Série: mighty no. 9

10. Concluindo

30 de junho de 2016

Se não percebeu que minha intenção não foi nem ficar elogiando o jogo, nem ficar simplesmente xingando sem propósito, não sei se o fracasso sou eu que lhe escrevo ou o senhor que me lê. Se for colocar na balança é claro que acredito que está muito bom, se alguém tentar chamá-lo de “jogo ruim, jogo mediano”, sem mais nem menos, é claro que defenderei, mas por uma situação quase política. Que raios de critérios alguém utiliza para chamar isso de “ruim” ou “mediano”? Tenho a impressão de que todos esses anos de jogos 2D independentes sem nenhuma semelhança entre si deram um nó na cabeça das pessoas e minaram um pouco a capacidade delas, a ponto delas tentarem achar uma síntese entre Sonic e Dynamite Headdy, Aero The Acro-Bat e Mega Man, Contra e Super Meat Boy. Não tem como.

Se disser “Sonic The Hedgehog 2 é melhor que Mighty No. 9” está certo, mas a abordagem para se chegar nessa conclusão está em um plano completamente diferente da comparação entre pixels na tela, técnicas de design em si. Não são técnicas que compõem a alma de um jogo de videogame. Na alma está a inteligência em utilizar não só todo o conjunto de ferramentas, mas esse conjunto de táticas de condução do jogador, integrar tudo isso ao seu espírito que precisa ter uma unidade, uma sintonia, durante a experiência toda. Você não compreendeu o Sequelitis de Mega Man X se acreditou que a essência da situação estava ali, e não no fato em si daquilo poder ser utilizado ali do jeito que foi, e possuo comigo a autoridade necessária para afirmar que caso teime comigo nesse ponto nunca vai conseguir compreender um Mega Man, nem um Azure Striker Gunvolt, nem um Mighty No. 9 — desista da Inti Creates, desista da Comcept, desista do Keiji Inafune e vá jogar seu Uncharted 2.

O que torna Sonic 2, Mega Man X e X4, Mega Man Zero 2 e Azure Striker Gunvolt melhores que Mighty No. 9 é que eles atingiram um estado de independência completa de contextos para serem perfeitos. Eles estão em si mesmos todo tempo. Não existe um momento de Sonic 2 onde você não está jogando exatamente Sonic 2. São duas únicas condições: primeiro, Sonic 2 é um pensamento perfeito; segundo, Emerald Hill é Sonic 2, Mystic Cave é Sonic 2, Sky Chase é Sonic 2, Death Egg é Sonic 2. Mighty No. 9 é um pensamento perfeito, mas existem alguns problemas na identidade visual, em elementos faltantes em algumas fases e, é claro, no chefe final (é muito importante encerrar o jogo bem), que fazem você sentir que poderia estar jogando um Mighty No. 9 mais “Mighty No. 9” naqueles momentos. Se ele fosse Mighty No. 9 em todos os momentos, talvez teríamos o melhor jogo 2D de todos os tempos, ou ao menos eu poderia chegar e apontar “HAHAHA ESSE JOGO É MELHOR QUE SONIC 2” num chat e começar a discutir feito um idiota até chegar à conclusão de que não há solução para esse dilema (isso acontece em 5 segundos agora que estou adulto, não tem mais graça).

Não sei dizer se o motivo para essa falta de perfeição foi o total amadorismo da equipe ou o fato de terem desenvolvido uma mecânica completamente nova e não tê-la dominada ainda, é provável que ambos, mas acredito que o primeiro fator interferiu mais que o segundo. Mighty No. 9 é um jogo aventureiro, cheio de pequenos experimentos por baixo de uma identidade conservadora, um autêntico jogo da Escola Keiji Inafune. Seria quase impossível que encontrasse a perfeição em sua primeira tentativa, e nem poderia ter tentado mais, só poderia ter tentado melhor.

Quem acha que “mais dinheiro” resolveria isso é um completo idiota. Quem acha que “com 4 milhões um jogo desse tinha que ser o melhor do mundo” é pior ainda. É claro que a soberba do Kickstarter destruiu as chances já quase inexistentes desse jogo ser perfeito, mas se querem justificativas, não procurem no dinheiro, procurem na realidade. O fato é que a Comcept é formada basicamente de Inti Creates. Ano passado Azure Striker Gunvolt foi portado do 3DS para PC e o resultado foi, a priori, um desastre, porque era o primeiro jogo que eles portavam para PC. O Inafune me pareceu um péssimo “tudo” para o jogo, imagino que porque ele nunca foi um “tudo” antes, inclusive quando se aproximou disso na Capcom tratou de pular fora do barco. Não é que ele não tinha dinheiro para fazer o jogo, ele não tinha uma grande equipe, pelos créditos muita coisa (beta-testing, dublagem, tradução, etc.) foi terceirizada. O pessoal precisou dar conta de diversas versões do mesmo jogo para as plataformas diferentes sem a devida experiência, um dos adiamentos foi causado por um problema com o modo online de uma das versões. Essa falta de habilidade com o tempo e seus contratempos, a falta de experiência, são coisas que dinheiro nenhum dá conta, não se sabe e talvez nunca se saiba o que realmente aconteceu nesse processo todo.

É básico. E em que isso salva a pele do Inafune, responsável pelo projeto todo? Em nada. É tudo culpa dele, como ele mesmo disse, e não é o fim do mundo para ele, e nem para quem jogou o jogo da equipe: está saindo aí Gunvolt 2 que será maravilhoso e se Deus quiser haverá continuação de Mighty No. 9 com um domínio maior da série, mais experiência com esses contratempos e, pelo amor do paizinho celeste, uma completa reestruturação nos conceitos e nas ferramentas gráficas.

Eu quero muito o próximo Mighty No. 9. Não sei se terei a mesma paciência para adiamentos (risos) porque até agora pra mim “era lucro” esses jogos da Inti e da Comcept, já que minha série favorita estava morta. Agora eles estão ativos novamente. A última vez que senti o que senti nesses últimos dois anos foi em 2008, ainda um pirralho, emulando Mega Man ZX e ZX Advent deslumbrado com cada transformação. Essa equipe ainda é composta das pessoas que mais me alegram com seus jogos, que mais me inspiram a escrever meus universos, fazer meus jogos, as minhas músicas, e agora eles voltaram a fazer exatamente isso. É claro que quero que eles continuem.

Tenho certeza que eles podem tornar Mighty No. 9 uma franquia para arrebatar uma nova infância, porque Beck já é o herói do meu pequeno irmão, assim como Mega Man era o meu. Isso é, se o Brandish não roubar seu posto. Quem reclamou da história sem entender que a personalidade do jogo era exatamente essa reclamou de bobo, Mega Man era um robô que lutava contra outros robôs que eram reprogramados por um cientista malvado e nada mais que isso, Mighty No. 9 só seguiu o mesmo padrão para semear em uma nova infância. Verdadeiros combates com projetos utópicos de universo em andamento usando até mesmo símbolos mitológicos e religiosos, como Mega Man Zero, estão em Azure Striker Gunvolt, a “cópia sem carisma de Mega Man Zero” ou, como vocês dizem agora, “o jogo da Inti Creates que compensa jogar”. E é isso.

Por fim, quero me desculpar pelo tamanho do texto, deu uma novelette, eu poderia publicar numa editora. É provável que em algum momento ele tenha se tornado entediante porque abordei todos os aspectos existentes e é quase impossível que nenhum deles seja menos relevante ao leitor. Minhas análises das fases, dos chefes, das músicas, não foram porque queria montar um FAQ ou uma transcrição de vídeo no YouTube de análises técnicas, quero que entendam nas minhas palavras que descrevi tudo isso porque admiro tudo isso, porque arrepia meus pêlos, me deixa de cabelo em pé. Porque eu amo isso. Isso se liga a mim muito rápido, não preciso ficar jogando e prestando atenção para ficar extraindo conteúdo das fases, só preciso jogar naturalmente como sempre jogo.

Minhas histórias não foram para exortar e chamar atenção “dos vacilões”, embora eu sinta um certo gostinho quando vejo pessoas condenando o jogo por defeitos que ele não tem e provo que elas estão erradas. É uma falha de caráter minha, peço perdão às vítimas. Foram para descrever o caminho que me trouxe até aqui, até essa experiência, todas as arapucas jornalísticas que fui aprendendo a desligar com o tempo para não sentir vontade de julgar o jogo pelo que ele não é.

Se convenci alguém a jogar, que ótimo, não foi a intenção mas fico feliz. Se convenci alguém a parar de xingar o jogo por qualquer besteira, que ótimo, também não foi a intenção mas fico feliz. Se você está puto comigo, tudo bem, não se preocupe, vai passar. Se você achou que só falei bobagem, tudo bem, tem seu direito, mas vai se lascar. Qual foi a minha intenção? Te apresentar Mighty No. 9.

Mighty No. 9, esse é o leitor.
Leitor, esse é Mighty No. 9: o melhor jogo que poderia e, não só poderia, como deveria, ser melhor.

 

Você leu um capítulo da série mighty no. 9

escrito por nubobot42 narrado por leibniz