SΓ©rie: marina

Marina IV

14 de julho de 2013

Era um ambiente escuro, quase impossível de se enxergar qualquer coisa. O que se sabia era que haviam quatro rapazes em volta de uma mesa, e vários objetos em cima dela. Havia bastante gente no lugar, mas não eram relevantes e eram tão difíceis de se ver quanto aqueles quatro rapazes importantes naquela mesa.
– Cara, esse negócio de mulher… Ah, mano, pra mim não dá. Eu cansei. – disse um deles, desanimado, enquanto tirava um dos objetos da mesa e trazia para si. Muito provavelmente uma caneca com alguma bebida alcoólica qualquer.
– O que aconteceu, Roberto? O que a Lia te fez? – perguntou outro, talvez tão desanimado quanto.
– Que fique entre nós, que somos melhores amigos. Mas é… caras, descobri que ao clube dos chifrudos sou bem-vindo. Fui buscar aquela morena no trabalho dela esses dias, fazer aquela surpresinha, e aí… aí…
O rapaz começou a chorar. Caiu com a cabeça na mesa e a envolveu com os próprios braços, para que não fizesse muito barulho nem conseguisse ser bem observado – o que não aconteceria com tão pouca iluminação, de qualquer forma. Os dois homens que estavam mais próximos colocaram a mão nas costas dele como sinal de apoio, também tristes, era difícil julgar se algum deles sabia o que era aquele sentimento, mas o fato é que todos sabiam o quão triste era e, como amigos, sabiam o que deviam fazer.
– Ela… ela… o patrão dela… ela… – murmurou, ainda dentro das paredes que tinha formado com os braços – ELES ESTAVAM DAQUELE JEITO QUE, QUE… AH, VOCÊS TÃO LIGADOS! – e caiu definitivamente no seu poço de lágrimas, enquanto os amigos tentavam o tapinha nas costas, o “abraço hetero”, enfim, o que tinham em seu arsenal de conforto no ciclo de amizades masculino.

– Tá tudo bem, cara. Tá tudo bem… acho até que seja coincidência, porque eu também descobri esses dias que estou sendo… ah. Na verdade nem tanto, mas eu estou muito triste também.
O amigo abalado se recuperou um pouco para ouvir, afinal, era seu “brother”. Poderiam compartilhar os sentimentos depois, juntos, sabendo de todas as informações.
– O que aconteceu com você, Richardney? Também tomou um chifre? – disse ele, embora com combinações de palavras engraçadas, seríssimo.
– Não, não… Eu terminei com a Aninha. Na verdade, ela que terminou comigo. – respondeu, já começando a falar um pouco mais mole – Eu… pra falar a verdade, eu não queria, mas… mas… mas…
– Por que ela pediu pra terminar?
– Calma, Leonardo, calma. É que, vocês sabem, desde que nos conhecemos a Aninha sabe que é bissexual. Eu achava até divertido conversar com ela a respeito das gata e das draga, e pegáveis ou não, afinal era só brincadeira normal e ela tava na minha e eu tava na dela e nóis se tchum… entende… mas ela ficou perdidamente apaixonada pela minha vizinha, e chegou em mim, na humildade, tá ligado, e pediu pra gente terminar e falou que não queria explicar, aí eu forcei a barra e ela me contou. Inclusive ela e a vizinha tão firminhas. É muito difícil, eu acho que vou ter que me mudar, o sentimento é forte demais… eu ainda… ah…
E começou a chorar também, juntando-se ao seu amigo.
– Véio, ela te trocou pela outra mina mesmo na cara dura?! – disse Roberto, bastante confuso e num tom um pouco obsceno. Não com intuito de rir do amigo, afinal, estavam na tristeza juntos, mas sim com relação à mulher.
– Respeita as parada dela, mano. É dela, ela que tem a ver com os bagulhos que ela faz só. – ficou mais sério no meio de seus choros, mas continuou a lacrimejar – Mas eu confesso que é muito triste… e um pouco diferente, o sentimento de ser trocado assim… eu não sei, cara. Ela não tava errada. Mas é muito triste mesmo. Mesmo mesmo mesmo, tá ligado. Eu amava tanto ela… O mundo é injusto, mano, é isso que o mundo é.

– Nessas horas eu fico um pouco menos triste de me sentir tão sozinho. Faz seis anos que é só na amizade o bagulho mesmo. Eu tô preocupado, já tô chegando aos trinta e parece que nunca mais vai chover na minha. E pior que a minha ex tá lá, casada com aquele desgraçado que levou até meu filho. É tudo tão complicado… vendo vocês assim, eu tenho que falar, dói demais mas é melhor desse jeito mesmo. Eu podia ter terminado com ela quando tava, sabe, bem antes de pensar em ter o moleque. É bom que dá alegria e tal, mas bicho, que coisa ruim só ver ele quando ela tá de bom humor, tá tudo errado. E meu dinheiro que eu me estresso dia e noite pra ganhar, às vezes de madrugada, vai tudo pra ela festar com o “maridão”.
– Cê parece nem se abalar mais tanto com isso Zé. – disse Leonardo, estranhando bastante – Quer dizer, eu…
– Eu entendo o ponto, Léo, mas eu já nem… tchun mais, tá ligado. Grandes bobagem eu falar um monte, chorar um monte, essas coisas, sendo que nunca mais vai mudar. O moleque tá crescendo, tá chamando o cara de pai já, eu sei lá. Minha tristeza é diferente. O que eu queria era poder superar isso tudo, mas tá difícil… mulher pelo visto nunca mais… as novinha que vocês arranjam pra mim só quer brincar e as mais velhas já tão tudo casadas, é foda. E nem é importante isso, meu, o meu negócio é crônico, os dois é que precisam do apoio agora.
– AH, mas eu preciso t-também. – disse Leonardo, de repente começando a gaguejar e soluçar também.
– Meu deus mano impossível a tua mina ter feito alguma coisa com você, ela não fica sei lá numa casinha de boneca? – retrucou Roberto, sempre “daquele jeito”, apesar de ainda engolindo as próprias lágrimas.
– Respeita a Marina pelo amor de deus que isso não é hora ô suíno roliço!!! – Léo já ia partindo pra cima dele, mas Zé segurou, sempre interrompendo essas tragédias no grupo de amigos.
– Pelo amor de deus, Rob, isso não é hora mesmo. Deixa o cara falar.

– É que eu também fui trocado… Pode não ter sido tão choque que nem vocês, tá ligado, mas é ruim demais, meu. Ela manja desses negócios de tecnologia aí todo mundo fica vendo no Face, nas redes sociais esquisitas dela lá, é bem isso meu, tá ligado? Então. Faz um mês que eu não converso com a minha mina. Quer dizer, eu converso, às vezes, mas é coisa de uma palavra, tipo “mozão tá aqui a comida” “obrigada”, “mozão vamo dormir” “não”, “mozão bom trabalho” “para de me zuar” e por aí vai. Faz um mês que ela não bota a mal passada no espeto, que ela não faz aqueles bolo colorido dela pra gente que parece o fogos de ano novo, ela não vem chorar as bezerra no meu colo. Tá muito foda, meu, e eu acho que não vai passar, eu tô com medo.
– Ela entrou em depressão, Léo? Mas onde que isso vem de te trocar?
– Não, ela não tá com essas paradas de depressão de novo. Da outra vez era diferente. Além do mais ela age normal com os outros nos lugar, sabe, mas os lugar é o trampo só, depois ela vem correndo direto pra casa pra fazer esses negócio que eu fico bolado.
– Mas o que ela tá fazendo?
– Ah velho. Ah… – e deitou na mesa também e começou a chorar, como os outros dois.
– A gente não vai poder te ajudar se você não contar nada, Leonardo.
– AH MANO É QUE ELA TÁ LIGADO ELA – e ia falando e engolindo o choro, e chorando mais e engolindo mais choro – ELA SE ENVOLVEU COM UMAS PARADA DE DOTA QUE EU NÃO SEI. A ÚNICA COISA QUE ELA SABE FALAR É PARDOTA E AÍ ELA ESCREVE NUNS BLOG DE NÃO SEI O QUE OS CARRINHO QUE TEM NO DOTA E FAZ VÍDEO PRA FALAR ESTRATÉGIA DESSE NEGÓCIO DE DOTA E COMPROU UMA CANECA DO TAL DOTA E QUANDO VAI TOCAR A GAITA DE FOLES DELA É SÓ AS MUSIQUINHA QUE TEM NO DOTA E DAÍ ELA VAI UNS TORNEIO OK TIROU UMA GRANA QUE DEU PRA UM CHURRAS MAS MEU E DAÍ EU QUERO MINHA MARINA DE VOLTA TÁ LIGADO!!! EU NÃO AGUENTO MAIS!!! – e levantou e bateu na mesa, frustrado, pegando a garrafa inteira que tinha em sua frente e virando-a em sua boca, deixando descer cada milímetro cúbico de fluido que tinha ali dentro, encostando na mesa de novo e se agonizando de chorar – Eu não aguento mais, meu… Eu não aguento mais… Esse negócio de mulher eu vou falar pra vocês, eu nem sei mais o que fazer…
Todo mundo observou estranho, sem saber ao certo o que pensar ou como reagir, mas tornaram-se a abraçá-lo heterossexualmente como fizeram com os outros. Zé solicitou aos músicos que tocassem Boate Azul, e os quatro amigos continuaram ali, a se acabar diante de seus pesos.

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escrito por nubobot42 narrado por yasu