pra agredir alguém.
disclaimer de 2024: este parágrafo não contém ciência. a esquizofrenia não passa de uma mitomania fora de controle. e toda pessoa com altas habilidades psicológicas um dia vai se perceber tendo de cuidar dessas mentiras de alto calibre assim que notar que, através delas, pode manipular os outros para que eles pensem e até façam tudo do jeitinho que ela quer como escravos mentais. não só fantasistas como eu possuem potencial mitômano, políticos possuem, jornalistas, pastores, advogados, empresários. você entende o meu dilema moral do momento, com vinte-e-três anos, meu ouvinte? entende como estou aterrorizado? eu sou um jovenzinho, não quero esse poder e também não quero observar outras pessoas usando-o a rodo em todo lugar mas se fingir que não tenho e que não percebo ele vai se manifestar sozinho (essa é pro último capítulo). ter essa percepção do mundo com a minha imaturidade emocional faz ele parecer um playground pra mim sendo que tudo o que eu queria era beijar na boca a menina que eu gosto.
uma pessoa como eu um dia vai ver você tendo um comportamento errado e vai te dar a explicação mais mórbida e impotente possível, fazer você se sentir um lixo, fazer você questionar tudo o que viveu até então e isso vai te assombrar por dias. não, não é minha intenção. é porque, no meu universo interior, certas coisas se explicam assim; existe uma parte do meu universo interior chamada “o mundo jaz no maligno” e ela explica detalhadamente como somos todos escravos de uma carne má e como estamos a todo instante nos destruindo em espírito por conta disso. essa parte também pode ser chamada “depressão” se você quiser.
se você não está preparado pra essas coisas não deixe seus sentimentos falarem mais alto. não se envolva. se, no entanto, seus sentimentos falarem tão alto que você não consegue resistir, ou se estamos falando de um membro da sua família, prepare-se. firme a sua fé nas coisas que são mais importantes pra você e não tenha medo de repensar o resto, porque você vai repensar o máximo de coisas possível.
pra falar a verdade um outro aspecto dos relacionamentos que quero e posso falar, ao contrário disso do sentimento de “salvar”, é esse de destruir os outros. acho que já estou chegando nessa parte.
onde é que eu estava mesmo? qual foi o último fato concreto que narrei? o exorcismo, né. é, teve isso, do exorcismo.
bem, nessa época, como sempre, eu era “super” alguma coisa. mas não era mais superdotado ou super-questionador, eu era super-triste. super-maluco. a minha mente estava cheia de pensamentos mórbidos sobre mim mesmo, eu acreditava ser a pior pessoa do mundo: o mais imoral, o mais inapto, o mais retardado, o mais infantil. expectativas, ansiedade. eu não conseguia estar no mesmo lugar com muitas pessoas sem me cansar mentalmente, observava tudo e concluía que todos estavam me observando de volta, rindo de mim. o olhar deles não dizia nada de fato, mas a minha cabeça me convencia de que eles conseguiam ver o lixo que eu era por dentro. no ônibus eu me escondia nos livros ou dormia para não ter de lidar com isso, era muito difícil pra mim. desde pequeno sou observador e circulo meu olhar por todo o ambiente para ter uma imagem completa e detalhada do lugar onde estou, quando abria os olhos era instintivo observar o corpo todo das pessoas e depois olhar em seus olhos e elas são sensíveis ao olho-no-olho. pessoas como eu que são insensíveis ao olho-no-olho são vistas como fortes, o que significava um novo meio de criar expectativas, mas nem via mais isso acontecendo. começa aí o período da minha vida onde as meninas começam a se apaixonar por mim e contar seus sentimentos, porque uma pessoa como eu evidentemente é boa de cuidar dos sentimentos dos outros (embora ocasionalmente pise neles com uma crueldade surpreendente), e eu não percebo e as frustro com facadas no coração. facadas no coração que também não percebi que estava dando.
“começa aí” é mentira, isso aconteceu na escola algumas vezes. mas não com a intensidade que aconteceu aqui. aqui eu tive amigas que confundiram tudo e quiseram me salvar, foram longe por um sorriso meu e se frustraram com minha irresponsividade. tive oportunidade de fazer o que quisesse com várias meninas e não fiz, não só por medo de destrui-las mas por medo de que elas me destruíssem também, porque as minhas carências eram adultas e difíceis de lidar e um número muito grande de mulheres mais experientes (de até quarenta anos) me atormentaram com isso e me fizeram criar uma barreira contra qualquer tipo de relacionamento. acreditei que a função da mulher era me destruir porque o que essas mulheres maduras costumavam fazer comigo era, num dia, sentarem ao meu lado e me chamarem de lindinho, tocarem em mim amorosamente e me dizerem coisas positivas e, no outro, me perguntarem quando é que eu iria pra casa delas conhecer as suas algemas ou ficarem mexendo alguma parte do corpo pra eu ficar observando e quem sabe “algo mais”. essas mulheres nem sempre eram solteiras. eu não suportava entrar na internet, ler sobre feminismo e “como homens são horríveis” sabendo que eu lidava com isso. eu sentia muita raiva de tudo isso. eu me tornei muito, muito perverso, eu odiei mulheres do fundo do meu coração e o que me salvou do pior foi não ser capaz de odiar a minha mãe, a minha mãe salvou minha vida pelo simples fato de existir. eu guardei tudo isso comigo.
muita coisa que aconteceu de ruim comigo eu guardei pra mim. a minha solidão era enorme e, por eu ser um jovem com uma mente de uns trinta a quarenta anos mais ou menos, acreditei que teria de lidar com tudo isso sozinho. que reclamar de mulher abusando das minhas emoções era infantil demais, pouco másculo, isso não deveria me afetar; embora, mentalmente, meu ódio por mulheres tivesse tudo para desaguar em comportamentos e relacionamentos homossexuais: isso tentou se fazer concreto com o número de pederastas que tentaram mexer com as minhas idéias, me convencer que eu era homossexual usando malabarismos lógicos com a minha depressão ou apontando uma possível psicopatia minha, e prepararam caminhos para eu terminar um sábado dopado no apartamento deles em algum bairro rico da pequena londres sendo estuprado. o “não dá, eu não bebo” me salvou de todos esses episódios.
(não se preocupe ouvinte abusivo, meu intuito não é denunciar você, nem mesmo ficar bravo com você. eu gosto de você e acho você uma pessoa boa, amável, com aflições enormes, maiores que as minhas. é só que meu rostinho lindo e infantil não vai te salvar disso, eu quero uma vida normal com uma mulher normal e uma família normal e minha sexualidade permite isso, peça para Deus resolver o seu problema. p.s.: eu não sou burro, tenho um amigo chamado “engenheiro do campo de tesla” que ouviu falar de gilles deleuze aos quinze, e um outro amigo cientista racionalista que acabou por acaso passando por michel foucault enquanto se interessava em fazer a sua própria desconstrução da mecânica newtoniana, e sei de onde saem suas conversas e que elas terminam no meu rabo)
disclaimer de 2024: por que caralhos eu inventei tanta coisa e forcei tanta empatia e ao mesmo tempo esperteza pra cima de um maluco que tentou me estuprar? tipo, essa foi mesmo talvez a única situação onde eu cheguei perto disso, porque era uma pessoa que de fato fazia isso. que merda é essa, heartshaped star?
acreditei que era meu destino não conseguir estar num lugar com mais de dez pessoas sem conseguir chorar. levei mais de um ano entre a minha reconversão e meu firmamento na igreja porque tinha crises de ansiedade no culto e precisava ir ao banheiro chorar. Deus aceitou me ensinar a cuidar do meu mundo antes de voltar ao mundo lá fora, meus pais podem nem saber que respeitaram meu ritmo nessa época mas eles respeitaram, e foi muito importante para mim que respeitassem. em outras épocas eles “não respeitaram” mas tudo bem, em outras épocas eu não iria de qualquer forma, mas nessa época em específico eu queria ir mas as barreiras dentro de mim eram tantas que me sentia frustrado só de me imaginar dentro da igreja. e me sentia frustrado porque queria estar lá. eu via pessoas contando como Deus tinha restaurado a vida delas e sonhava com o dia em que eu estaria lá dizendo isso.
logo depois observava o ambiente, via o número de pessoas e sentia vontade de chorar novamente.
eu nunca fui lá na frente e contei tudo o que Deus fez na minha vida e provavelmente nunca vou. não sei condensar essa história numa pregação de uma hora, imagine só contá-la como testemunho? não existe essa possibilidade. mas fico feliz que, se uma pregação tivesse vinte horas, eu poderia ir lá na frente e contar isso.
não que tenha acabado, calma lá.
pelo contrário. vocês acham que as coisas se resolveram porque voltei pra igreja? alguém aqui realmente achou isso? na verdade você, ouvinte, nem pensou nessa pergunta que estou te fazendo. não, eu não esperava que tivesse pensado, fique tranquilo.
aqui meus problemas pioraram muito porque o meu problema sempre foi expectativa, como estou dizendo desde o início. sozinho eu estava me afogando nas minhas próprias. na igreja, multiplicando o número de pessoas na minha vida, multiplicavam-se também essas expectativas. o quadro era claro.
por outro lado eu era uma pessoa mais forte e madura e, mais importante, eu não estava sozinho. as expectativas que Deus tinha de mim me deixavam seguro, eu me abrigava nelas assim que qualquer coisa aparecia. esse foi o segredo para lidar comigo mesmo a respeito desse assunto, foi isso que transformou meu universo interior de algo mórbido a algo amável, foi isso que transformou meu quarto de um inferno em meu refúgio. Deus estava no meu quarto, Deus diria que estava satisfeito com os meus resultados e Deus era o dono da caneta do livro da minha vida então ele estava certo. no meu exterior eu poderia até teimar com ele, mas no meu íntimo eu finalmente descobri o que é ter paz com o sentimento que mais me aterrorizou desde que nasci.
mas não, nem tudo estava certo.
três episódios, dois deles enormes e um deles pequeno e disperso mas muito sintético, ocorreram e denunciaram mais razões pelas quais eu, heart-shaped star, deveria voltar a ser heart-shaped star. você poderia dizer que o que descrevi até agora, se traçado em paralelo com a história de josé, foi a prisão, mas isso é uma visão errada da situação. o golpe contra a minha sanidade da adolescência foi quando passaram a perna em mim e me mandaram ao egito, esse início de juventude onde fui extremamente depressivo e tantas pessoas me ofereceram escapes errados para matar minhas carências foi a casa de potifar. eu passei um ano completamente insano apesar de ter parecido uma vida toda, e mais um ano completamente depressivo apesar de ter parecido uma vida toda também. já a igreja, ah, a igreja durou três longos anos: a igreja foi a prisão.
a prisão das minhas expectativas. a prisão da minha ansiedade. a prisão do meu mundo interior passivo e impotente a respeito de quem eu realmente era.
eu estava satisfeito comigo mesmo mas ninguém mais estava. aliás, não é que as outras pessoas não estivessem satisfeitas, é que elas esperavam muito mais do que eu realmente oferecia. aliás, também não é que elas esperavam muito mais do que eu realmente oferecia, muitas vezes eu correspondi às expectativas delas e até as superei. é que eu era incapaz de pensar nas expectativas dos outros, tampouco de acreditar que os outros tinham expectativas de mim. e não estava percebendo a cobrança das pessoas aumentando pra cima de mim, eu não estava percebendo absolutamente nada nos meus relacionamentos com as outras pessoas.
deu pra entender o último parágrafo? escrevi confuso de propósito. uma escalada de frustrações, um verdadeiro caos entre quem as pessoas enxergavam em mim, quem eu enxergava em mim e, no meio disso, quem eu realmente era.
em primeiro lugar, falarei do episódio pequeno e sintético: o meu personagem cientista se calou. eu tinha outras coisas para dedicar minhas energias e tirar notas na faculdade já não era mais interessante, embora eu tivesse estudado todas as matérias e soubesse o essencial de todas elas. isso foi um processo natural da vida: durante meu surto esquizofrênico eu comecei a trabalhar e dividir minhas forças intelectuais entre trabalho e faculdade, já que meu trabalho é basicamente pensar e digitar, pensar muito e digitar muito, e então tive que escolher entre estudar e tirar nota (são coisas bem diferentes, a “menina super-nerd” do começo da história nos confirma isso. na verdade eu sabia muito bem o que era estudar, quem não sabia era ela) e preferi estudar porque meu amor pelos computadores é genuíno demais para ficar preso aos boletins e ao mundo acadêmico. eu decaí na faculdade e, embora no começo estivesse me incomodando ouvir “é… começou a trabalhar acabou a mamata… nunca mais aquele boletim que a menor nota é 9”, passou bem rápido porque eu fazia de tudo para acreditar que minhas notas foram todas questão de sorte, não de eu ter estudado cinco horas por dia durante um ano e meio e ter ensinado matéria para todo mundo que pedia, muitas vezes melhor do que o professor ensinava. eu me escondia dos meus talentos com uma eficácia assustadora, quando minhas notas decaíram eu tirei um fardo de mim embora esses confrontos lá no fundinho mexessem com meu orgulho.
o que eu estava fazendo era cruel. ao invés de elevar minhas próprias expectativas ao que eu era capaz de aguentar eu aumentava a de todos os outros para que chegassem até as minhas, esperava que os outros tivessem os mesmos limites mentais que eu, esperava que o mundo fosse hábil tecnicamente como eu sou. é esse o maior problema da ansiedade velada que eu, pior do que tinha, personificava: ela destrói as outras pessoas porque cobra delas coisas que elas não têm, o seu amigo te dá um soco na cara e você revida com um tiro no peito que o apaga da existência. você espera que as pessoas adivinhem que você está com problemas porque consegue perceber os problemas delas como se tivesse uma bola de cristal e não entende que isso é só a sua capacidade de observação elevada se manifestando.
eu queria que a minha sala parasse de reclamar dos professores porque a culpa deles não tirarem nota era totalmente deles, eu nunca vi ninguém que estuda de fato não tirar nota, mas o que é “estudar” para os outros? eu estudava de fato como a menina super-nerd e portanto como os professores esperavam? com o personagem cientista racionalista calado eu fui percebendo que estava errado. que, não, eles estavam se esforçando, que eu tirava nota suficiente dormindo em ou matando todas as aulas e perguntando um dia antes “gente, o que vai cair na prova?” pelo simples fato de que já tinha estudado a bibliografia antes e tudo estava em algum lugar da minha cabeça, era só eu botar genesis pra tocar e voilá meu setentinha estava garantido.
(genesis, para quem não sabe, foi minha companhia musical durante a depressão. tudo o que estudei nesse período eu estudei ouvindo a discografia de genesis. essa sétima estrela tem muito do genesis mas não pensei em genesis, não imitei genesis, não fiz nada relacionado ao genesis e não ouso fazer. eu não acredito e nem nunca acreditarei que eu, ou qualquer outra pessoa, é capaz de fazer o que o genesis fez. se a floresta melancólica interior dessa estrela em formato de coração que vos fala, capaz até mesmo de aprisionar os outros e torná-los melancólicos também, tem muito do genesis, isso está relacionado ao amor que criei por essas músicas. não quero que alguém acredite que estou fazendo o que bandas de “neo-prog” fazem, por favor, respeitem os meus sentimentos)
eu tive que despertar para o fato de que, no começo do curso, eu disputava comigo mesmo e com os outros alunos excepcionais da minha sala para gabaritar todas as provas e quase nunca conseguia mas sempre chegava perto. que uma vez doeu não ter sido “o primeiro aluno a gabaritar uma prova de cálculo 2 daquela universidade” (isso é algo que o professor deve ter inventado pra encher o saco, sei lá. ele gostava de parecer mau) porque, no último exercício, que era uma integral tripla de duas páginas, na última linha da resolução, eu confundi seno com cosseno e errei a conversão. finalizei o bimestre com 10 em cálculo 2 mas aquele 10 não foi um 10 pra mim porque errei a última linha do último exercício.
despertado para esse fato, calei a boca e nunca mais cobrei da minha sala que estudassem mais ao invés de falarem mal do professor. preferi me tornar o meio-de-campo. aquele que dava razão à sala mas sugeria ser empático com o professor porque ele também tinha suas próprias expectativas, e deveria haver uma saída onde todos ficariam satisfeitos. essa é a pessoa amável que eu deveria ter sido desde o início.
eu sou orgulhoso. tenho um ego muito grande. eu tentei esconder isso de mim mesmo achando que estava o crucificando mas não estava crucificando ninguém, estava fazendo uma magia onde ele seria igualmente prejudicial através da minha auto-rejeição. ninguém pode ver que estou agredindo, cobrando e humilhando os outros porque tenho problemas emocionais, ninguém tem uma bola de cristal que revela todos os meus textos e vozes ocultos me xingando, me desprezando e expressando solidão ao ver um comportamento humilhante da minha parte. pra mim tudo funciona ao contrário, ninguém nunca vai entender isso também: ninguém nunca vai perceber que eu me sinto pequeno demais para acreditar que minhas brincadeiras e cobranças humilham os outros.
o episódio acabou ficando maior do que eu esperava, ele era “pequeno e sintético”, desculpem. mas agora vou ao grand finale: por conta de um montão de problemas meu trabalho de conclusão de curso foi um processo vergonhoso e tudo saiu um lixo. meu pré-projeto não foi tão ruim, mas o trabalho em si eu fiz em dois dias, os últimos dois dias antes de entregar, entreguei e fui escrachado na banca. foi a banca mais assassina que já vi na minha vida e o que meus professores falaram foi “olha, você tem até semana que vem pra entregar algo que preste. pede dispensa do trabalho, vire as madrugadas fazendo, corre atrás da gente. não importa. faça tudo o que você deveria ter feito nesses últimos doze meses”. minha ansiedade foi tão atacada nesse episódio que eu surtei, mandei uma mensagem pra menina que eu gostava (esse é outro episódio) mas não tinha intimidade nenhuma então ela só falou “hã, eu não sei lidar com isso, só… sei lá, vai dar tudo certo”. eu nunca me vi tão ansioso antes na minha vida. eu despertei todo o meu potencial como um monstro e escavei o melhor de mim pra fazer um trabalho decente, estava competindo contra o tempo, estava por um fio de não terminar um curso que eu deveria terminar. foi um episódio extremamente caótico.
foi a melhor mentira que já vivi.
enquanto fazia esse trabalho, “desesperado”, dei conta também de fazer um sistema pro tcc de um amigo que estava na mesma situação e também compus uma música que, na época, ficou sensacional. ela absorveu minhas emoções como uma esponja, consumiu mais de mim que o próprio tcc. ela era sobre um peixinho ansioso. também dei conta de ir ao shopping com meus pais, dei conta de sair com meus amigos, mas era como se o mundo estivesse caindo.
que burrice enorme! é divertido demais pensar nisso hoje em dia. mas foi desesperador.
quando entreguei e os professores me deram mais do que o necessário pra passar (um 6 bastava, eles preferiram me deixar com 7) meu pai me explicou algo que confirmei com eles depois, e aí eu entendi todo o episódio. um grande tapa na cara que não assimilei totalmente na hora mas hoje tudo se encaixa. o que todos eles me explicaram era que eu não era aluno pra entregar um tcc nojento como aquele, que todo mundo estava vendo o pouco caso que estava fazendo da faculdade e esperava mais de mim. esperavam mais de mim. pela primeira vez eu não encarei isso como uma criança mimada, “eu não aceito que esperem algo de mim. dói demais esperarem algo de mim. vocês não entendem que não sou bom, eu sou horrível, eu sou um lixo. eu odeio vocês”, encarei como um adulto deveria encarar a situação: é verdade, eu provei pra todo mundo que tinha potencial para ser o melhor e decidi, em meio aos meus complexos emocionais, ser só um medíocre. preferi encerrar um curso que comecei assustando todos os professores com as minhas notas com um tcc feito em dois dias. é claro que ninguém deveria aceitar isso. o que eu estava fazendo com a minha vida?
o segundo episódio ainda é sobre mim e só sobre mim, só no terceiro eu vou escancarar a desgraça que fiz com os outros. e com o terceiro encerro meu “character development”, como dizem os nerds de contar história.
o segundo episódio é sobre meu trabalho.
eu nunca entendi que sou bom no que faço. de verdade, pra mim o meu trabalho sempre foi algo tipo, sei lá, pacoteiro de supermercado, que você tem que fazer os mesmos três movimentos todos os dias. é um emprego valiosíssimo mas ser bom tecnicamente nisso não exige muito, a parte difícil é ser bom em lidar com estresse de comprador nojento. eu sou analista de sistemas. essa mineração da minha percepção foi uma aliança macabra da ansiedade com a minha esquizofrenia, que escondiam de mim que muitos dos meus problemas mentais vinham de não perceber e cuidar do estresse causado pelo número de responsabilidades que eu assumia ao desenvolver sistemas internos para três empresas ao mesmo tempo, com qualidade e agilidade suficiente para os chefes se esforçarem para me manter no lugar ao invés de comentarem ocasionalmente de demissão.
ajudava também que o primeiro lugar que trabalhei era cheio de pessoas excepcionais, excepcionais mesmo. todas as pessoas que conheci nesse lugar são fora-do-normal, talentosíssimos e eu não poderia ter aprendido tão rápido se não fosse eles serem tão bons. eu voltei a trabalhar nesse lugar e percebi que a pessoa que me ensinou a programar em corporativas é uma mente brilhante, ele é o melhor programador que conheci, ver ele programando hoje em dia me inspira a estar sempre melhorando mas na época era um pretexto para eu me sentir medíocre.
eu me comparei com ele desnecessariamente e não foi por inveja, foi por comodidade. desconsiderei que ele é bem mais velho que eu e trabalha com isso há muito mais tempo e, ao desconsiderar isso, estava livre de considerar meu trabalho bom.
eu não percebia qualidade em nada do que fazia. só percebia as mensagens de erro nos meus sistemas, como elas pareciam abundantes! como eu não desenvolvia nada direito, como demorava para entregar os projetos, como meus códigos eram complicados e feios. como eu era desastrado. não, não era para levar em consideração que, ainda estagiário, soltaram um sistema sério na minha mão e me botaram para supervisionar a estagiária que entrou comigo após dois meses de trabalho; eu fiz muito mal a ela implicitamente, julgava ela muito ruim por isso, mas que direito eu tinha? assim como eu, ela estava em seu primeiro emprego e estava desempenhando como qualquer outra pessoa desempenhou em seus primeiros dias, eu era a pessoa que já via o mundo como uma estrutura lógica sofisticada desde pequeno e portanto programar soou como se estivesse escrevendo uma história qualquer. não, eu não sou realmente tão bom em programar, a tecnologia da informação é um setor cheio de pessoas melhores que eu, pessoas que eram superdotadas na infância mas ao contrário de mim encararam isso positivamente e hoje com a minha idade estão em cidades ou até países melhores ganhando muito mais dinheiro e fazendo coisas muito mais grandiosas que meros sistemas corporativos.
acontece que eu amo esses meros sistemas corporativos.
e acontece que, mesmo não sendo uma dessas pessoas, ainda me destaco onde estou. só que, quando comecei a trabalhar, achava que me destacava negativamente. achava que sujava a equipe séria da empresa com meus defeitos e minhas demoras, porque não trabalhávamos de fato com prazos. eu tinha propostas de emprego com valores mais altos do que ganhava e não entendia a razão, só não era burro o suficiente para manter pra mim e repassava para que meus chefes fizessem algo a respeito, eles sempre faziam e eu sempre ficava surpreso. ninguém em casa ficava surpreso, só eu. meu pai sempre me disse “Deus gosta muito de você, já notou que tudo o que você pede ele dá?”. eu sempre peço o necessário pra Deus porque tento analisar as circunstâncias com os olhos dele e ver o que ele me daria, e quase sempre não estou pedindo demais, o que é uma faca de dois gumes porque não sei fazer esses pedidos mirabolantes cheios de fé extraordinária que as pessoas fazem e às vezes eu deveria fazer também, eu deveria pedir mais coisas que Deus me diria “não”. mas minhas expectativas sobre mim mesmo, como vocês devem estar cansados de ouvir, são baixas demais até pra pedir algumas coisas que Deus me diria “sim, mas toma cuidado hein”. ansiedade.
uma vez tive uma proposta de valor muito mais alto para subir um sistema em uma empresa que não tinha nenhum e vivi um campo de batalha de mais de um mês de pessoas perturbando minha ansiedade ou para eu ir ou para eu ficar sem cobrir esse valor, o que é totalmente normal na profissão em que estou, e quase morri. quase morri porque estava vendo a situação de baixo pra cima, estava sendo uma barata tonta.
quem não sabe ou negligencia seu potencial é manipulado pelos outros em suas emoções dessa forma: você não sabe que está por cima e todas as pessoas te escondem isso porque, assim que você descobrir, você é quem vai ditar as regras do jogo e não elas. vai impor o que quer e o que você quer custa caro, as pessoas não querem pagar, elas só vão pagar se não conseguirem te convencer de que você não precisa disso tudo. o que eu queria e tinha em mãos era um salário muito mais alto mas, por não saber que minhas habilidades valiam isso, as pessoas jogavam comigo com distrações, questões menores, que não tinham nenhuma importância pra mim mas me afetavam pelo simples fato de eu não enxergar a figura maior. eu tentava argumentar mas, uma dica para debatedores, entre duas pessoas não existe argumento: um está certo e o outro está errado, se a pessoa certa se dispõe a argumentar com a errada ela aceitou a derrota. eu era incapaz de dizer “é isso”. o que as pessoas não entendem ao mexer comigo dessa forma é que eu sou um monstro, minha ansiedade foi se estocando, estocando, até que a explosão que descrevi mais cedo ainda nesse capítulo aconteceu, eu bati na mesa e falei “acabou”. e acabou.
a verdade é que, nesse lugar em que trabalhei, haviam várias tentativas dos outros desenvolvedores, em especial o prodígio que tanto respeito, de recomeçar os sistemas porque eram todos arcaicos demais. assim que me situei, como efetivo, vi que estavam ocorrendo bilhões de alterações em regras de negócio e nós não estávamos dando conta de dar manutenção em sistemas tão antigos, eu fui acumulando raiva de toda aquela situação e uma hora bati na mesa (eu gosto muito de bater na mesa! a culpa deve ser de hollywood) e falei que não ia ficar resolvendo probleminha pro resto da vida. que iria refazer todos os sistemas que não parassem de dar trabalho e pronto, porque agora a equipe dava conta, porque não era possível que uma empresa com dois desenvolvedores tivesse que parar os dois pra ficar apagar incêndio. ninguém me ouviu, nenhum chefe deixou, até que do nada surgiu uma das telas de consulta de produtos das empresas refeita, vieram me perguntar “o que é que você tá fazendo, seu maluco?” e eu disse “então, agora não vai ter mais jeito, né? vou ter que terminar”. e terminei. e nunca mais tivemos problemas com as consultas de produto. e depois empolgaram e me pediram pra fazer isso com vários outros sistemas antigos.
hoje essa empresa não utiliza mais nenhum daqueles sistemas antigos.
no meu outro trabalho eu não tinha referencial do que era certo e errado porque era o centro da empresa. o sistema era meu, eu determinava o que era certo e o que era errado. eu falava “dá pra fazer”, eu falava “não dá pra fazer”. eu subi um sistema que funcionava bem, apesar dos inúmeros problemas que o “primeiro sistema” de uma empresa pequena (embora não micro) teria que dar, e deram, e não fiquei nem um pouco chateado com isso. no máximo estressado. isso foi o indicativo de que eu tinha amadurecido como profissional. finalmente notei que os usuários do meu sistema não estavam querendo acariciar meu sistema, eles não estavam lendo uma historinha minha, eles estavam disputando contra o meu sistema: não queriam um sistema porque isso os obrigaria a seguir as normas da empresa, quanto menos automatizado o processo mais cheio de brechas exploráveis pelos funcionários, então eles queriam reclamar do meu sistema e estressá-lo e, quando não era possível, inventavam problemas para provar que aquilo não era bom. sem contar os que queriam descobrir falhas para se aproveitarem mesmo. transformei o jogo de reclamações numa brincadeira, numa aventura saudável e me diverti muito com isso. parei de “levar pro pessoal”.
aprendi aí uma das chaves pra lidar com a ansiedade que é brincar com ela, não maldosamente como as mulheres mais velhas faziam comigo, mas amorosamente: a ansiedade é uma criança com medo do mundo, ela é um menininho que não sai na rua em lua cheia com medo do lobisomem; isso é algo que mulheres podem nunca entender mas você não diz “não existe lobisomem” pra esse menino, você diz “toma essa arma invisível. vamos andar equipados. se o lobisomem aparecer a gente dá um tiro nele” (na verdade não é bem isso que você diz não, mas deu pra pegar a idéia. é que sou meio impulsivo). você é incapaz de extinguir a fantasia da mente de um menino, o lobisomem vai virar outra coisa às vezes até menos concreta que ele. quando ele conversa sobre lobisomem contigo ele está pedindo pra você entrar em contato com seu mundo de fantasias e seu papel não é apagá-lo mas mantê-lo uma figura consistente que incentiva seus sentimentos de coragem, gentileza, entre outras coisas boas já que meninos não enxergam seus sentimentos, e ajudá-lo a diferenciar esse mundo da realidade concreta.
a ansiedade é composta de fantasias mal resolvidas na mente, por isso pessoas como eu que foram tão abusadas psicologicamente por mulheres possuem tantas barreiras para acreditar que uma gosta mesmo de você, e por isso meninas que passaram a vida toda vendo outras meninas terem seus corações estraçalhados por algum homem próximo não conseguem entregar o seu a um rapaz. e aí vem os abusos sexuais, e aí vem muita coisa. a última esperança reside em ter pai e mãe que estão juntos e se amam e portanto deixam lá no fundinho uma pontinha de expectativa que você ainda pode ter uma namoradinha que gosta de você, casar e ter uma família. isso não funciona se seus pais vivem um casamento de fachada. mas não se abata, Deus é o pai das fantasias, se você não tem nenhuma ele mesmo te dá as dele se você pedir.
atenção: esse parágrafo pode ser cruel. lembre-se do que falei: firme a sua fé nas coisas que são mais importantes pra você e lembre-se que Deus resolve qualquer problema.
disclaimer de 2024: leu judith butler com o cu cheio de literatura evangélica pra se livrar da punheta, depois leu camile paglia na intenção de aliviar a dor que a butler causou e o resultado foi essa diarréia. eu pensei muito de cortar esse parágrafo mas acho que, agressivo e errado como ele é, ele foi importante pra um dia eu reavaliar minha vida e perceber que, como eu simplesmente não consigo me relacionar com nenhuma dessas palavras que eu mesmo disse, eu não me identifico com nenhum gênero. p.s.: pula esse parágrafo se você tá sem colete a prova de balas, porra de fé, ele é cheio de gatilhos.
sim, PAI e MÃE, uma identidade MASCULINA e uma FEMININA para o seu mundo de fantasia. e não me venha com teoria de gênero, eu estudei tudo o que você estudou e só estive na mira de pederastas porque eles perceberam que sei brincar com as minhas próprias identidades (e não reclamem da minha arrogância ao dizer “eu estudei tudo o que você estudou”. a minha arrogância não tem o intuito de te humilhar, não me chame de egocêntrico por isso, você é o egocêntrico, você está sendo cruel comigo ao não notar que a arrogância às vezes é minha única arma contra a depressão que quer provar pra mim que absolutamente tudo o que eu amo não vale nada. olhe o quanto me destruí por não assumir que era inteligente, acha que vou fazer isso de novo por capricho emocional seu?). posso acordar assexuado se quiser, tenho controle total sobre isso. homem não vai se tornando sensível à sua esposa por fotossíntese, ele vai enriquecendo sua identidade feminina com as experiências concretas com ela ao ponto dos sentimentos dela começarem a ser seus também. a sensibilidade do homem, para quem acredita no casamento fatalmente, não serve para nada que não seja servir a sua esposa. a mente da mulher, da mesma forma, não serve para nada que não seja viver as fantasias do seu homem.
conviver com seu amiguinho por muito tempo e ser exposta às idéias dele eventualmente vai fazer vocês criarem tensão sexual e seu corpo vai começar a imitar os anseios dele mesmo que ele nunca tenha te contado quais são esses anseios; os olhos dele contam, as mãos gesticulando contam, as pernas se mexendo contam. parem de achar que vocês, homens e mulheres, podem ter amigos do sexo oposto que sejam tão ou mais amigos do que seus cônjuges: vocês, fatalmente, não podem; a sua melhor amiga determina as batidas do seu coração e vai se tornando sua segurança emocional, o seu melhor amigo determina em qual fantasia você vai se abrigar e vai se tornando sua direção espiritual (isso, em efésios na bíblia, é chamado de “o marido é a cabeça da mulher”). o seu melhor amigo do sexo oposto precisa ser seu cônjuge. eu não sou nenhum estudioso do casamento, na verdade meus pais são os que ministram curso para casais há anos, só fiz a minha parte de bisbilhoteiro profissional e superdotado nas lições e aplicações, perguntei a eles tudo o que podia e não podia, observei a vida deles desde criança mais até mesmo do que desfrutei de ser filho de um casal saudável e agora sou a pessoa mais assustada do mundo com o poder de um casamento e escolher uma esposa se tornou um verdadeiro inferno. viva as teorias que só elaborei por falta do que fazer e no fundo só me impedem de viver o que um jovem de vinte-e-três anos precisa viver! viva a ansiedade!!!
olha só! me perdi de novo nos assuntos. estava falando de fantasia e trabalho mas já encerrei. aliás, vou encerrar com uma história de cinco linhas. me permitem?
uma vez fui encontrar um amigo meu no rio de janeiro e tivemos uma conversa sobre trabalho, ele disse “estou fazendo a mesma coisa de sempre” e eu “estou vivendo uma aventura por dia” (foi em tom de piada, juro que não dou palestras motivacionais. mas é sério). ele sempre será um dos meus melhores amigos. ele me diz “você viaja demais”.
eu só não amadureci numa coisa: mais uma vez fiquei preso e, dessa vez, sem referencial nenhum. não me comparava com ninguém mas era minha própria bússola, o sistema estava bom se eu quisesse e ruim se eu quisesse e é claro que escolhi acreditar que era ruim. acreditar que as telas estavam muito simples e sem identidade visual (ah, a minha cara de designer para uma empresa que precisava de um sistema novo pra ontem), que travava demais, e por aí vai.
isso me fez esquecer quem eu era profissionalmente. acho que, em algum momento, comecei a acreditar que trabalharia ali pra sempre. que chegaria todos os dias e sentaria na minha cadeirinha, leria algum jornal falando sobre política (o assunto mais imbecil que existe, exceto para quem ganha dinheiro com ele), corrigiria os problemas que os usuários reclamaram e quem sabe se desse tempo desenvolveria algo novo. posso dizer que superei todas as expectativas ao subir um sistema do zero em talvez menos de três meses, o que pra mim não significou nada, mas me acomodei na mediocridade de nunca estar desenvolvendo coisas de ponta ao mesmo tempo em que me cobrava muito por isso. o lugar não comportava “desenvolver coisas de ponta”, era uma empresa que precisava que as pessoas desenhassem seus processos pela primeira vez e desenvolvessem seus sistemas mais viscerais, e foi isso que eu fiz, nada estava realmente surpreendente como as coisas que eu tinha desenvolvido no outro lugar. isso me prejudicou muito embora eu já não fosse nem capaz de perceber, acho que só hoje consegui assimilar todas as experiências que tive e tirar de cada uma delas o melhor: não percebi que trabalhar nesses sistemas viscerais estava me dando uma visão do que é criar a tecnologia e não atualizá-la, como eu tinha feito até então, que me ensinou muita coisa eu mesmo pegar um computador qualquer, instalar um linux e usá-lo de servidor para um sistema meu. não ver fogos de artifício nesses sistemas me fez esquecer completamente que eu era um bom analista de sistemas, e olha que eu já não acreditava muito nisso, a única coisa que era capaz de me lembrar disso era meu salário.
dois anos depois, com a empresa no bico do corvo por causa da crise, eu fui demitido.
não, não vou descrever a sensação de ser demitido. nem como eu fiquei a respeito disso. não que tenha vergonha de falar, é o blablabla que você já espera, blablabla meu trabalho nem era tão bom assim, blablabla enfim. é que foi a primeira pancada positiva na minha ansiedade. eu, heart-shaped star, fiz a melhor chapinha e decidi começar a cantar nessa época.
tem mais coisa importante para falar sobre trabalho, mas o próximo trabalho fala muito pouco da minha ansiedade a respeito do meu potencial e muito da minha ansiedade a respeito de pessoas. a combinação “ansiedade e pessoas” é pro próximo capítulo. foi um prazer, meu ouvinte, contar as experiências até aqui. foi um prazer parecer uma vítima das circunstâncias mas se prepare. no próximo capítulo você vai descobrir o estrago que minha ansiedade causou nos outros, como criei universos imaginários e aprisionei pessoas dentro dele, as enlouqueci, fiz elas fazerem de tudo para corresponderem às minhas expectativas para, no fim, encostar a cabeça delas no meu peito, fazer um cafuné de despedida e dizer “eu gosto de você mas você é incapaz de lidar comigo. para o seu próprio bem vá embora da minha vida”.
eu, sorridente como sou, lindinho como sou, sou um vilão. eu sou uma pessoa má.
me desculpe. um abraço, não deixe sua estrela parar de brilhar.