Ou como a página da Wikipédia de Schopenhauer me embebedou na adolescência
Até que se prove o contrário, todo mundo que xinga Keiji Inafune é um asno.
E como se provar o contrário? Ainda não é aqui, mas já te ensino. Existe um ponto onde ele é um irresponsável e, do que sei, sempre foi. Esse ponto não é para esse tópico.
Conseqüência do próprio Inafune ou não, algo de muito errado no reino das interpretações ocorre quando ele encosta em um jogo. Pegando gancho no outro tópico, onde expliquei a importância de Akira Kitamura para a série Mega Man, temos que o fato de um robô azul ter sido imaginado e dirigido por outro rapaz durante dois jogos torna Inafune um farsante inútil mesmo sendo ele o grande responsável pelos outros quarenta e tantos jogos. Isso é grotesco.
E não só grotesco porque ofende a imagem, “ai tadinho dele”, honestamente que se dane ele. O problema é que fenômenos como esse tornam todos os jogos um verdadeiro inferno de se acompanhar. Desde sempre, sabiam?
Acompanhei “na fanbase” lançamentos da série desde Mega Man Zero e Mega Man Battle Network 2, naquela época que o emulador de Game Boy Advance ainda não funcionava sequer para Sonic Advance, ficava uma tela branca e você não conseguia ver nada (nunca soube se eu não sabia configurar ou se era problema do emulador mesmo, porque um tempão depois saiu uma versão onde começou a funcionar do nada). Não houve época onde fui mais fã de Mega Man que durante os lançamentos de GBA. Zerei toda a série Zero e a série Battle Network a partir do 3 em japonês, usando FAQ quando necessário, porque demorava questão de meio ano para sair no Ocidente e eu simplesmente não podia esperar, e fazendo 100% em tudo (sim, cheguei a completar minha biblioteca de Battle Chips em todos os Battle Network na medida do possível). E posso dizer que foi um inferno, e não só isso, eu colaborei com esse inferno.
Hoje é muito óbvio para qualquer um com neurônios que Mega Man Battle Network é uma ótima série, mesmo tendo seu jogo cru (o primeiro) ou ruim (o quarto). Hoje todos sabemos que Mega Man Zero é brilhante. Na época não sabíamos e fazíamos de tudo para afirmar o contrário.
Num período onde o masoquismo era explícito e não acobertado por milhares de camadas de ironia nós, fãs de Mega Man, estávamos jogando os jogos da série a todo vapor e ao mesmo tempo arranjando várias desculpas para falar com nossos coleguinhas de fórum e chat que eles eram uma bosta, delírios de um diretor e/ou produtor decadente. É sério. Tenho memórias lindas de Battle Network 2 ainda na infância, mas critiquei ferrenhamente a série com argumentos que nunca fizeram sentido algum.
Nós chegávamos no absurdo de falar que Mega Man Zero era só uma materialização da tara de Inafune pelo Zero. Alguns, mais sóbrios, brincando. Outros, como eu, realmente acreditando em tanta baboseira. Tudo era motivo para criticar. Se estava bom, estava ruim. Se estava ruim, estava ruim. Empolgava e zerava o jogo em um dia, era porque era tão ruim que queria me livrar logo. Demorava pra zerar, era porque não tinha saco pra jogar. E toda vez que saía aquele review dizendo “mediano” estava bom, mas poderia ser melhor, poderia dizer “horrível”. Por que isso acontecia? Eu não sei.
Não mudou nada de lá pra cá. Eu, como bom adolescente irritante que era, adorava ser “subversivo”. Isso gerou a situação mais cômica da minha longa jornada de Mega Man: chegou uma época que tantas pessoas criticavam Mega Man Battle Network, mas tantas, que resolvi, apenas para “subverter”, fingir que gostava da série. Eu exagerava muito, dizia que era a melhor série de Mega Man, e ainda argumentava a favor muito bem (eristicamente falando) a ponto de muita gente estagnar nos debates de fórum e desistir de continuar (debates de fórum, vai se lascar, como éramos inúteis).
Disso veio minha grande lição. Acabei percebendo que não estava fingindo gostar de Mega Man Battle Network, eu realmente gostava. Quando passei a remover as comparações com as séries de plataforma 2D percebi que não estava mais jogando toneladas de informação e brincadeiras de lógica tentando convencer os outros que eu estava certo e eles errados, e sim que estava sendo sincero e contando o que realmente sabia e sentia sobre Mega Man. Minha grosseria não foi movida um palmo sequer do lugar porque sou uma pessoa caipira e grossa, quem tinha mudado a percepção era eu, as palavras continuavam praticamente as mesmas mas não sabia demonstrar que não estava mais querendo ser arrogante e sim defender o que eu gostava porque, bem, eu gostava.
Isso aconteceu durante minha adolescência, na minha experiência com Mega Man Battle Network 5 ou 6, não lembro agora.
A partir daí passei a ser um espectador mais distante das expectativas das pessoas sobre Mega Man. Participei um pouco das discussões sobre Mega Man ZX. O jogo sofreu um verdadeiro massacre de todo mundo pelos motivos mais imbecis possíveis, como por exemplo “parece Power Rangers” e “não é linear”. Não entendia por que achava aquilo vazio, sequer entendia que achava aquilo vazio, mas achava. Para piorar, a emulação de Nintendo DS era horrível na época e eu não poderia testar imediatamente, e não tinha nenhum amigo com DS. Teria de ficar nas especulações.
Era horrível. Não conseguia montar uma imagem decente do jogo na cabeça para saber o que esperar, mesmo com tantas opiniões dos fóruns e da mídia, porque eles só tornavam tudo mais nebuloso ainda na minha mente. Eles criticavam um monte de coisa que eu não sabia o que significava, e eu só queria uma resposta para a simples pergunta de sempre: “tá gostoso andar, pular e atirar?”.
Quando saiu ZX Advent tudo ficou ainda mais confuso porque todos estavam a favor dele em detrimento do primeiro jogo da série. Todos dizendo que era um ótimo jogo, que não tinha nada a ver com o primeiro ZX, que era Mega Man de verdade, e não sei que, não sei que lá. Do que me lembro, eu tinha visto trailers e imagens de todos os tipos do primeiro ZX, e não tinha nada de “não-Mega Man” nele. Mas eu não tinha jogado. Como poderia saber?
Desnecessário dizer, um dia o No$GBA passou a ser um bom emulador de Nintendo DS. E aí? E aí que Mega Man ZX foi uma das experiências mais belas da minha vida. Mega Man ZX Advent também era ótimo. Completei ambos em 100%, fiz todos os modos Hard que tinham, revirei os jogos de ponta-cabeça, só estava afastado demais dos fóruns para “dar uma opinião”. E quer saber? Graças a Deus.
Depois disso, decidi ignorar tudo o que se falava de Mega Man. Foi muito fácil jogar a série Star Force assim, sem ter lido nada, sem ver pessoas reclamando que agora era Power Rangers Força Animal (duvido que não usaram essa), descobrindo por eu mesmo que Star Force 2 era ruim, mas os outros dois eram ótimos, e aceitando com humildade o risco de eu descobrir que na verdade Star Force 2 é ótimo ou que todos são horríveis.
Não foi por arrogância, tive que escolher entre duas coisas: a realidade (minha experiência com tudo até então demonstrando que era ótimo), ou a opinião da massa da internet e da mídia (que traduziam-se “você está louco, Nubobot; você está polemizando, Nubobot; você só quer aparecer, Nubobot”). Por que essas opiniões eram tão uníssonamente erradas? Eu não sei.
Aí aconteceu tudo o que aconteceu com a série: Mega Man Legends 3, Mega Man Universe, MMO de Mega Man X, e depois a saída do Inafune e tudo cancelado. Foi curioso porque ele não saiu de culpado nessa, pelo contrário, conseguiu desfrutar por alguns meses do status de “pobre funcionário maltratado pela grande malvada Capcom”. Hoje em dia alguns já dizem que a Capcom é vilã para todas as coisas mas, nesse caso, ela é uma coitada.
Bem, primeiro que eu não me importava tanto assim com esses jogos. O que queria era Mega Man ZX 3 e isso parecia não se anunciar nunca. Lembro que, não muito tempo depois do ZX Advent sair, haviam alguns boatos sobre o próximo jogo da série ser fortemente ligado às origens de Prometheus e Pandora, meus dois personagens favoritos. Aquilo sim me deixava maluco.
Quanto ao Legends 3, ficava feliz de ver as pessoas empolgadas mas eu mesmo não me envolvia; quando ele acabou, já estava anos sem receber notícia do meu xodó chamado “andar, pular e atirar”, então pra mim era só mais um sinal de que a franquia tinha morrido.
Em segundo lugar, Mega Man Legends 3 foi uma das três opções. Não tem outra, escolhe uma dessas três: 1. sinal de que os verdadeiros fãs de Mega Man nunca deram opinião na internet, e aqueles que dão são uns farsantes; 2. uma espécie de êxodo dos fãs de Mega Man, todo mundo saindo da terra da imaturidade de uma vez só; 3. um acordo muito, mas muito falso. Não tinha como não achar esquisito um monte de gente que sempre expressou um ódio debochado ao Inafune entrando euforicamente no projeto Legends 3, falando aquelas maravilhas, criando as maiores expectativas do mundo.
Processo semelhante ocorreu com Mighty No. 9. Fiz “vista grossa” pra participação da comunidade porque sabia que, se dependesse da comunidade, só sairia merda. Que raios a comunidade (de Mega Man, presumi) sabe fazer além de reclamar? Quando paguei, paguei por um jogo da Comcept com a Inti Creates. Keiji Inafune, CHANCHACORIN, Ippo Yamada, Kinshi Ikegami, etc.
Não me preocupei, sabia que eles conduziriam o jogo a não colocar “a comunidade” acima da qualidade e competência deles, e é claro que eles conduziram e estou satisfeito.
Fizeram umas eleições de escolher design de personagem, de robô, umas coisas assim. Lembrem disso quando forem condenar “o design genérico do jogo”: boa parte dele foi a comunidade quem quis. E, olha, vou ser bem sincero: a comunidade escolheu certo, acho que não existe nenhum personagem que realmente me desagrada ali pelo simples fato de que é um jogo com personalidades discretas semelhantes às do Mega Man clássico. O problema é que, no jogo, eles ficam feios, porque boa parte do tempo o jogo está consumindo toda sua GPU na árdua missão de não ser bonito.
Disso falarei depois. Quero encerrar isso daqui reiterando tudo o que disse até agora.
Já estou acostumado, já estive farto e agora não sinto mais nada quando vejo demência publicitária pra cima do Inafune. Não sei de onde vem, mas sempre esteve aí. Se o jogo estivesse perfeito, fariam um MightyGate para banir o jogo por injustiças criadas pelo gravíssimo fato de que ele é perfeito e agora nenhum desenvolvedor do mundo consegue mais dormir em paz porque não pode superá-lo. Inafune Dreameater Man.
Mega Man Battle Network 2 é de 2001/2002. Vocês entendem? Desde que estou na internet discando depois da meia-noite leio a mesma porcaria, não muda só porque agora é limitado a 140 caracteres para usuários e porque os sites de reviews decoraram os termos “fluid”, “game design” e “level design” e se preocupam mais com a cor de seu background.
Cada lançamento de Keiji Inafune beatifica todos os seus jogos anteriores para que esse possa ser xingado com mais sabor. Quem lembra de Azure Striker Gunvolt, “a cópia malfeita sem carisma de Mega Man Zero”? Ele já é “o jogo da Inti Creates que compensa jogar” agora que saiu Mighty No. 9. O que você fala diante de uma situação dessas? Um palavrão, óbvio. Gamer só pode ser doente mental.
Quem, envolvido com essas avaliações da internet que parecem ter saído direto do lixo, resolve fazer o seu ácido comentário sobre Keiji Inafune, Mighty No. 9 ou Mega Man é, definitivamente, um asno.