Tenho muitas opiniões sobre todas as questões que circulam o tema “missão na África” mas, sobre missão em países da África, curiosamente, não tenho opinião, mesmo porque já fiz “missão” em um país mais ou menos nessas condições. Foi justamente ela que me despertou tantas questões.
Não foi africano, e não foi missão, missão, porque o país em questão proíbe missões, proselitismo, então foi turismo com pessoas da igreja para conhecer a cultura. Na Índia. Inclusive, parte da cultura que conhecemos que mexeu muito comigo foi a colonização britânica e como isso tudo está sendo revertido.
A luta de Mahatma Gandhi, o maior pacifista de todos os tempos, foi contra o cristianismo. Talvez não contra a religião em si, mas contra as estruturas construídas pelo evangelismo imperialista. Não sei o quão preciso estou sendo historicamente, mas foi o que vi e o que me contaram por lá. E, observando seu processo de evangelização, não sou capaz de dizer que Gandhi estava errado. Muita gente vai para a Índia e fala que fica assustada com o clima, o ambiente, os cheiros, as grandes diferenças culturais. Religiosos dizem sobre “os espíritos”. Realmente, tudo isso existe, mas o que mais ficou impregnado em mim, a longo prazo, foi essa questão: adianta de que evangelizar um país através da opressão, seja pela guerra, violência direta, ou seja pelo genocídio cultural? Uma hora a conta vem e as pessoas, que não conheciam o cristianismo, passarão a odiá-lo.
Mesmo nos países da África: a primeira geração pode até bater palma para a pessoa que chega e dá comida, dinheiro, dá condições para pessoas se desenvolverem. Mas, se essa estratégia contiver instrumentos de “branqueamento” da cultura, extermínio da identidade africana, uma hora a conta vai vir. A terceira, quarta geração, desses países em situação de miséria, não será de trabalhadores braçais conformados, será de pensadores, antropólogos, historiadores, entre outros, e a primeira coisa que essas pessoas pensarão é: os que nos deram comida foram os mesmos que, séculos atrás, tiraram nossa dignidade.
E, enquanto eu estava na Índia pensando sobre isso, o Bolsonaro foi eleito aqui no Brasil. Aí abri bem os olhos e percebi que estava pensando sobre cristianismo genocida cultural na Índia, no continente africano… Parecia tão distante, sabe? Só que o cristianismo genocida cultural é, antes de tudo, a nossa realidade brasileira.
A minha conclusão catastrófica sobre tudo isso, na época, foi: o catolicismo não sei, porque não é só uma religião mas uma estrutura de poder tradicional do Brasil colonizado, já o protestantismo vai morrer no Brasil. Hoje não sei se ainda continuo com essa conclusão catastrófica, com tantas teologias novas fortemente contextualizadas ganhando força, mas uma coisa sei: essa é a última geração de igreja protestante “tradicional” no Brasil, que ainda se resume àquela coisa de viver seu mundinho santo fechado e excluir da vivência o “secular”. Filho de ninguém mais vai viver isso.
Meu palpite é inclusive que, a partir da pandemia, a igreja protestante tradicional no Brasil já esteja começando a precisar dedicar tanto esforço para reter fiéis antigos que não sobrará fôlego para conquistar novos fiéis. Por outro lado, está sendo natural a conquista de novos inimigos.
(por “tradicional”, por favor, não entenda a Igreja Presbiteriana Independente de não sei das quantas onde o pastor tem sintonia com a realidade, é aberto a teologia negra, teologia queer, se desconstrói, reconstrói, só porque ela tem “presbiteriana” no nome. Estou falando sobre a de comportamento tradicional)
Acabou a história dessa igreja no Brasil. Ela finalmente fechou todas as alianças, mesmo que através de pacto de silêncio, que precisava para fazer com que se torne importante para a sobrevivência da cultura brasileira a eliminação da igreja protestante. Mesmo essas igrejas não-tradicionais sofrerão com isso.
Da mesma maneira que, hoje, na Índia, é de suma importância para qualquer governo nacionalista a proibição sistemática do cristianismo. É esse o processo que o Brasil está começando a viver agora.
E… observando nosso processo de evangelização… não sou capaz de dizer que quem fizer isso estará errado.
~gamaliel, “clube dos combatentes do inferno ~ hegel e schopenhauer, debaixo da árvore, ~se beijando~ ii: Deus e o mundo”