Sรฉrie: yasu

yasu ii

6 de julho de 2018

 

transformar o melhor momento de nossas vidas em meras palavras parece tirar o gosto de “melhor momento”. é mais um momento. mais um registro. mais um memorial. mais um muro de pedra que talhamos com muita força, sendo que em muitas vezes nem era necessário tanta força assim. eu gosto de cozinhar. mas não gosto de cozinhar comida, na verdade se me perguntar sobre comida eu te direi que não sei nada sobre comida, só sei comer. eu sou uma escória, se você é o tipo de pessoa que diz que é importante comer direito, é importante saber comer, é importante dominar a arte da cozinha, eu me rastejo pelo chão buscando conhecer o gosto do que está na minha frente sem sequer cogitar como poderia manipular elementos ao meu redor para criar algo que, no final das contas, é mais do mesmo mas de uma forma única.

eu gosto do que as pessoas tem para me oferecer. não gosto de oferecer para as pessoas nada se não o privilégio de deixar as pessoas me oferecerem o que elas querem. central de comando para o leitor, central de comando para o leitor. quem é você?

quem é você?

já se conectou hoje?

eu poderia dizer sobre a vontade de me conectar às pessoas como um martírio ou como a minha própria natureza, mas prefiro procurar algumas imagens de milhares de cabos mal-colocados em computadores enormes que, no final das contas, funcionam, e ninguém entende como funciona, e sempre virá um funcionário do departamento de tecnologia da informação mesmo que você não esteja trabalhando, mesmo que esteja na escola, mostrar pra você e dizer “o mais incrível é que isso funciona”. o mais incrível é que isso funciona. eu serei seu funcionário de tecnologia da informação, mas não se preocupe, não vou te cobrar rápidas conexões nem mesmo vou te cobrar algum tipo de conexão. isso não é um treinamento. isso é um treinamento. não é um treinamento de imagens e coisas que vão acontecer, é um treinamento de palavras que vão se formando na mente querendo dizer alguma coisa que tenho certeza que não sou capaz de entender o que é, e você não é capaz de entender o que é, e nós não entendemos absolutamente nada do que eu digo. a liberdade completa. o mundo de solidão.

a pergunta que te faço e continuo te fazendo. quem é você?

eu sinto muita dor. eu, yasu, muitas vezes caio no abismo de acreditar que sou um resultado e não um agente. de acreditar que as coisas estão determinadas para ser, segundo as coisas que já aconteceram, como se fosse eu esse dono rigoroso e até meio tirano do tempo dos propósitos. do tempo que não se passa no relógio, mas nas alterações no fluxo sanguíneo que raramente conseguimos realizar, se conseguimos realizar, se acreditamos sermos capazes de realizar. isso é um treinamento. o mundo não é lá muito consistente na minha cabeça, ele é uma desculpa muito esfarrapada para eu dançar e cantar, adquirir recursos para dançar e cantar, eu não quero muito mais que isso porque não vejo muito sentido em muito mais que isso, as minhas palavras são um mar de perdições e tragédias e meus sentimentos jamais se encontraram nesse lugar.

eu gosto de me divertir com pessoas que levam a sério coisas que jamais cogitei levar a sério. eu não levo a sério maior parte das coisas. eu não levo a sério conceitos, não levo a sério palavras, não levo a sério sentimentos, não levo a sério o passar dos segundos e também não me levo a sério. mas, propositadamente contraditória por não levar a sério conceitos, levo muito a sério tudo isso. eu gosto de levar a sério o quanto as pessoas levam a sério o que não levo a sério. e, se me perco, é porque acabo descobrindo que não sei o que significa levar a sério, porque não é tão “a sério” quanto eu imagino que seja e, talvez, isso signifique que as minhas brincadeiras são sérias o suficiente para se considerar que levo tudo o que pareço levar na brincadeira, na verdade, a sério. palavras. palavras. palavras. elas dizem tanta coisa, elas dizem tão pouco. os olhos dizem muito mais que as palavras mas, por isso mesmo, gosto do sabor de trocar palavras sem olhos, sem os gestos, sem as reações corporais vindas da nossa naturalidade comunicativa ou quem sabe da anormalidade ansiosa de uma constante suspeita, não porque não goste de nada disso mas porque, despidas do que é realmente forte, as pessoas podem se apegar à segurança de não quererem se comunicar limitadamente e encerrarem esse tipo de contato por conveniência.

por que não o todo? por que o limitado? elas se perguntam. elas me perguntam. elas rastejam em agonia, sentindo falta do movimento dos meus lábios, sentindo falta de ver a inquietude dos meus balanços e cruzadas de pernas, os sinais, os sons dos meus sapatos batendo no chão, os meus olhos que vem-e-vão para seus olhos e seus próprios gestos corporais, o meu sorriso que oh! como eu gostaria! que entendesse que significa um acúmulo de nervosismo com agonia com “pelo! amor! de! Deus! diga que não estou enganada. diga que não estou percebendo mais do que realmente é. diga que não são vãs as palpitações descontroladas do meu coração” com viagens de milhões de anos em um universo só meu que, em um relógio estúpido e humano, dura aproximadamente cinco segundos. mesmo assim, é tudo sobre matemática. eu tenho uma alma minimalista. “lo-fi”, os garotos diriam. quem não me conquista no pouco, o meu muito não deve ter. quem não sabe lidar com um radical não sabe lidar com seu oposto radical e eu, oh my darling, sou uma pessoa de radicais. você não vai ouvir minhas palavras? você não vai ouvir meu silêncio. o som da minha respiração, que tanto amo, não possui o significado que desejo longe do conhecimento básico da linguagem que alicerça a minha alma.

conexão tem a ver com emitir sinais e receber sinais. eu, ó meu amável leitor, ferida pelos instrumentos da comunicação humana, ferida por intensos momentos que se tornaram apenas mais momentos, não estou nem minimamente interessada em comunicações com aparência de certeza mas essência de mentiras. daqui, do que se assemelha tanto a uma nave espacial, infelizmente só posso viver sustentada na emissão e recepção de sinais. “eu só queria isso! é tão simples!” mas a mim, oh não, não é simples e, se quis que fosse simples, já não mais o quero. já não mais cedo às cordas frouxas das concessões às fraquezas de outros, se são esses outros que deverão adentrar as portas do meu coração e não meros espectadores da minha patética e em constante desconstrução e reconstrução superfície, e guardo um rancor incontrolável mas que monto forminhas bonitinhas para que se manifeste adestradamente da completa incompreensão das minhas rígidas regras de comportamento que enquadram as pessoas e suas loucas mentiras e fantasias para se adequarem a um mundo que nunca aceitou ninguém e desejarem, impotentes, que me enquadre a esse mesmo mundo se, um dia, já fui uma reprodução legítima desse mundo e o resultado foi um frio canto-de-quarto em posição fetal buscando a mim mesma e descobrindo ser tudo aquilo que eu fugia de ser. as vozes, estonteantes, gritando “por que?”, gritando “para que?”, me perguntando “quem é você?”.

e é por isso que te pergunto. todos os dias. quem é você?

e é por isso que as pessoas, a mim, me parecem distantes. e não gosto que estejam muito perto porque meus olhos as desnudam, não de uma maneira prazerosa-porém-tarada e sim de uma maneira clínica onde vejo suas deformidades tão-espirituais-que-se-tornaram-físicas. meus ouvidos são como uma enciclopédia de timbres e tons e seus significados ocultos que entregam a mim tanta! mas tanta! coisa! e torna tudo muito injusto porque aquilo que não era para saber sei, e aquilo que gostaria de saber não sei, porque existem coisas que estão na camada do “desejo-revelar” e nunca! nunca! serão captadas nas sombras do “por que descobres coisas que nem eu sabia?”. minhas mãos, trêmulas, transmitem a minha tensão aos corpos que toco e fazem-os ceder, sentindo uma falsa segurança de estar em contato com algo que está falsamente frágil e delicado, e torço para que nunca aperte com força a minha mão porque talvez, e só talvez, ela grave os trechos das palmas das suas mãos e então terei a sensação de que, todos os dias, naquele mesmo horário, os trechos das palmas das suas mãos estão juntos aos trechos das palmas das minhas mãos como se fossem um só, e então me perguntarei por que isso está na minha mente e não no plano físico numa realidade concreta e então ficarei triste e, talvez, sorrirei tentando fugir da expressão na verdade vazia que tenho dentro de mim ao saber que tudo o que quero está tão longe de tudo o que tenho, porque sempre me ensinaram que atravessar a rua era algo que se fazia segurando mãos mas nunca me deram as mãos para segurar. os meus pés, tão inquietos, não se contentam em não montar um ângulo com precisão quase digital, sabendo que podem perceber que nunca aprendi a andar em sintonia com o ambiente, porque acreditei que havia uma sintonia no ambiente a qual devia seguir mas, surpresa! descobri que a sintonia está em não se preocupar com sintonia alguma mas, lamentavelmente, descobri tarde demais. é por isso que as pessoas me cansam. é por isso que eu, mais do que qualquer outro, sou uma pessoa que cansa e se cansa.

e a presença das pessoas dói. e dói. e, se quero a distância, se tenho esse medo inexplicável que me faz ficar presa dentro de mim mesma, fico noites e mais noites me lamentando em vão que isso nunca será respeitado, quanto menos compreendido. pela falta da linguagem, que em vão tento construir. pela dor da prisão interior, onde guardo memórias dos monstros lá fora e de homens e mulheres que, inconformados com o fracasso de abri-la, optaram por se tornar apenas novas espécies de monstros.

agora você está aqui, ao meu lado. me observando cutucar a lama com um galho seco, ouvindo alguns ruídos que vêm de lá de fora, do outro lado das grades. é escuro, não é? não parece ter algo lá fora, mas aproxime a cabeça das grades e o ouça vindo em sua direção. talvez esteja assustado e devo dizer que compreendo você. talvez sinta fome e posso dizer que, se é mentira que não sinto fome, é verdade que já não me importo mais com ela. o estômago ronca e o que penso é “se sobrevivi ao dia de ontem sem comer, posso sobreviver ao dia de hoje também”. e sobrevivo, não sobrevivo? se eu estiver morrendo… é melhor que não me prove que estou morrendo. porque, afinal, quem é você? porque, afinal, você realmente se conectou hoje? e onde somos tão diferentes?

eu tenho um sonho. vários, pra falar a verdade. esse, talvez, seja um deles. talvez não seja nem meu. eu adoraria uma análise sua, mas odeio análises, odeio a sua capacidade de analisar, odeio que você esteja tirando conclusões e, de acordo com as minhas análises, sei quais são as suas conclusões e, para a surpresa de ninguém, odeio suas conclusões. mas, posso lhe dar uma certeza: a linguagem é minha, as palavras são minhas. e, se disser para você começar a gritar por ter entrado em contato com o meu mundo de solidão, é provável que você grite. e então, pela primeira vez, você pode me perguntar “quem é você?”. mas a resposta para essa pergunta, na verdade, é a própria pergunta, não é?

quem é você?

 

 

Vocรช leu um capรญtulo da sรฉrie yasu

escrito por nubobot42 narrado por yasu