Você consegue ouvir, não consegue?
O mistério de tudo aquilo que não é possível desmembrar em pedaços lógicos explicáveis. Tudo aquilo de que você corre todas as noites, tentando impotentemente provar para si mesmo que não é real porque não faz sentido. Todo aquele amontoado de vozes em sua mente gritando — você tentando relacioná-las com decibéis, quando elas ignoram completamente a sua capacidade de mensurar.
Você é incapaz de fazer com que elas curvem-se a ti, aliás, é o contrário que ocorre. Quem é você? Absolutamente ninguém. Absolutamente nada. Você não passa de um escravo de suas vontades, consequências, suas loucuras e suas paixões, suas dissociações, reconciliações, quedas, brigas, separações. Há tantas vozes. Há tantos acusadores. Há tantas noites passadas ouvindo gritos em consciência. Quem é você? Você é um explosivo.
Eu sou um explosivo.
Eu sou uma bomba. Minha cabeça é uma bomba-relógio. Sempre foi, sempre será. Sempre contando os segundos, aguardando o tempo certo, para explodir. Sempre acumulando em silêncio desejos, brigas mal resolvidas, medos paranoicos de exposição à verdade, mágoas, injustiças; sem conseguir o ar para respirar, a brecha para extravasar, eu as mantenho aqui.
Tudo o que os outros podem ouvir é meu relógio. Pequenos vazamentos, pequenos suspiros. Tic, tac. Tic, tac. “Me sinto mal”. “Me sinto estranho”. “Mais uma noite terrível”. Os outros vem, alguns só observam e deixam, outros observam por mais tempo, outros tentam pateticamente mexer no relógio como se fosse mudar alguma coisa. A bomba está ali dentro. E você pode até tentar fazer meu relógio parar de funcionar, mas ela ainda está ali.
Tic, tac. “Eu quero morrer”. Tic, tac. “Eu odeio todo mundo”. Tic, tac. “Todo mundo me odeia”.
Tudo isso tem uma razão. Eu me sinto mal, eu me sinto estranho, minhas noites são terríveis; eu não aguento mais o peso da vida, o peso das próprias vozes, das acusações, das outras pessoas que não conseguem me anestesiar; eu odeio todos, todos são responsáveis pela minha miséria, o mundo seria mais justo se todos me compreendessem, se soubessem a hora de estender a mão, se soubessem a hora de não estender a mão, se soubessem falar aquilo que eu quero ouvir quando quero ouvir, se soubessem não falar aquilo que me magoa; todos me odeiam porque eu sou insuportável. Tudo tem uma razão. O mundo é injusto, não é mesmo?
Tic, tac. Não tente me desarmar. Não tente chegar perto. Eu estou exausto. Estou exausto de todos vocês mexendo nos meus ponteiros. Eu não me interesso mais se vocês querem meu bem, eu não me interesso por mais nada. Só me deixem explodir.
Me deixem explodir.
Me deixem explodir.
ME DEIXEM EXPLODIR!
POR FAVOR, ME DEIXEM EXPLODIR!
EU IMPLORO, ME DEIXEM EXPLODIR!!!
EXPLODIR.
EU QUERO EXPLODIR.
Eu quero…
Eu queria…
Eu não consigo…
Eu não tenho esperança.
Eu não tenho perdão.
Eu não tenho poder nenhum.
E essa é mais uma das incontáveis noites sozinho, sofrendo. Fazendo tic-tac. Tic, tac. “Eu me odeio”.