Série: mighty no. 9

8. CHANCHACORIN, Ippo Yamada e a Escola Capcom Sound Team

30 de junho de 2016

É curioso como, em questão de identidade visual e sonora, Mighty No. 9 se aproxima um pouco mais da série Mega Man Battle Network que das outras.

Como disse no texto anterior, isso foi um elo que desde o início a Comcept decidiu manter — os desenhos da própria abertura no Kickstarter foram os responsáveis diretos pela associação com Mega Man, creio que foi a parte onde houve mais comprometimento em dar uma certa continuidade à identidade da série do robô azul. É impossível não fazer associações e, como disse, principalmente com a série Battle Network. Só de cabeça já tenho Beck e Call sendo óbvios Mega Man e Roll, o Pyrogen e Heat Man.EXE, Dynatron e uma mistura de Elec Man.EXE com Thunder Man.EXE, Seismic e Guts Man (o normal e o EXE), Aviator e Gyro Man.EXE e Raychel e Zero Virus. Então, se puxar um pouco mais da memória, devo encontrar mais coisa. A série Battle Network é a série mais pessoalmente relacionada ao Inafune, e Mighty No. 9 é um jogo com um clima bastante “digital” que estava muito mais presente nesses RPGs que na série de plataforma 2D.

Pessoalmente, não domino muito essa parte dos desenhos e nem parte gráfica — apesar de que, mais tarde, falarei um pouco de gráficos pelo simples motivo de ser impossível criticar esse jogo sem mencionar que seu grande problema é a escolha completamente errada do estilo somada a falhas técnicas terríveis — , então falar disso foi só uma introdução ao que é mais importante em qualquer jogo feito pelo Inafune fora o próprio “jogar”: a trilha sonora.

A Comcept contratou um dream team para compôr a trilha: Manami Matsumae (CHANCHACORIN), do primeiro Mega Man; Ippo Yamada, da série Mega Man Zero, Battle Network, ZX, Azure Striker Gunvolt; Takashi Tateishi, de Mega Man 2; Masahiro Aoki, de… Rockman Xover (o estagiário, tadinho, mas uma das melhores músicas é dele então tudo bem).

E esse dream team fez uma trilha sonora incapaz de superar expectativas pela seguinte razão: não tem como não ter expectativa insuperável quando se conhece esse pessoal. O que posso dizer é que a trilha é exatamente o que eu esperava, e eu esperava o melhor. Deixe-me contar algo sobre as trilhas sonoras feitas pela Capcom Sound Team: elas também criam “escola”, experimentam técnicas em laboratório, mas de maneira mais urgente que os jogos em si porque os compositores estão constantemente se revezando. CHANCHACORIN fez parte de Mega Man, já no segundo era Tateishi, no terceiro era outro, e por aí vai.

O fato é que, depois de jogar alguns jogos da série, torna-se impossível não reconhecer suas músicas. Imagino que há um cuidado da direção para que as músicas utilizem ao menos os mesmos instrumentos, mas não é só isso, há elementos que se encontram na imaginação da grande maioria dos compositores de Mega Man a ponto de existir uma identidade sonora compartilhada entre todos os jogos de uma série (ou, até mesmo, de todas as séries). Uma música de Mega Man 2 é distinguível de uma de Mega Man 5, porque a maneira de compôr do Tateishi (mais acelerado, direto-ao-ponto, quase uma banda de rock) é diferente da maneira da Yuka (músicas recheadas, onde as percussões transbordam, batem muito em sincronia com os acontecimentos espetaculares dos outros instrumentos), mas os dois utilizam-se de uma espécie de espaço imaginativo igual, é como se eles tivessem a intenção de alcançar a mesma “pessoa” com as suas maneiras próprias de compôr.

Isso tornou Mega Man um único monumento de melodias diversas, ao ponto de, conforme o passar dos anos, tornar-se comum uma melodia de uma série nova ser familiar a uma antiga sem que haja nenhuma intenção disso acontecer. Sem que o compositor antigo sequer esteja mais na equipe da Capcom, ou da Inti Creates, e agora da Comcept. A identidade sonora de Mighty No. 9 não escapou da série Mega Man, eles não conseguiram começar do zero, e graças a Deus não conseguiram porque não fez diferença nenhuma para quem nunca jogou Mega Man enquanto em mim gerou uma ligação auditiva instantânea. É maravilhoso. Observe, Masahiro Aoki é um compositor novo nas mãos da equipe de Inafune, só participou mesmo de Rockman Xover, mas compare sua única música (fase do Seismic, uma das melhores do jogo todo) com qualquer fase dos primeiros dois Mega Man Battle Network. Simplesmente aconteceu. É como se fosse um gênero musical próprio chamado “Mega Man” e os novos compositores fossem obtendo a mesma essência e adaptando-a aos seus próprios caprichos, e o resultado são músicas em estilos mais ou menos variados que comunicam por fim a mesma coisa.

E Mighty No. 9 faz parte disso.
Reconheceria o Ippo Yamada na música da última fase em qualquer jogo. Ele é minha maior inspiração, já fiz musiquinhas bizarras com instrumentos digitais amadores com a mente lotada, praticamente entorpecida, de Mega Man Zero e ZX (principalmente ZX). Só não comprei os discos da SENSORS porque são quase inacessíveis hoje em dia. Também reconheci na música de último chefe mesmo que muito nervoso, ao menos até descobrir seu segredinho.

A Manami Matsumae fez um trabalho magnífico. Pra falar a verdade o que conheço do trabalho dela é na série Mega Man, mesmo, e em alguns discos de chiptune com vários artistas espalhados por aí onde tive a agradável surpresa de esbarrar em músicas dela. Nem mesmo o trabalho dela em Shovel Knight eu tinha ouvido. A começar: a música de Nitro Man em Mega Man 10 é a melhor, mais recheada e mais bonita música do jogo todo e talvez uma das mais bonitas da série inteira, e é uma das músicas que me emociona quando estou andando por aí nas noites. Isso para mim é importante porque jamais ignoro o que já ouvi de alguém quando ouço algo novo, não ignorei Nitro Man e nem ignorei o primeiro Mega Man pra essa experiência.

Alguns instrumentos dessa trilha, e a ambientação também, me lembram um pouco esses álbuns de chiptune (que nem são chiptune de verdade, são álbuns de compositores em si, ótimos por sinal) que ouvi. Essa turma do Disasterpiece, Derris-Kharlan, a Ubiktune num geral. Gosto disso. Não sei se a nossa guerreira CHANCHACORIN andou estudando um pouco as técnicas deles nesses últimos tempos, e até não sou boa pessoa pra explicar direito, porque por mais que conheça esses discos todos estacionei no Bastion na onda de jogos independentes.

Já as composições em si estão… CHANCHACORIN. É claro que nunca tinha ouvido ela com tantas armas na mão de uma vez só, ela simplesmente não teve medo de usar quantos instrumentos quis, mas o método é o mesmo. Ela não muda — tentou experimentar em Dynatron, ficou ótimo, mas acabou se tornando algo com um clima e seqüência meio semelhantes à Pyrogen do Yamada. Ainda há sempre uma melodia memorável contínua guiando a música, quase que sem cessar, considerando que as transições de uma melodia à outra acontecem imediatamente. Ela não tem pausas.

Com o Yamada é diferente. Suas músicas, Pyrogen e Aviator, dão bastante fôlego para o “fundo” da música se apresentar. Já o Tateishi compôs a Brandish que, como a tentativa geral de Mega Man 2, é uma música de banda completa adaptada ao jogo. Do Aoki já falei antes, ele trouxe algo que, não sei se por coincidência, remeteu à Akari Kaida em Mega Man Battle Network e Yoshino Aoki em Mega Man Battle Network 2.

Isso é, na verdade, mais para fins de curiosidade, porque não interessa muito esmiunçar cada faixa do jogo a não ser para os tarados que querem aprender a diferenciar os compositores ou exibir técnicas. Mesmo que não seja meu objetivo. Só empolguei. Não foi tara, foi amor, me desculpem.

De tudo isso, se fizermos um apanhado geral, o que sobra é: é Mega Man. Sem tirar nem pôr. Temos exatamente o mesmo propósito sonoro de um Mega Man. Quem gosta de músicas “ambiente” vai odiar, porque Mega Man nunca se importou em trazer “músicas de fundo”, a idéia é compôr músicas próprias que assimilam a identidade da fase e portanto potencializam a imaginação do ouvinte a respeito do que ele está passando naquele momento.

Por exemplo, a música da Dynatron não é feita para captar a tensão da fase, mas para o ouvinte conseguir imaginar uma “fase da Dynatron” quando fechar os olhos ou quando ouvir ela em qualquer lugar. Porque isso, na fase, dá uma sintonia total não só dos sentimentos, mas do próprio racional dele com o que está se passando. Isso ocorre em qualquer fase. E isso, senhoras e senhores, Mighty No. 9 faz com perfeição.

E eu amo isso.

 

Você leu um capítulo da série mighty no. 9

escrito por nubobot42 narrado por leibniz