Poucos períodos de minha curta vida passei sem admirar as pequenas oportunidades de demonstração do que é, divinamente, belo. Estupendo. Maravilhoso. É estranho, mas parece que passei boa parte desse tempo trancafiado no sistema carcerário da própria escuridão de alma quando, em verdade, isso preencheu uma parcela muito pequena dessa existência — uma armadilha perceptiva que, por muito pouco, não levou de mim tudo o que eu tinha.
Quando tento lembrar de belezas e maravilhas, dirigem-se aos meus pensamentos momentos simples, onde o valor do que estava ocorrendo era sutil, por vezes ignorável aos demais que se encontravam ali, mas era único; era rico, tanto pela sua simples existência, quanto pela maneira que viria a preencher meu coração algum tempo depois.
Minhas ideias, hoje, são uma soma — inocente, por vezes equivocada, mas disposta — de ocorrências bem simples do passado. Embora tenha tentado encontrar explicações complexas, realizar em secreto leituras das mais diversas a fim de tentar fechar ligações fracassadas com uma realidade muito distante, creio que o que resgatou uma existência complicada foi o mínimo necessário de experiências simples, pequenos sensores irracionais que sabiam identificar o quão próximo do fundo do poço eu estava.
Tudo o que há de mais precioso nessa curta e imprevisível estadia está em momentos simples. Momentos pequenos. De poucas horas, poucas ações, poucas palavras. Eu sou um rapaz com um repertório medíocre de horas, de ações e de palavras. Sempre um repertório intelectual medíocre, mas nunca menos que o necessário.
Esses momentos talvez sejam medíocres, mas não foram menos que necessários.
Foi o amanhecer das praças, com pássaros de espécies diversas as quais não conheço cantarolando, aproveitando os momentos onde sua voz é mais forte que o ronco dos motores circulando pela zona urbana; idosos entristecidos, já abatidos por aquilo que a vida já lhes tomou, desconhecendo completamente a possibilidade de conhecer novas pessoas tão ricas em espírito, dispostas a lhe fornecer um pouco de paz em seus últimos dias. Ou, quem sabe, corretos em sua melancolia e tendo de suportar por alguns instantes um adolescente compadecido.
Foi a vida de um lago em sua harmonia nos dias comuns, onde as pessoas tem mais o que fazer. A sua disposição em refletir as imagens das estruturas humanas, de ceder seu corpo para os animais. De se aliar ao céu e, juntos, se tornarem com tanta aceitação parte de uma orquestra com a duração de uma tarde inteira.
Foram as noites tristes, com pessoas em sua natureza mais pecaminosa, tentando de seus jeitos tortos e visivelmente sem direção confortar um coração abalado. Foram as noites de conflito, onde a própria morte mostrou sua face e atraiu a alma com suas melodias melancólicas, violentas e dissociativas.
Foram os amores corrompidos, trocas de possessividade, onde utilizava-se correntes de almas pobres e inflamadas incapazes de superar a depressão, a loucura e a lascívia. Foram, principalmente, os momentos das correntes.
Foram os desastres na frente do gol. Foi a vingança pelos desastres na frente do gol.
Foi a lágrima escorrendo e caindo, enfim, em um pedaço de comprimido. Foi a falta de esperança humana de todos diante daquele momento; foram, algo que não vi mas tenho certeza que ocorreu, dois joelhos no chão e muitas outras lágrimas após aquele momento.
Momentos simples, que talvez não façam muito sentido não sendo vividos, mas que definiram muita coisa de uma existência medíocre. Insignificante, mas grata.
Poucos minutos ou horas que ensinaram: a compaixão; a existência de Deus, o seu rosto na natureza e sua impressão digital no coração humano; o dever divino e inescapável da misericórdia perante ao pecador, combinado com o compromisso de aprender humildemente a não se contaminar com seu pecado; a aceitação e apreciação da própria existência; a violenta luta diária contra as armadilhas do próprio corpo; o perdão sincero como única ferramenta restauradora de um conflito; e, por fim, a dependência e confiança no que está acima de qualquer compreensão.
Lições difíceis de serem seguidas à risca; em uma jornada de vida, aliás, impossíveis de serem seguidas à risca antes de uma escadaria enorme — de alguns setenta anos — de aprendizado. Mas lições que, por causa de situações de alguns minutos, estarão cravadas no meu coração e gritando durante todo o resto da minha existência em um mundo material.