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whiplash

3 de novembro de 2020

Whiplashacerta as nota ai batera

 

o filme whiplash é bem legal.

como parte do que é absolutamente errado.

penso eu que poucos filmes falaram nada como o whiplash. ele não falou a arte, ele não falou as pessoas, ele não falou a cultura, ele não falou a música, ele não falou você, ele não falou o velho fissurado, ele não falou o jovem fissurado, ele não falou… nada. (e não importaria que não falasse nada disso, só estou jogando exemplos, tentando explicar como é “falar nada”. é muito difícil). daí, não quero dizer que não tenha gostado de assistir o filme, porque acho que nunca passei pela experiência de assistir um filme e simplesmente não gostar (eu não assisto muitos filmes). ainda assim, se tenho que justificar o motivo da existência do filme “whiplash”, esse motivo é para se montar uma roda de debates sobre assuntos que não interessam muito bem ao filme “whiplash” e ficar lá. serve de papel e caneta para anotar o que viu de si nas personalidades doentias, explicitamente doentias, mas com sacadinhas porque alguém, por algum motivo, quer mesmo que gostemos do velho, quer que gostemos do jovem, da escola, das apresentações de jazz que deram tudo certo, quer que gostemos da apresentação de jazz final onde o jovem aparentemente “vence” OU o velho aparentemente “vence”, quer que pensemos “no fundo, nós estamos aí sim”, quer que pensemos “no fundo, as coisas deram certo” ou quer que pensemos “no fundo, tudo permaneceu igual”. só que nada disso é importante.

porque nada, em whiplash, é importante. não tem importância. nada daquilo.
é legal. mas é chato demais. é legal na hora, porque tudo é legal na hora. mas é chato demais depois, a não ser que você goste de fantasmas, ou goste de analisar fantasmas, mas aí é que tá: ainda assim, mesmo para quem gosta de fantasmas, os fantasmas ali são demasiado irreais para que se analise sem um certo desgosto, uma certa repetitividade, uma certa possibilidade de recorrer aos analistas de fantasmas e obter resultados exatos, extremamente exatos, ao ponto de sair-se plenamente satisfeito com a análise e, na inexperiência, iludir-se que chegou a algum lugar, assim como na experiência entender que foi uma brincadeira mas chegou-se a lugar algum e ainda amargou-se um pouco a boca e o coração com as palavras que saíram e as palavras que entraram.

a princípio, se for dizer que significou algo, eu diria que whiplash é uma campanha para que nunca mais gostemos de jazz. porque o jazz apresentado em whiplash é uma merda. é exatamente como um merda poderia enxergar o jazz. “big band”, não como movimento musical mas como escolinha de novos orquestreiros, como uma competição, como uma “técnica”, mais ou menos como o fã de yngwie malmsteen enxerga a “técnica”, é um horror. não perdendo apenas para o horror provocado pela proliferação de amantes de frank sinatra que, aliás, é um sepúlcro musical, uma espécie de ritual do “dia de finados” da música. todo mundo que ouviu frank sinatra, gostou, e tentou fazer igual, tentou um pouquinho matar a música, visto que frank sinatra prescreve o espírito publicitário e qualquer um que o possui, de alguma forma, possui um pedacinho de frank sinatra dentro de si. mas tá, sem frank sinatra. temos então que whiplash é a segunda pior forma de jazz já vista, que não nos desperta paixão pela precisão técnica como ler quaisquer registros do miles davis ou do herbie hancock (não. eles não são parecidos. eu sei disso), ou ver um vídeo de estúdio na mata do emerson, lake & palmer, ou qualquer coisa do tipo, mas nos desperta repulsa. “é isso que esses caras fazem?”. o grande amuleto musical da liberdade, da “selvageria” como diriam medíocres da nossa nação, da criação, da não-contenção dos impulsos mais bonitos dos estados unidos da américa, foi reduzido a isso: domesticação e, por fim, doutrinação, imperialização, de espíritos doentios que só servem para trabalhar, e trabalhar, e trabalhar, e trabalhar; ser dominado para dominar, por meio de instrumentos que não significam absolutamente nada. entrar num palco e dizer absolutamente nada. viver para absolutamente nada, para fazer coisas que já nascem mortas.

é legal, entretanto, para falar pra pessoas: “nossa, viu só como música dá trabalho”. mas é puro ego também, porque você está mentindo (nada contra mentir pelo ego). fazer o que whiplash propõe não “dá trabalho” nenhum, não exige nada que outra pessoa não possa, e eventualmente vá, fazer melhor. não é difícil saber que música de verdade é aquela que se faz e simplesmente “não tem como fazer melhor”, se você está podendo competir com outra pessoa o que você está fazendo não é música. é trabalho braçal. é motor de carro, e olha que eu diria que os melhores motores de carro também nunca serão superados por serem únicos. bom, não é necessário se alongar nisso, já deu pra entender.

eu não gosto de nenhum personagem do whiplash. por mim seria um final legal se todo mundo morresse. se todo mundo se matasse, feito aquele antigo aluno do professor que se matou. encerrar a sua própria vida por não conseguir ser o melhor dos medíocres é póetico. seria legal se, no final, naquele show onde o jovem “impressiona” seu professor, ele começasse a se esfolar todo na bateria e acabasse morrendo, e então o professor acreditaria que todos na platéia estão pensando “nossa, que professor desgraçado!”, começaria a criar uma infinidade de pensamentos dentro de si, entraria em pânico, parafuso, sofreria um ataque cardíaco pela vergonha de ser exposto e morreria. e então a banda, sei lá, começa a chorar tanto que desidrata e morre. e aí cai um avião na platéia e todo mundo morre. a ex-namoradinha dele e o outro cara (teve um outro cara, né? não lembro muito bem disso) poderia comer um hambúrguer, ter uma intoxicação alimentar e morrer também. seria um final legal. todo mundo morto. seria mais legal ainda se esse final acontecesse sem o diretor, ou sei lá quem cuida disso, saber, porque aí poderíamos esfregar na cara desse palhaço: “sinceramente, todos os seus personagens são horríveis. não, nós não gostamos deles apesar dos seus esforços. nós não acreditamos que no fundo o professor tem um coração, ou que ele é uma espécie de artista que vai ao extremo pela sua obra e que portanto todos os seus desvios estão justificados, e ele nem ao menos nos convence como total psicopata. nós não acreditamos que o jovem é uma vítima e também não acreditamos que o jovem é forte o suficiente, ou legal o suficiente. nós não acreditamos que eles estão fazendo boa música ali no palco, então não acreditamos que ninguém que está apreciando essa merda está sendo gostável. nós não acreditamos que a ex-namorada seja uma pessoa legal, nós sequer acreditamos que você expôs os dois lados da história. nós não acreditamos no que aconteceu no filme whiplash. e não tente nos convencer que fomos nós que não entendemos, só não tinha nada ali. eu sei disso”.

mas ok, vai. o cover de caravan até que ficou legal.

escrito por nubobot42 narrado por heartshaped star