Ando sentindo uma falta de necessidade de buscar informações sobre o motivo de manter um relacionamento com Deus. Ando achando que não tem motivo. Não precisa de um. A existência é o motivo; na verdade, é o contrário, o motivo é o que leva à existência.
Anda se tornando simples entender uma oração. Sem nem mesmo ler nada. Ando entendendo que tudo isso é bonito, é edificante, e que é necessário quando falamos sobre pleno propósito e que Deus não nos trouxe nesse mundo para explorar apenas o que já foi explorado. Mas dizer que é indispensável, que é impossível compreender a realidade ao meu redor sem esses livros usando-os como leitura imediata e a meu serviço, isso estou sentindo que é um erro. A Bíblia não está a meu serviço, eu estou a serviço dela. Se um dia meus meios de acesso a ela forem tomados, é preciso que eu saiba vivê-la sem precisar ler um versículo sequer.
Venho observando muito o que é orar.
Querendo entender mesmo, o que acontece ali, naquele momento. Naquele período da noite antes de dormir, deitado na cama, abrindo a boca e liberando tudo o que aconteceu durante o dia, o que penso daquilo e perguntando onde errei, onde pequei, onde fui protegido, e todas as outras perguntas que ficam apenas entre eu e Ele; naquele período da manhã onde caminho; nos tempos onde o trabalho está pesado demais, os estudos estão cobrando demais, onde minhas relações pessoais não estão bem como desejado e eu já corro para perguntar, conversar ou até discutir.
Uma observação que está durando meses. Não é um “negócio” que fechei com Deus, “vamos aí, vou orar bastante e você vai me explicar”, embora algumas vezes no passado eu já tivesse tentado barganhar com o Pai diversas necessidades pessoais que se provaram lixo existencial; Ele deve ter se divertido muito. Eu só vinha orando bastante e notei que algo muito interessante ocorria ali, aí quis futricar mais — provavelmente acabarei conhecendo boas obras para ler em breve, mas sou teimoso, gosto muito de sentir e ouvir as coisas antes de ler sobre elas.
Observo muito Ele até onde posso, tipo aquele filho intrometido que vê o pai fazendo algo interessante e resolve ficar de olho pra ver se aprende. E vou até onde o Espírito alerta que não é para mim, não é da minha conta e aí tenho que cessar. Vá, já me confessei ao Senhor e aos meus amigos. Sou um cientista da natureza, quero saber como as coisas são e tive o privilégio de descobrir que, para isso, não adiantaria saber como as coisas são, e sim como elas São. Sei disso desde que comecei a sentir sobre o tempo e sobre a grandeza da natureza (em textos bem ingênuos, ainda mais do que o que escrevo hoje, mas que considero bem gostosos pelas lembranças).
Eu sou um bobo, mas não tenho nada a perder, sei bem a quem estou servindo.
E então, como muitas pessoas já devem ter descoberto, notei que a oração é uma auto-exploração. Uma auto-ciência, assim dizendo. E tem a capacidade de criar no coração espaço para anseios os quais ele ainda não está preparado hoje.
É uma jornada que Deus nos permite fazer no nosso próprio ser, abrindo e trazendo à luz espaços inexplorados, mostrando que tipos de monstrinhos estão criados ali dentro, como expulsá-los e como deve estar o lugar para acomodar o que está vindo por aí. É muito simples. Nós, como meros seres humanos, temos o costume de pedir muita coisa numa oração, de até mesmo depositar nossas ambições pessoais ali — o que é certo porque, oras, se não pudermos confiar nossos sonhos nas mãos do Criador, vamos confiar em quem? Jogar sonhos ao tempo é pedir para que o tempo o carregue, leve para bem longe, até que suma no horizonte — e aí Deus, com toda a sua sabedoria, responde na hora.
Sim, na hora. Ando suspeitando que nunca é depois, que a resposta da oração é sempre imediata, só precisamos fazer um esforço para ouvir: ele toma para si as sementes que estamos jogando e se compromete a fazê-las frutificar, desde que nos comprometamos a regar, conforme ordenado; o erro nosso está em querer colher aquilo que sequer semeamos, ou em querer chegar todas as noites perguntando “e aí Deus, cadê o fruto?” quando a planta claramente está precisando de mais água, ou, também, plantar bananeira pensando em colher maçã.
Só que, na oração, regar está intimamente ligado ao que mencionei anteriormente, de criar espaço no coração. É injusto fazer um pedido aos céus sem uma oração plena, é ela quem solidifica a importância que você dá para o que está pedindo. Isso chega a ser tão lógico que parece um algoritmo. Se a oração é o período de intimidade com Deus é claro que só o que é intimamente importante será mencionado ali — não em sua forma, mas em sua substância — , então ou você vai transformando o mero desejo num desejo íntimo, que vai se unificando ao coração de Deus, ou o descarta de uma vez.
E, embora tenha sido fácil exemplificar com os nossos desejos, essa “fórmula” — que não é fórmula coisa nenhuma, já que existem várias palavras no parágrafo acima que atestam a exclusividade de cada relacionamento com Deus — existe em várias outras áreas.
É porque os espaços do seu coração só podem estar em dois estados: em trevas ou em luz. Em luz, Deus age. Em trevas, está a mercê dos lobos da noite. Entregar problemas a Deus, em oração, é trazê-los para a luz, mesmo que seja a priori da sua maneira estapafúrdia; é declarar espiritualmente que aquele lugar pode estar cheio de monstros mas a luz está autorizada a alcançá-lo, a expô-los um a um e lembrar que, mesmo que você esteja morrendo de medo deles, confia que Deus e seus anjos estarão afrente e não lhe deixarão na mão. Mesmo que demore, mesmo que custe caro.
Que, aliás, é mais uma implicação da oração. A exploração não ocorre só. Não é você por você, é você e Deus. A oração é, também, um reconhecimento de que você não deseja fazer toda essa jornada sozinho, melhor, não pode fazer essa jornada sozinho. Seu coração não é tão subversivo a ponto de se esforçar para identificar o que ele mesmo se esforça para evitar identificar — se você não tem o real e sim apenas o contato como referência, a sua dependência fica no próprio coração, que Jeremias 17:9 diz muito bem como é.
Ou seja: a oração, dentre outras possíveis identificações, é uma jornada onde você determina onde quer chegar e com quem quer chegar.
Não me entra na cabeça como alguém pode metodificar isso, como podem tornar isso uma “obrigação” ou “lição de casa”, embora não diga de peito estufado pois sei que, se não entendo hoje, é porque pode ser um perigo amanhã. Entendo sim que novos ingredientes sejam interessantes na jornada, assim como cada aventura precisa de suas armas específicas e cada relacionamento precisa crescer em sua visão, mas daí para virar uma rotina desinteressante de leitura me parece a mesma sequência de acontecimentos que transforma um bom marido em um homem que diz aos outros “bom era quando eu era solteiro, que não era escravo da minha mulher”.
No fim, tenho certeza que, mais de 2000 anos que o Verbo se fez carne nesse mundo que jaz no maligno, alguém já escreveu uma observação nessa linha até mais completa. É provável que eu vá procurar em breve, também, porque não sou tão teimoso a ponto de ignorar o que os outros escreveram, já que Deus não me fez pra ser mau caráter.
Só gosto muito de quando Deus diz pra Moisés o seguinte: “Eu Sou o que Sou”. Daí eu sou o filho pirracento que chega “ah mas pai me mostra que você É o que É”, e aí o pai vai e mostra que É o que É, e só depois explica que um monte de gente já viu, mas menino só entende se o pai mostrar.
Sobre a oração, foi muito bom ter descoberto tanta coisa assim, pedindo ajuda e tateando. Não vejo como crianças e adolescentes espirituais poderiam compreender verdadeiros tesouros da fé se mal saíram da fase de engatinhar e não aprenderam a ler ainda e, embora pareça uma crítica a muitas pessoas — e sei que vai ressoar em muitas pessoas — , só consigo dizer isso olhando para eu mesmo.
Foi muito bom descobrir que a oração não tem bem uma “serventia”, mas que é uma intimidade tão gostosa, um universo tão pleno, que ficou fácil entender o que significa “vida eterna”.