Esses dias no Japão em que eu seria eu.
Sexta-feira, dia 11 de julho de 2025. Não que estejamos nesse dia hoje... na verdade já estamos a mais de dois meses de distância. E eu decidi escrever assim. À distância. Com muitos detalhes, talvez, mas com muita distância. Para ver que tipo de sabor o tempo trouxe a esse momento histórico da minha vida.
É necessário dizer também que muita coisa aconteceu de 11 de julho de 2025 pra cá. Uma parte considerável delas bem triste, lamento dizer. Uma pequena parte com relação ao Japão, a grande maioria não.
O que tenho registrado sobre essa sexta-feira é que eu arrumei uma parte das malas aqui. Minha viagem começaria no sábado, porque fiz uma gambiarra pra economizar passagem envolvendo ir da minha cidade até São Paulo de ônibus, dar um jeito de chegar a Guarulhos e só depois pegar avião. Ainda vou falar sobre como me arrependo disso, mas não hoje.
Hoje é sobre a sexta-feira. E acredito muito que tenha arrumado a parte mais importante das minhas malas na sexta-feira: as tamancas. Eu acredito que tenha escolhido os sapatos que usaria lá, porque é assim que meus looks sempre começam: com os sapatos.
Só tinha certeza sobre quatro:
1. uma enorme plataforma rosa de borracha que comprei no começo do ano na AliExpress, paguei uma fortuna (ainda mais considerando os impostos). Aí, quando chegou, me causou um pouco de arrependimento, porque não passava de uma lancha mal pintada e a única parte realmente interessante eram as tiras em cima, que tinham uma cor brilhante muito bonita. Não que ela fosse feia, mas não valia tanto. Ela continua cara até hoje, nunca entrou em promoção, então não tive opção. Ao menos ela continuava sendo o marco da viagem porque é o tipo de coisa que, se fosse pobre - mas não tão pobre, já que ela é cara -, a Kyary Pamyu Pamyu usaria;
2. uma anabela vinho verniz com as tiras meio parecidas com sapatos de japanese maid, que me deu um trabalho horroroso pra conseguir comprar. Ela foi gatilho para eu encomendar várias sandálias de uma fábrica e, no final das contas, a fábrica não conseguiu entregar no prazo pra minha viagem. Daí comprei a "original" mesmo, chorando muito por um desconto de 40%, só pra uma semana depois ela atingir a marca de 60% de desconto. Tudo bem, né? Talvez não chegaria a tempo se eu tivesse comprado mais tarde. Mentira. Eu perdi dinheiro mesmo. Perdi muito dinheiro;
3. um mocassim anabela preto que entrou em promoção em alguns lugares muito específicos, já que a marca só liberou essa promoção para a cor marrom e off-white, não para o preto que seria incluído posteriormente na coleção de verão. Bem, eu comprei na promoção, azar de quem não conseguiu comprar. Mesmo que tenha me dado um trabalho dos infernos;
4. minha bota preta de verniz, salto grosso e plataforma, que vai até na canela. A bota mais popstar que tenho. Até pensei de ir com a bota que vai até o joelho, no croco e com um salto engraçado, mas acho que Tóquio era mais a cara daquela de verniz.
Certo, esses quatro. De resto, era muito difícil. Eu só sabia uma coisa: não queria levar salto fino porque eu não daria conta de bater perna em Tóquio com salto fino. Isso era algo que até uma tamancuda como eu sabia. Já sabia que estava correndo um risco enorme levando várias anabelas e plataformas, porque anabelas e plataformas também não são assim, tão fáceis de andar. Mas não eram saltos finos.
Era algo que me empolgava muito pensar em levar vários sapatos, poder usar todos lá no Japão, todos os dias. Queria levar um por dia, 14 dias, mas não caberia na mala... aliás, já foi difícil colocar umas seis tamancas na mala, além do par de botas que foi na mochila. Também teve uma sandália de salto enorme que chegaria no hotel em Guarulhos porque achei na promoção e comprei de uma loja de São Bernardo do Campo. Eu não planejava usar essa sandália, ela tem um salto meio grosso de uns 14cm, não estava afim de me equilibrar naquilo andando pela cidade, mas não podia perder a promoção e não queria vê-la só depois de 15 dias ao voltar pro Brasil.
Continuando: talvez seja difícil de entender especificamente a obsessão de escolher tamancas pra ir pro Japão, mas não eram só as tamancas. As tamancas são o símbolo maior porque, no final das contas, é o que eu particularmente considero mais importante no figurino. É o que sempre prestei atenção. O que sempre tive uma relação confusa na vida até vestir e ver tudo fazendo sentido. Mas não era só isso, era tudo. A primeira coisa que pensei quando comprei minhas primeiras roupas femininas foi "só vou vesti-las em casa, tirar fotos e postar nos meus perfis secretos, não tenho coragem de me mostrar pro mundo assim". A segunda, não muito tempo depois, quando eu já tinha vestido, já tinha entendido tanta coisa que passei na melhor das hipóteses 1/3 da vida sem entender, já tinha contado pra algumas pessoas e mostrado pra elas o que era impossível de guardar só pra mim, foi que eu precisava urgentemente de uma viagem para alguma cidade bem longe onde eu pudesse sair com toda a liberdade que não tenho. Da terceira pra frente foi não me aguentar mais e sair na minha própria cidade, com aqueles amigos que me aceitariam, morrendo de medo das pessoas que me conhecem e não aceitariam, etc.
Mas vamos voltar pra segunda. Porque, assim, da terceira pra frente, existem certas dificuldades que uma cidade longe da minha cidade natal, da cidade onde vivo há 30 anos, não tem. Então o segundo pensamento continuava valendo. Eu não queria só me vestir e me maquiar como se fosse um evento especial, queria que o meu "normal" fosse me vestir e me maquiar, queria não ter medo das pessoas da rua olharem e lembrarem de uma versão completamente diferente de mim e me julgarem por isso. Queria saber o que acontece quando essa é a versão principal, deixando a outra versão apenas para os dias em que ela fosse estritamente necessária (a entrada no Japão, o dia de visitar parentes do Japão e a saída do Japão).
Meu coração estava pegando fogo por esses dias no Japão em que eu seria eu.
Era isso que significava a ansiedade por fazer um dia antes as malas de tamancas e das, talvez, poucas roupas que comprei: a minha bata creme, minha calça creme, meu conjunto cropped e minissaia verdes (eu acabaria esquecendo de colocar o cropped na mala), meu macaquinho jeans claro, minha calça marrom com flores creme, meus poucos brincos e colares e minha saia preta. Além desses quatro tamancos, eu sofri mas consegui escolher quais seriam os outros que levaria: uma plataforma em ráfia com a palmilha bege, que foi por muitos meses meu sonho de consumo, mesmo que eu já tivesse uma com a palmilha marrom; uma sandália anabela marrom cheia de detalhezinhos que me lembravam um pouco, com o perdão da minha imaginação sulista, o artesanato que eu via em novelas que tinham algo sobre cangaço; um tamanco anabela amadeirado com tachas que também foi meu sonho de consumo e eu fiquei meses namorando, até que consegui comprar por metade do preço, e aí não muito tempo depois ele pegou 75% de desconto mas nem fiquei brava porque dessa vez sim não chegaria a tempo; e um tamanco anabela cheio de franjas que acabei comprando junto com o mocassim anabela com muito sofrimento, que levei porque tamancos daquele jeito pareciam fáceis e confortáveis. E foi isso. Meu salto mais baixo até então era 8cm e era fino, então não levei nenhum sapato baixinho. O meu tênis masculino com o qual eu faria viagem de ida e de volta resolveria os problemas que eu eventualmente tivesse por lá. Deveria ter comprado uma flatform confortável? Deveria, mas até hoje não comecei a comprar sapatos "úteis", só comprei sapatos que eu sonhava em usar. Só agora que já tenho uma sapateira lotada cogito comprar coisas menores, tênis, e isso porque a próxima queima de estoque de verão com as anabelas da moda ainda não chegou.
Esses dias no Japão em que eu seria eu.
Ah! Era meu primeiro dia de férias, também. Também foi a última vez que jantei com a minha mãe antes da viagem. Mas posso falar sobre férias outro dia. E devo falar sobre meus pais outro dia também. Acho que prefiro definir essa sexta-feira, dia 11 de julho de 2025, como esse dia: o dia em que eu quase morri de tanto pensar que, quando estivesse no Japão, eu seria eu.