Ando achando interessante demais ver o dia todo uma cultura de “valor a vida” que parece bem bonita, sensata e legal, mas é só uma máscara que cobre uma justificativa dos próprios valores a partir da depredação dos valores dos outros. Esse post não tem o caráter que costumo empregar nos meus posts, porque é direcionado a um grupo de pessoas – eu nunca escrevo pra pessoas, mas hoje eu tive vontade. Não tem o caráter que costumo empregar nos meus posts também porque é um tanto agressivo; mas juro, não tenho intenção de atacar ao grupo, eu só queria fazer o “alvo” pensar bem a respeito, em especial porque estou vendo um monte de besteira acontecer por conta desse tipo de raciocínio.
Será rápido. Eu prometo.
Será ridículo. Eu não nego.
Mas eu queria muito.
(quem acha que não cai no meio, que tome cuidado para nunca cair)
Vocês não sentem nojo dos seus discursos quando falam de pessoas que se ajudam, que tem amor ao próximo, que entendem o próximo, que apoiam ao próximo, que não reclamam do próximo e das circunstâncias, com um grande enfoque na parte que diz que quem faz isso gente boa, forte e de sucesso (“ai… certamente que nem eu”) e quem não faz isso é ruim, fraco e fadado ao fracasso? Vocês conseguem perceber o tanto de furos que existe em fazer textos “motivacionais” para exaltar um certo tipo de pessoa e menosprezar outro tipo, enquanto tenta falar que “essa pessoa boa” é a pessoa que se importa, que compreende? Isso não é nem uma visão muito baixa do que é compreensão, é o extremo oposto de compreensão – ISSO é incompreensão, isso é a falta de honestidade, e isso em especial é o que machuca muitas pessoas. Impressionante como o “cuidado com as palavras” é visado, mas esse tipo de conteúdo, um dos mais arriscados, passa pelo “filtro” de vocês.
Eu posso falar por experiência pessoal que, enquanto no meu período de depressão (que na verdade eu só torço pra que tenha passado, mas não vem ao caso) ou durante os meus problemas com meus transtornos, eu nunca fui ajudado por pessoas que “querem vencer na vida”. Nunca “o cara focado” me perguntou se estava meio complicado o dia. Nunca sentou comigo gente “boa” pra me deixar falar o que está acontecendo, não entender nada, mas dizer que mesmo assim estava lá pra fazer alguma coisa (e realmente estava). Nunca chorou comigo um “forte”. E não é porque a pessoa que vence precisa atrapalhar os outros, não é porque a pessoa boa não tem tempo, nem mesmo porque os fortes são implacáveis – vocês não pregam isso e, no fundo, por Deus (ou quem você quiser) misericordioso, não fazem isso.
É porque a pessoa que vence é contraditória, ela não necessariamente sabe o que quer. Ela diz que quer ajudar o próximo, quando diz que o próximo é medíocre – existe sempre o bem e o mal, existe sempre o indivíduo que deve ser bem-visto e o que deve ser mal-visto. Ela não te trata como alguém que precisa da ajuda dela, que precisa da força dela, que precisa do caráter dela, que precisa da bondade dela; ela te trata como o perdedor. Ela prega que juntas as pessoas vencem, mas não sabe identificar quando o indivíduo está precisando desse apoio do coletivo – é mais fácil inclui-lo no grupo de pessoas más.
Não posso negar que existem atitudes boas e atitudes ruins, aliás, isso é evidente, estou aqui falando disso. No entanto, já que muitas pessoas que “vencem na vida” são cristãs (afinal, muitos brasileiros são cristãos), façamos uma analogia com o que na Bíblia é dito sobre não amar o pecado mas amar o pecador – não é depreciando aquele que você acredita ir contra o que é bom, não é colocando na posição de perdedor aquele que não segue um ideal supostamente bom, é colocando-se na posição de seguidor de seus próprios ideais (ou talvez o de alguém que lhe serviu e te traz satisfação) e encerrando seu discurso por aí. Não se brada contra outra pessoa, não se machuca outra pessoa. Se você “vence”, justifique sua vitória mostrando-a, não categorizando aquele que é diferente; prós e contras você usa para seus projetos, pessoas não são projetos, se acredita nisso ou você nunca interagiu com uma pessoa ou nunca interagiu com um projeto.
“Vença” ajudando seus “perdedores”. É assim que você compreende que todos são fortes. É assim que você ama o próximo como diz amar e, além de estar mostrando sua força, estará a multiplicando com a de outras pessoas que te cederão a delas sempre que for necessário.
E se não quiser, pode continuar com o mesmo discurso de sempre. Pode continuar ditando quem é o bom, quem é o ruim. Só esteja ciente das mentiras que está contando e das pessoas que pode estar ferindo.
Pessoas são frágeis; não algumas, todas, inclusive você. Tome cuidado também para, lá na frente, não acabar se machucando com suas palavras de hoje.
(P.S.: eu gosto do Geração de Valor, só vejo muita gente incorporando o site “pelas metades”)